CRIMINOLOGIA
Aula 1
Introdução ao Estudo da Criminologia
Introdução ao Estudo da Criminologia
Olá, estudante! Nesta videoaula, você será apresentado aos aspectos introdutórios relacionados à criminologia. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, já que é imprescindível conhecer o conceito e o objeto de estudo para, então, compreender o fenômeno do crime e da criminalidade. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas à aula de introdução ao estudo da criminologia. Explorar a criminologia significa desvendar os mistérios por trás do crime, bem como compreender os mecanismos sociais e individuais que levam à transgressão da lei. Além de uma metodologia e objeto próprios, a carga histórica no âmbito da criminologia é essencial, pois essa ciência social é moldada por ideologias ao longo dos anos. Escolas criminológicas, como o iluminismo e a criminologia radical, refletem a interação constante entre teorias e ideologias.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Como a criminologia influencia políticas criminais?
- Qual o papel da criminologia na construção de políticas públicas eficazes?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Para que um ramo do conhecimento se torne uma ciência independente, é necessário que ele possua uma metodologia e um objeto próprios. No entanto, no caso da criminologia, além desses dois elementos, é crucial considerar uma carga histórica. Isso se deve à natureza da criminologia como ciência social, sujeita a influências de questões ideológicas inerentes ao seu desenvolvimento.
Embora a história da criminologia seja relativamente curta, está repleta de interpretações que buscaram se alinhar com diversas perspectivas políticas e sociológicas que surgiram nos últimos 100 anos. Várias escolas criminológicas emergiram nesse período, cada uma tentando identificar elementos vitais do crime e priorizando determinados aspectos em detrimento de outros menos influentes. Assim, a criminologia mantém uma interação constante com a ideologia, e vice-versa.
É notável que as mudanças no foco das políticas criminais foram amplamente influenciadas pela escola criminológica predominante em certos períodos históricos. Enquanto o iluminismo (Escola Clássica) abordava o crime por meio da lei, o positivismo confrontava o delinquente.
A Escola de Chicago buscava alterar a realidade social, e o interacionismo tinha a intenção de revisar as formas de reação ao comportamento delituoso. Por fim, a criminologia radical propunha uma transformação de perspectiva social e dos sistemas econômicos, ao passo que a teoria da racionalidade delinquente investigava questões relacionadas à redução das oportunidades sob a ótica do criminoso.
Apesar de a doutrina contemporânea raramente considerar características físicas como causas preponderantes para a criminalidade, persistem discursos no imaginário popular, os quais interferem em decisões políticas que tentam relacionar tratamentos médicos com políticas de combate ao fenômeno delitivo.
No entanto, é fundamental destacar que a caracterização de uma conduta como criminosa vai além da identificação do comportamento e do autor; é necessário realizar uma investigação para coletar provas e promover um julgamento justo. O conhecimento público de um fato delitivo, seja por meio da mídia ou de outra fonte, é insuficiente para condenar alguém, de maneira que se torna essencial contar com as instâncias formais de controle social.
A criminalização envolve uma dose de subjetividade, dependendo de agentes do Estado para avaliar se uma conduta é censurável. As instâncias formais, que contemplam desde as casas legislativas até o poder judiciário, funcionam como filtros que excluem condutas menos lesivas ao padrão moral majoritário e condenam aquelas que o ofendem. É crucial enfatizar que o crime é um fenômeno social presente em todas as civilizações, o qual existe desde o surgimento da sociedade e persistirá enquanto ela perdurar.
Conceito
A criminologia é uma disciplina voltada para a investigação das origens do crime e das motivações que levam uma pessoa a transgredir a lei. Essa abordagem se concentra no exame dessas causas e razões por meio de métodos empíricos e da observação de fenômenos sociais, incorporando a avaliação da vítima. Além disso, a criminologia critica o modelo punitivo existente, sugerindo aprimoramentos na política criminal do Estado. Apesar da natureza variável do crime ao longo do tempo, a criminologia acredita que a essência do delito permanece constante, sendo a conduta mais prejudicial aos bens jurídicos tutelados em um determinado contexto. Isso justifica o estudo de aspectos invariáveis e recorrentes. A criminologia busca como meta a melhoria de todas as nuances do direito penal.
A origem da palavra “criminologia” é atribuída a R. Garofalo, embora tenha sido utilizada anteriormente por P. Topinard. Inicialmente associada ao estudo do crime, a criminologia evoluiu para englobar a ciência geral da criminalidade, antes chamada de sociologia criminal ou antropologia criminal (Nucci, 2021).
Existem diversas interpretações sobre a criminologia, cada uma contribuindo para um conceito abrangente. Os objetivos principais são entender profundamente o impacto da infração penal na sociedade, saber os motivos que levam o Estado a punir determinados comportamentos, além de garantir que as punições estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais.
De acordo com Nelson Hungria, a criminologia é o estudo experimental do fenômeno do crime, com o propósito de pesquisar sua etiologia e encontrar formas de prevenção e correção. Garcia-Pablos de Molina a define como uma ciência empírica e interdisciplinar que aborda o crime, o infrator, a vítima e o controle social do comportamento delitivo, oferecendo informações válidas sobre a gênese, dinâmica e principais variáveis do crime (Nucci, 2021).
O direito penal, a criminologia e a política criminal formam os alicerces das ciências criminais, representando um modelo integrado de ciência conjunta. A criminologia estuda o crime e o criminoso para avaliar a necessidade da punição, integrando a infração penal ao contexto global e considerando suas consequências para a sociedade.
Desde sua origem, a criminologia abrangeu a antropologia criminal, a psicologia criminal e a sociologia criminal. A relação entre direito penal e criminologia é indispensável, pois esta fornece dados empíricos àquele, contribuindo para o entendimento do conceito material de crime. A criminologia, priorizando o estudo, instrui o direito penal, estabelecendo uma relação de necessidade entre ambas as disciplinas.
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Objeto
A criminologia pode ser caracterizada como uma ciência pré-jurídica, pois se dedica a compreender fenômenos e conflitos sociais que buscam integração no direito penal, dando origem a tipos penais incriminadores e delineando a figura do crime e da pena associada a ele.
Seu objeto de estudo engloba o ser humano, sua vida social, suas ações e toda a sua evolução, tanto como espécie quanto como indivíduo. Desse modo, a criminologia observa (por meio de disciplinas como biologia, tipologia, psicologia, psiquiatria, psicanálise, sociologia e ciências morais) e aplica (utilizando medicina legal, criminalística e ciência penitenciária).
É possível estabelecer um paralelo entre criminologia e medicina, pois combater uma enfermidade é mais eficaz quando ela ainda está incubada, visto que é possível prevenir sua manifestação, mas também agir quando já causou danos, na intenção de interromper e reparar tais efeitos destrutivos. Da mesma forma, a criminologia pode atuar tanto no contexto reativo ao delito quanto na prevenção, eliminando as causas que impulsionam a ocorrência dessa transgressão. A criminologia, de maneira semelhante à medicina preventiva e reparatória, busca agir no cenário do crime.
Trata-se de uma disciplina que aborda diversos objetos, como o crime, o criminoso, a vítima e a pena, podendo contemplar, ainda, a política criminal. No estudo do crime, a criminologia o analisa como fenômeno social, requerendo ações punitivas do Estado, e avalia o repúdio da sociedade a determinados comportamentos, além de examinar os meios para preveni-los ou repará-los.
No contexto do criminoso, é fundamental compreender o ser humano em seus padrões naturais, considerando fatores sociológicos sem ignorar os etiológicos, relacionados a valores psíquicos e biológicos. Em relação à vítima, deve-se avaliar a interação com o agente criminoso, sua conduta anterior ao crime e seus reflexos na vida comunitária. Quanto à pena, a criminologia investiga, critica e sugere melhorias no mecanismo punitivo estatal.
Vale ressaltar, ainda, que a criminologia deve se voltar para a política criminal do Estado, pois dela derivam muitas normas penais que influenciam as relações na área criminal. Não se trata de um esforço isolado do penalista a tarefa de avaliar crimes e suas consequências punitivas; o criminologista deve analisar os tipos penais incriminadores em vigor para sugerir alterações necessárias e adaptar o ordenamento jurídico-penal à realidade.
Embora a criminologia seja distinta do direito penal, que valoriza a realidade e a integra nas normas jurídicas, a colaboração entre ambas as disciplinas é imprescindível. A criminologia, ao explicar a realidade, orienta a política criminal para criar normas penais alinhadas à sociedade. O estudioso do direito penal, por sua vez, deve entender os postulados criminológicos para interpretar a norma em consonância com a realidade. A convergência entre criminologia e direito penal é enriquecedora.
A criminologia não é normativa, pois não cria leis; ao contrário, busca o substrato fático do crime para informar os poderes públicos. A transformação dessas informações em normas concretas ocorre por meio da política criminal. No entanto, a criminologia não deve abrir mão de verificar se as normas seguiram os informes prestados, criticando o ordenamento jurídico de maneira empírica e investigativa.
O conhecimento das causas do delito pela criminologia pode ajudar a enfrentá-lo de modo racional, procurando reduzir a delinquência ou, no mínimo, atenuar sua gravidade. Essa compreensão deve ser abrangente, sem exclusividade quanto a uma teoria criminológica específica.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Como a criminologia influencia políticas criminais?
- Qual o papel da criminologia na construção de políticas públicas eficazes?
A criminologia desempenha um papel crucial na formação e transformação das políticas criminais ao longo do tempo. Vale destacar que as mudanças no foco das políticas criminais estão fortemente vinculadas às escolas criminológicas predominantes em diferentes épocas. Cada escola, como o iluminismo, positivismo, Escola de Chicago e criminologia radical, impactou a abordagem estatal escolhida para tratar do crime. A criminologia não apenas reflete as ideias ideológicas do momento, mas também sugere aprimoramentos na política criminal, ressaltando seu papel influente na orientação das práticas punitivas do Estado.
Trata-se de uma disciplina que exerce uma função crucial na construção de políticas públicas eficazes, fornecendo um entendimento aprofundado das origens do crime e das motivações criminosas. Assim, a criminologia busca a melhoria de todas as nuances do direito penal, questionando e criticando o modelo punitivo existente. Ao incorporar métodos empíricos, observação de fenômenos sociais e avaliação da vítima, essa ciência concede informações valiosas sobre a gênese, dinâmica e principais variáveis do crime. Tal base de conhecimento fundamenta a formulação de políticas públicas que objetivam prevenção, correção e tratamento mais eficientes do fenômeno criminal.
Saiba Mais
Para que você possa aprofundar suas pesquisas sobre o objeto de estudo da criminologia, faça a leitura do artigo de Bleichvel (2013): Reflexões sobre a transformação do objeto de estudo da criminologia.
Referências Bibliográficas
BLEICHVEL, M. A.; LEAL, R. J. Reflexões sobre a transformação do objeto de estudo da criminologia. Revista Eletrônica de Iniciação Científica, Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da Univali, v. 4, n. 4, p. 616-632, 2013. Disponível em: https://www.univali.br/graduacao/direito-itajai/publicacoes/revista-de-iniciacao-cientifica-ricc/edicoes/Lists/Artigos/Attachments/962/Arquivo%2034.pdf. Acesso em: 26 jan. 2024.
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
PRADO, L. R. Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Aula 2
Evolução Histórica
Evolução Histórica
Olá, estudante! Nesta videoaula, você será apresentado à história da criminologia, suas principais escolas e teorias. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, já que é imprescindível conhecer as escolas e teorias criminológicas para, então, compreender a expansão da criminalidade. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre a história da criminologia, suas principais escolas e teorias.
O debate sobre política criminal frequentemente parece restrito aos líderes eleitos, mas a criminologia fornece a base essencial para a formulação de leis eficazes. Nesta etapa de aprendizagem, investigaremos desde as teorias clássicas, que categorizavam criminosos, até abordagens contemporâneas, que veem o crime como um fenômeno natural. Analisaremos, também, a influência da psicologia humana sobre nossas ações diárias e de que maneira estruturas de personalidade podem exercer impacto sobre a prática delitiva. Por fim, examinaremos o crime sob as possíveis perspectivas da vítima, tanto aquelas genuínas quanto as que simulam a vitimização para obter vantagens.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Como a Escola Clássica de Criminologia concebe o crime e a aplicação da pena? De que modo ela influenciou o surgimento da criminologia como uma disciplina independente?
- Como a transição da Escola Clássica para a Escola Positivista de Criminologia, liderada por Lombroso, afetou as abordagens metodológicas, o foco voltado à natureza do crime e a busca por soluções para o problema da criminalidade?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Escola Clássica e Lombroso
A Escola Clássica marca o primeiro esforço para explicar o fenômeno do crime, caracterizando um período na concepção criminológica que ainda não possuía autonomia científica. A criminologia como disciplina acadêmica surgiu posteriormente, com o advento do positivismo, o qual estabeleceu critérios metodológicos e objetos específicos, transformando os estudos sobre o crime (em sentido material) em uma ciência independente.
O termo “escola clássica” foi inicialmente cunhado pelo antropólogo Topinard e tornou-se tema central de uma obra publicada em 1885, escrita pelo italiano Raffaele Garofalo. Esse período histórico é permeado pela crença de que o crime não é um fenômeno natural, e sim jurídico. A ciência criminal, nessa perspectiva, se apoia em dois princípios: o direito serve para conter o abuso repressivo por parte das autoridades; e o crime decorre do direito, não sendo uma circunstância natural. Ou seja, não há um crime intrínseco, mas sim uma conduta censurada de acordo com a compreensão social expressa pela lei.
Cesare Beccaria é um dos principais representantes dessa escola. Ele argumenta que a sociedade civilizada depende do respeito a um contrato aceito por todos, a fim de possibilitar a convivência pacífica. A legitimidade da pena, segundo Beccaria, deriva do descumprimento desse contrato por parte de um indivíduo delinquente, sendo sua aplicação uma medida prática para dissuadir outros de violarem o acordo que sustenta a convivência pacífica.
Posteriormente, emerge a Escola Positivista de Criminologia, inaugurada por Lombroso em 1876 com a publicação do livro O homem delinquente. Essa abordagem surge em resposta ao descontentamento com os resultados obtidos pela Escola Clássica. Durante o domínio dessa perspectiva, as taxas de criminalidade, especialmente em relação à reincidência, aumentaram. A Escola Positivista direcionou sua atenção para a análise da causa e natureza do crime, afastando-se do enfoque anterior, voltado à legitimidade e limitação da punição.
A vertente positivista adotou métodos empíricos, utilizando a experimentação para validar premissas. Assim, tornou-se um meio de a criminologia obter conhecimento e propor soluções para o problema da criminalidade. Essa escola se destaca pela busca da neutralidade do direito, na intenção de remover aspectos morais que poderiam interferir na análise das causas, consequências do crime e elaboração de instrumentos legais para conter atividades delitivas.
A teoria de Lombroso se fundamenta na ideia de que, ao observar características físicas dos delinquentes, seria possível identificar semelhanças biológicas transmitidas hereditariamente, indicando uma maior ou menor propensão para a prática de crimes. Tal abordagem é conhecida como teoria do atavismo, que define o criminoso atávico como um indivíduo exteriormente reconhecível, representando um homem menos civilizado que seus contemporâneos, fato que é considerado um enorme anacronismo.
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Modelos socialistas e Escola de Chicago
No final do século XIX, deu-se origem ao embrião do modelo socialista de criminologia, o qual desencadeou diversas outras escolas com um ponto comum: a crença de que o crime é resultante do meio social e econômico no qual o delinquente foi criado.
A ideia predominante era a de que apenas com o desaparecimento do sistema capitalista seria possível almejar a erradicação do crime. Um dos proponentes notáveis dessa escola, W. Bonger, afirmou que o capitalismo, ao valorizar o lucro, a competição e, consequentemente, a acumulação de riqueza, induzia sentimentos prejudiciais à convivência social, como o egoísmo e a hostilidade em relação a comportamentos solidários.
A sociologia criminal americana, associada a essa corrente, via o crime como uma conduta desviante inserida no âmbito dos “fatos sociais”. Dentre suas vertentes, destacou-se a Escola de Chicago, conhecida por sua teoria ecológica do crime, que, contrariamente ao que o termo sugere, não se trata de crimes ambientais, e sim de um fenômeno relacionado a uma área geográfica que cria condições propícias para a prática criminosa, denominada “hábitats”.
Em sua formulação inicial, Chicago, como a segunda maior cidade dos Estados Unidos, enfrentou desafios significativos com a imigração maciça de famílias vindas de várias partes do mundo. Durante essa época, os guetos foram particularmente afetados pela criminalidade. Pesquisadores observaram que áreas desassistidas, desprovidas de serviços estatais, apresentavam altas taxas de infrações.
Essas regiões, comumente habitadas por imigrantes, tornaram-se centros não apenas de prática criminal, mas também de transmissão de métodos criminosos, independentemente da origem dos moradores. Em outras palavras, se a cultura criminosa já estivesse estabelecida entre os residentes, ela seria transmitida para todos os habitantes daquela região, sem embargo de suas nacionalidades, consolidando-se como um fenômeno natural nessa área.
No contexto da criminologia nos países socialistas, os primeiros estudos observaram uma liberdade para os cientistas investigarem o fenômeno do crime. Entre 1917 e 1930, a ênfase estava no aspecto psiquiátrico do criminoso. Na segunda fase do modelo comunista-soviético, o Estado abandonou a criminologia, tomando apenas o direito penal como instrumento de terror da política stalinista. Na terceira e última fase, após a morte de Joseph Stalin, os estudos se voltaram contra o modelo econômico capitalista, o qual é considerado pelos pesquisadores socialistas como a origem da cobiça, do individualismo, além de ser responsável pela produção de miséria, marginalização dos excluídos e busca desenfreada pelo lucro.
Criminologia crítica e outras teorias
A partir de agora, trataremos da criminologia crítica, que apresenta uma inovação central ao deixar de direcionar o foco ao criminoso ou ao ato por ele praticado para analisar o sistema de controle em relação à prática criminosa. Esse sistema é entendido como um conjunto de agências ou instâncias responsáveis pela produção normativa e julgamento do fato criminoso.
Nessa abordagem, a questão não é o que leva alguém a cometer um crime, mas por que algumas pessoas são consideradas criminosas, de que modo esse rótulo pode influenciá-las e qual a legitimidade do Estado para definir o que é crime. Os adeptos dessa corrente concluem que o crime seria uma conduta censurada pelos grupos dominantes no poder, os quais, para manterem sua posição, criminalizam condutas que ameaçam esse domínio.
Nesse panorama, o direito penal estaria a serviço dos poderosos, cujos valores não coincidem com a moral da sociedade em geral. Assim, embora a sociedade seja plural, o direito impõe um padrão único estabelecido pelos detentores do poder.
A abordagem do etiquetamento, ou labeling approach, sustenta a noção de que o desvio de conduta não é uma conduta criminosa em si, mas uma interpretação relativa baseada em questões morais predominantes em determinado período e local. As instâncias formais de controle, como órgãos de investigação, judiciário e parlamento, criam rótulos entre pessoas socialmente desejadas e não desejadas. Ao ser rotulada como não desejada, a pessoa pode praticar atos que sejam considerados como crimes, confirmando a categorização a que foi submetida. Esse etiquetamento exclui os não desejados e, ao mesmo tempo, contribui para que esses indivíduos continuem praticando crimes, justificando o rótulo que lhes foi imposto.
Na criminologia radical, o direito, como forma de controle social, é resultado de uma luta histórica entre classes sociais, representando os valores dos grupos sociais vencedores. Essa estrutura não foi elaborada para pacificar, mas opera como um instrumento de controle dos mais fortes sobre os mais fracos.
Portanto, na teoria e na prática, um ato só seria considerado crime se fosse praticado por indivíduos de classes mais baixas ou contra os poderosos. Em contrapartida, se os detentores do poder causarem danos aos mais pobres, essas ações serão consideradas atípicas (sem previsão legal). Para a criminologia radical, combater a criminalidade em uma sociedade capitalista é inviável, pois é o próprio capitalismo que a provoca. Nesse sentido, a sociedade deve repensar seus conceitos, como a acumulação de riqueza e a busca pelo lucro, em vez de se concentrar na ressocialização do delinquente.
A crítica à criminologia radical aponta que os valores protegidos pelo ordenamento nem sempre estão ligados à elite ou em favor de classes historicamente privilegiadas. No Brasil, por exemplo, valores conservadores são mais evidentes entre as classes mais humildes, influenciadas por criações familiares rígidas ou questões religiosas radicais.
Além disso, a criminalização de uma conduta não é relativista, mas busca viabilizar a convivência entre todos, garantindo a máxima liberdade individual com o menor sacrifício possível de sanções. A crítica também rejeita a associação direta entre pobreza e criminalidade, enfatizando que crimes cometidos pela burguesia também ocorrem, com previsão legal e impunidade proporcional.
A abordagem pós-modernista, liderada por Michel Foucault, ressalta que as instituições sociais e o discurso por elas transmitido, incluindo conceitos, objetivos de vida e padrões morais, exercem controle sobre os indivíduos. O poder, segundo Foucault, não está concentrado em um único sujeito ou classe, e sim disperso, controlando a todos.
A teoria da escolha racional alega que o crime resulta de uma oportunidade percebida pelo delinquente ao avaliar as vantagens e desvantagens de um ato criminoso. O foco, então, deve estar voltado à redução das oportunidades que viabilizam a atividade criminosa, aumentando o policiamento em áreas de maior incidência de crimes e conscientizando a comunidade sobre os valores do ordenamento. A legislação brasileira foi influenciada por essa teoria, fortalecendo a proteção de grupos mais vulneráveis, como mulheres, idosos e crianças.
Os teóricos pós-modernistas, como Michel Foucault, destacam que a realidade que nos cerca não pode ser compreendida de forma neutra e imparcial, pois nossa percepção é influenciada pela linguagem. O pós-modernismo preocupa-se com o método de absorção da realidade pela linguagem e se opõe a discursos tendenciosos.
O realismo de esquerda, desenvolvido na década de 1970, sugere uma teoria que envolve o agente, a vítima, o controle formal e o controle informal, sublinhando a importância da análise empírica no entendimento do fenômeno criminoso. Por fim, a teoria da escolha racional ressalta que o crime é o exercício de uma oportunidade percebida pelo delinquente, e a atenção deve ser direcionada à redução dessas oportunidades, a fim de coibir a prática delitiva. Essa abordagem influenciou a legislação brasileira, reforçando a proteção de grupos mais vulneráveis.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Como a Escola Clássica de Criminologia concebe o crime e a aplicação da pena? De que modo ela influenciou o surgimento da criminologia como uma disciplina independente?
- Como a transição da Escola Clássica para a Escola Positivista de Criminologia, liderada por Lombroso, afetou as abordagens metodológicas, o foco voltado à natureza do crime e a busca por soluções para o problema da criminalidade?
- A Escola Clássica, representada por Cesare Beccaria, concebe o crime como um fenômeno jurídico, não natural, fundamentando-se na crença de que o direito serve para conter abusos repressivos e que o crime decorre do descumprimento de um contrato social. A aplicação da pena, para Beccaria, é legítima quando pretende dissuadir outros de violarem o contrato que sustenta a convivência pacífica. Essa abordagem influenciou o surgimento da criminologia ao estabelecer as bases para o estudo sistemático do crime como objeto de análise científica.
Transição para a Escola Positivista
A transição da Escola Clássica para a Escola Positivista, liderada por Lombroso, afetou as abordagens metodológicas ao adotar métodos empíricos e a experimentação para analisar a causa e natureza do crime. Enquanto a Escola Clássica se concentrava na legitimidade e limitação da punição, a vertente positivista afastou-se desses aspectos, direcionando a atenção para o entendimento das origens biológicas e hereditárias do comportamento criminoso. Essa mudança metodológica teve a intenção de oferecer conhecimento científico para solucionar o problema da criminalidade, apartando-se do enfoque moral anterior.
Saiba Mais
Para que você possa aprofundar suas pesquisas sobre a história da criminologia, faça a leitura do artigo de Ribeiro (2017): Criminologia.
Referências Bibliográficas
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
PRADO, L. R. Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
RIBEIRO, M. dos S. Criminologia. Jus.com.br, 14 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59164/criminologia#google_vignette. Acesso em: 22 jan. 2024.
Aula 3
Criminologia Clínica
Criminologia Clínica
Olá, estudante! Nesta videoaula, você será apresentado a uma das áreas de estudo da criminologia: a clínica. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, pois é fundamental conhecer esse campo de estudo quando se deseja obter uma melhor interpretação do crime e do criminoso. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre criminologia clínica. No decurso desta etapa de aprendizagem, examinaremos a criminologia clínica e os impactos da personalidade do indivíduo na prática do crime. Para deixar claro, nesse contexto, não faremos pré-julgamentos, mas exploraremos as características psicológicas que podem contribuir para a ocorrência de crimes específicos. Vamos lá?
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Como a criminologia clínica se distingue da criminologia geral? De que maneira ela utiliza o conhecimento teórico para abordar casos práticos com o propósito de reabilitar ou prevenir a reincidência criminal?
- Diante das diferentes abordagens bioantropológicas modernas, como endocrinologia e genética, e das teorias psicológicas, como psicodinâmica e psicanálise, qual é a importância da interdisciplinaridade entre psicologia, psiquiatria e criminologia para obter uma compreensão mais abrangente do comportamento criminoso, destacando a complexidade dos fatores envolvidos e a necessidade de avaliações individualizadas?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Criminologia clínica: conceito e reflexos jurídicos
A categorização do objeto científico entre duas ou mais espécies exerce a função de estabelecer uma ordem entre os semelhantes e, ao mesmo tempo, criar padrões de comparação em meio aos desiguais. No âmbito da criminologia, essa distinção não é exceção. Vamos, então, diferenciar os dois principais gêneros dentro desse campo de conhecimento: a criminologia geral e a criminologia clínica.
A criminologia geral se destaca por moldar os elementos de estudos abstratos e científicos por meio da sistematização, comparação e classificação das ciências criminais relacionadas ao objeto de pesquisa, incluindo o criminoso, a vítima, o controle social e a criminalidade. Por outro lado, a criminologia clínica é encarregada de aplicar os conhecimentos desenvolvidos no plano teórico, integrando-os ao plano prático, a fim de reabilitar ou prevenir a ocorrência/reincidência do crime por parte do delinquente.
Podemos afirmar, portanto, que a criminologia clínica é a ciência que instrumentaliza o conhecimento proveniente de diversas áreas na intenção de proporcionar um tratamento adequado ao criminoso. Com base no padrão de comportamento adotado, o exame clínico é capaz de indicar o grau de periculosidade do agente (diagnóstico), as consequências sociais dessa característica (prognóstico) e o modelo de acompanhamento “psic-ológico”, “psiqui-átrico” ou “psiqui-analítico” mais apropriado para reduzir a probabilidade de ocorrência de eventos criminosos futuros (reincidência). Dessa forma, a criminologia clínica avalia comportamentos anormais, ou seja, aqueles que se desviam de um padrão predeterminado, a partir do exame criminológico, considerando os diversos fatores internos e externos que contribuíram para a consumação da conduta criminosa.
É relevante observar que o destaque para o prefixo (psi+que) nos adjetivos “psicológico”, “psiquiátrico” e “psicanalítico” feito anteriormente foi intencional. Isso se deve ao fato de que esses morfemas, em grego, significam “estudo da alma”. Cada uma dessas ciências estuda a alma do indivíduo sob a dimensão imaterial do ser, ou seja, da criatura que manifesta uma ação.
O exame criminológico utiliza esses estudos para avaliar o indivíduo com base em características comportamentais específicas, extraindo a verdade sobre a alma do delinquente. Assim, podemos definir o exame criminológico como um procedimento pericial que analisa a personalidade do agente na intenção de medir seu respectivo grau de periculosidade em situações que despertam o interesse do direito penal. Esse procedimento examina a personalidade do autor do crime, sua capacidade de compreensão da realidade, grau de periculosidade, sensibilidade à pena e a possibilidade de correção concreta.
É importante notar que não se trata de submeter um delinquente a um exame de insanidade. Na verdade, o objetivo do exame criminológico não é aplicar uma pena ou medida de segurança, e sim oferecer bases científicas para a formulação de uma probabilidade de comportamento criminoso futuro (reincidência).
Quanto à previsão desses exames em nosso ordenamento, anteriormente havia um dispositivo na Lei de Execução Penal para a progressão de regime. No entanto, em 2003, o legislador excluiu esse critério subjetivo como condição para a mudança do regime de cumprimento de pena, mantendo apenas critérios objetivos (tempo cumprido) e o bom comportamento durante a execução.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a súmula vinculante nº 26, que reintroduziu o exame criminológico para a progressão do condenado em casos de crimes hediondos. Desse modo, permite-se ao juiz competente avaliar a realização do exame, desde que essa exigência seja devidamente fundamentada na decisão.
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Análise biológica e social
Voltemos à exploração dos estudos sobre a expressão da personalidade, que se desenvolve na essência do agente. É amplamente conhecido o fato de que as teorias que direcionaram o foco às características orgânicas do infrator foram completamente excluídas das ciências criminais logo após a Segunda Guerra Mundial. Tais teorias foram acusadas de contribuir de maneira decisiva com a difusão de políticas racistas do início do século, as quais desencadearam a morte de milhões de pessoas que se enquadravam em um perfil biológico indesejado pelos governos ou pela maioria dominante.
O Holocausto, um plano de eliminação dos judeus, foi a concretização de uma política baseada na falsa superioridade de uma raça sobre outra. O governo nazista pressupunha que os judeus eram moral, intelectual e fisicamente inferiores aos arianos por questões exclusivamente biológicas. Assim, o Estado (Terceiro Reich) assumiu o papel, inicialmente atribuído à natureza, de selecionar, por meio de força e genocídio, a raça mais forte (ou aquela considerada assim), com o objetivo de criar um povo mais preparado para desafios naturais, sociais e econômicos.
No entanto, essa visão distorcida culminou em uma concepção evolucionista, porém distorcida, já que a suposta superioridade alemã só existia no âmbito da maioria política, enquanto os judeus notoriamente formavam uma comunidade científica, artística e filosófica tão robusta quanto qualquer outra. Personalidades como Albert Einstein, Sigmund Freud, Steven Spielberg e diversos outros vencedores de prêmios Nobel, Oscar e Olimpíadas eram judeus.
Não se nega que a antropologia e as ciências “psi” tenham colaborado com a disseminação de políticas racistas e escravocratas. Contudo, é crucial ressaltar que nenhum desses ramos do conhecimento foi desenvolvido para justificar a hegemonia de uma etnia sobre outra e, portanto, não merece ser abolido. Houve uma grave distorção de seus ensinamentos para fins pessoais por líderes do passado, que se aproveitavam de meias-verdades para atingir objetivos inteiramente pessoais, como ocorreu com o nazismo, o fascismo e o stalinismo.
A abolição de um conhecimento é uma atitude autoritária e típica de governos totalitários. Assim, afirmamos que os estudos científicos existem para nos ajudar a compreender a natureza das coisas e controlá-las em nosso favor. As ciências da personalidade, do homem e da humanidade têm esse papel, embora tenham sido mal aproveitadas em tempos remotos.
Logo, os exemplos históricos mencionados não devem ser utilizados como estímulo à censura, e sim como um alerta para que não nos deixemos seduzir por instrumentos de controle sustentados principalmente por preconceito, frustrações e ganâncias pessoais, disfarçados sob o pretexto de atender a interesses sociais e científicos.
O ser humano não é o mero resultado do meio em que vive, mas também não está acima dele. Existe uma interação entre o que ocorre no campo psíquico e a realidade externa que o cerca. Somos moldados pelo que vivenciamos, porém o que vivemos também é resultado das nossas escolhas pessoais dentro de um conjunto de opções, a partir do qual poderíamos ter tomado decisões diferentes.
Nesse sentido, é correto alegar que as condições externas podem contribuir para que um grupo de pessoas, com uma identidade compartilhada, torne-se mais vulnerável socialmente à prática de um crime. Ao mesmo tempo, cada pessoa pode carregar uma característica, decorrente de uma escolha própria, que a torne propensa a manifestar um comportamento frente à situação criminalizante.
Com isso, chegamos a uma conclusão crucial! O estudo da psique humana é válido quando aplicamos os conhecimentos dessas ciências na avaliação de casos particulares. Devemos analisar cada pessoa individualmente para adotar soluções adequadas. De forma alguma podemos generalizar a característica de um ser como se fosse algo compartilhado por todas as outras pessoas que tenham relação com ele. A interação entre a vulnerabilidade social e a fragilidade pessoal é um fenômeno que cabe à psicologia, psicanálise e psiquiatria explicar e fornecer elementos aos criminólogos, com o objetivo de produzir soluções apropriadas para os casos particulares. Isso não pode ser ignorado.
Concordando parcialmente com a criminologia crítica, podemos afirmar que a conduta criminosa é o reflexo de uma decisão pessoal, apreendida entre várias outras no meio social, que só se realiza diante da decisão própria do delinquente de respeitar a norma elaborada por uma moral dominante, a qual censura o comportamento adotado por ele. Por qual motivo, afinal, o infrator pode desrespeitar a norma?
O estudo sobre as características individuais do delinquente sempre recebeu, por parte dos cientistas, um tratamento especial na investigação de causas relativas ao cometimento do crime. Nesse cenário, a teoria bioantropológica surgiu como um ramo da ciência cuja intenção é analisar elementos ou processos inerentes ao organismo humano que favorecem a prática de determinadas condutas, independentemente do ambiente em que o indivíduo esteja inserido. Trata-se, portanto, de um dado que orientará a conduta humana, mais do que um mero determinismo, já que pela constituição do corpo será possível detectar uma predisposição do agente (e não uma certeza) à adoção de uma atitude criminosa.
Não se pode confundir a teoria bioantropológica moderna com as ideias que Lombroso defendia. De acordo com o estudioso italiano, o criminoso seria provido de características externas que sinalizariam a inferioridade biológica, acompanhadas de um comportamento social anormal, pelo que suas ações seriam incompatíveis com a civilização contemporânea. Atualmente, existem dois ramos que investigam características biológicas capazes de influenciar (e não determinar) um comportamento violento/criminoso. Vamos conhecê-los?
- Endocrinologia: estuda a relação entre o funcionamento anormal de uma glândula hormonal específica e os comportamentos do indivíduo. Esse funcionamento irregular não é transmitido por fatores hereditários, e os hormônios não definem diretamente o cometimento do crime, ainda que possam exercer influência sobre esse aspecto. A anomalia pode ser tratada com medicamentos e, em alguns casos, levada à cura.
- Genética e hereditariedade: o atavismo voltou a ser tema de discussão e pesquisa com o desenvolvimento do Projeto Genoma. Concluiu-se que existe uma frequência maior entre criminosos que compartilham da mesma ascendência do que entre aqueles sem histórico familiar (biológico) no que diz respeito à prática de certos crimes. Pesquisas foram realizadas com famílias criminosas, gêmeos e adotados, como também com indivíduos afetados por malformação cromossômica.
Ressalta-se que as modernas teorias bioantropológicas abandonaram a ideia de uma relação definitiva entre um elemento genético e a prática do ilícito. Segundo essas teorias, não existe um vínculo de causalidade necessário entre a anomalia e o crime. A reunião de fatores psicológicos, genéticos e fisiológicos pode colaborar para uma reação delitiva dependendo do ambiente em que a pessoa se desenvolveu.
Agora, vamos investigar as teorias que se debruçam sobre a psicologia humana em sentido amplo. De acordo com a doutrina, as três principais vertentes da psique abandonaram a ideia de um elemento orgânico como fundamental para o fenômeno do crime, diferenciando-se, assim, das teorias bioantropológicas modernas. Além disso, as teorias psicológicas atestam que o modo de criação cooperará com a formação de características mais propensas ou não à iniciativa criminosa.
De acordo com esse entendimento, o crime não resulta de um elemento físico presente no corpo, mas de uma característica psicológica (em sentido amplo) responsável por controlar os impulsos de condutas antissociais.
Os autores que seguem essas teorias afirmam que o homem, assim como os demais animais, nasce moralmente neutro e dotado de reações naturalmente selvagens diante de suas relações sociais. Isso representa uma predisposição comum a qualquer comportamento, inclusive de violência. Não significa, porém, que o homem seja o lobo do próprio homem, como afirmava Thomas Hobbes, e sim que o homem, no estado selvagem, é como o lobo na busca pela sobrevivência, isto é, neutro e amoral.
Teorias psicológicas
A capacidade humana de raciocinar e a necessidade de interação levaram à criação de regras sociais para facilitar a convivência pacífica entre indivíduos com valores e objetivos de vida distintos. As normas morais e jurídicas representam a cultura civilizatória que promove essa convivência. Elas são transmitidas pelo Estado, família, amigos e ao longo das gerações em diversos contextos territoriais.
No entanto, é evidente que algumas pessoas assimilam ou aceitam essas normas com mais facilidade do que outras. A psicologia desempenha um papel crucial ao investigar os processos de aprendizagem ou suas deficiências, que podem determinar a transformação de um indivíduo selvagem em alguém socialmente adaptado ou, ao contrário, rebelde.
As explicações sobre o crime são desenvolvidas com uma relativa facilidade nas escolas de psicologia, cada uma partindo de um marco decisivo diferente. Algumas dessas teorias psicológicas são:
- Psicodinâmica: considera o crime como resultado externo de um conflito interno no indivíduo, permitindo que impulsos naturais prevaleçam sobre modelos de resistência adquiridos, principalmente durante a infância. A consciência (ou superego) do infrator se mostra incapaz de impedir a vontade de transgredir a norma.
- Modelo psicanalítico: examina o crime tanto pela perspectiva do delinquente quanto pela ótica da sociedade punitiva, que cria e busca punir o crime. Essa teoria ressalta a importância da linguagem e dos símbolos, como o complexo de Édipo, complexo de inferioridade, vontade de poder e libido.
- Revelação do inconsciente: formada por instintos, repressões e experiências traumáticas desde a vida uterina. De acordo com essa perspectiva, a personalidade é moldada por três instâncias (id, ego e superego), cada uma agindo de maneira diferente. O id é irracional e inconsciente, guiado pelo princípio do prazer. O superego atua como a “consciência”, controlando os impulsos do id, enquanto o ego equilibra o hedonismo do id com as exigências morais do superego.
- Teoria do crime: argumenta que o homem nasce associal e que o crime resulta de um processo de civilização malsucedido, no qual o superego perde o controle sobre o ego, deixando o id livre para agir conforme o prazer imediato. Nesse caso, a personalidade seria moldada durante a infância.
- Pena numa sociedade punitiva de acordo com a teoria psicanalítica: busca legitimar a ordem para garantir a paz, reforçando o ego com informações para cumprir os deveres dirigidos pelo superego. Funciona como um método de conscientização coletiva e identificação da sociedade com a vítima ou o infrator.
- Psiquiatria e psicologia criminal: a psicologia criminal aborda a personalidade do indivíduo em relação a um padrão normal, considerando elementos como fatores biológicos, ambiente e aspectos sociais. Por sua vez, a psiquiatria criminal avalia doenças mentais, demências, esquizofrenia e crises, como transtornos da personalidade.
- Psicopatologia: estuda e investiga a causa do adoecimento da saúde mental, com atenção especialmente voltada às estruturas clínicas de neurose, psicose e perversão. Cada estrutura apresenta elementos e sintomas específicos, os quais se refletem na personalidade do indivíduo.
- Neurose: caracterizada por uma reação excessiva a uma determinada experiência. Não se trata de loucura, e sim de uma conduta de vida desproporcional diante de uma situação específica. Na delinquência neurótica, o indivíduo tem consciência da realidade e está ciente de uma futura punição.
- Perversão: representa uma estrutura clínica em que o indivíduo transgride a norma de acordo com sua própria vontade, marcada por falta de sensibilidade, egoísmo e superestima de si mesmo. Pode gerar o estado de psicopatia, caracterizado por insensibilidade extrema e transtorno de personalidade antissocial.
Ao examinar as teorias psicológicas relacionadas ao crime, observamos a interação complexa entre fatores biológicos, psicológicos e sociais na formação da personalidade e no comportamento criminoso. As diversas perspectivas, que englobam desde a psicodinâmica até a psicanálise, oferecem insights sobre as raízes do crime, destacando conflitos internos, influências da infância e elementos do inconsciente.
A abordagem interdisciplinar entre psicologia, psiquiatria e criminologia amplia a compreensão, contemplando aspectos genéticos e ambientais. É crucial enfatizar a necessidade de uma análise individualizada, a fim de evitar generalizações simplistas. O estudo das estruturas clínicas pela psicopatologia sublinha as complexidades do comportamento humano, reforçando a importância de avaliações personalizadas para encontrar soluções apropriadas.
Ao contemplar as teorias psicológicas sobre o crime, reconhecemos a necessidade de uma metodologia holística que considere a multiplicidade de fatores envolvidos, visando a uma compreensão mais profunda e justa do fenômeno criminal.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Como a criminologia clínica se distingue da criminologia geral? De que maneira ela utiliza o conhecimento teórico para abordar casos práticos com o propósito de reabilitar ou prevenir a reincidência criminal?
- Diante das diferentes abordagens bioantropológicas modernas, como endocrinologia e genética, e das teorias psicológicas, como psicodinâmica e psicanálise, qual é a importância da interdisciplinaridade entre psicologia, psiquiatria e criminologia para obter uma compreensão mais abrangente do comportamento criminoso, destacando a complexidade dos fatores envolvidos e a necessidade de avaliações individualizadas?
A criminologia clínica se diferencia da criminologia geral pelo fato de se concentrar na aplicação prática do conhecimento teórico com a intenção de reabilitar ou prevenir a reincidência criminal. Enquanto a criminologia geral estuda elementos abstratos e científicos, a clínica utiliza esses conhecimentos de maneira mais direta, integrando teoria e prática para tratar criminosos de forma individual. Para tanto, avaliam-se a periculosidade e o prognóstico do infrator, e determinam-se métodos de acompanhamento psicológico, psiquiátrico ou psicanalítico.
Quanto às abordagens bioantropológicas e teorias psicológicas modernas, a interdisciplinaridade entre psicologia, psiquiatria e criminologia é fundamental para a compreensão do comportamento criminoso de modo abrangente. Essa abordagem reconhece a complexidade dos fatores vinculados a essa questão, como elementos biológicos, psicológicos e sociais. Enfatiza-se, assim, a importância de avaliações personalizadas, a fim de evitar generalizações. Vale ressaltar, ainda, que a interação entre essas disciplinas oferece uma visão mais profunda e justa do fenômeno criminal.
Saiba Mais
Para que você possa aprofundar suas pesquisas sobre as teorias bioantropológicas modernas, faça a leitura do artigo de Mendes e Ibraim (2017): A criminologia etiológica contemporânea: visão psicossocial do desenvolvimento para o crime versus a predisposição genética para a delinquência.
Referências Bibliográficas
MENDES, D. J. D.; IBRAIM, J. V. A criminologia etiológica contemporânea: visão psicossocial do desenvolvimento para o crime versus a predisposição genética para a delinquência. Revista Científica da FASETE, v. 11, n. 12, p. 111-124, 2017. Disponível em: https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2017/12/a_criminologia_etiologica_contemporanea.pdf. Acesso em: 22 jan. 2024.
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2021. [Minha Biblioteca]
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023. [Minha Biblioteca]
PRADO, L. R. Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Aula 4
Vitimologia
Vitimologia
Olá, estudante! Nesta videoaula, vamos conhecer uma importante área das ciências criminais: a vitimologia. Este conteúdo é importante para que você compreenda as diferentes classificações de vítimas, como também o processo de vitimização. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre vitimologia. Juntos, vamos analisar as particularidades do crime sob a ótica daquele que é mais impactado por sua execução. Você consegue identificar quem é esse sujeito? A resposta é simples: a vítima! Nesta etapa de aprendizagem, examinaremos não apenas as vítimas comuns, mas também aquelas que assumem o papel de vítimas com o intuito de obter vantagens. Também abordaremos uma nova dimensão da criminologia, dando destaque ao estudo da condição da vítima no âmbito criminal e social. Para tanto, levaremos em consideração o papel do Estado e da comunidade na qual a vítima desenvolve sua identidade.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar os seguintes questionamentos:
- Como a vitimologia, enquanto ramo da ciência criminal, ganha notoriedade na análise do fenômeno criminoso sob a perspectiva da vítima, considerando sua evolução histórica e a incorporação de conhecimentos da psicologia e psiquiatria?
- Explique a importância da classificação de vítimas como inocentes, provocadoras e agressoras na compreensão das complexas interações entre indivíduos em situações delitivas, ressaltando como essa análise contribui para a formulação de uma visão mais abrangente do fenômeno criminal e para o aprimoramento das abordagens jurídicas e sociais.
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
As primeiras abordagens acadêmicas destinadas a investigar o fenômeno criminológico concentraram-se quase exclusivamente no crime e no infrator, negligenciando a vítima como um elemento essencial dessa dinâmica criminosa e como a parte mais afetada por suas consequências. No entanto, a prática no âmbito do direito penal enfatizou a importância de examinar os efeitos de um ato delitivo também no que diz respeito às pessoas contra as quais a ação do delinquente é direcionada, seja intencionalmente (como no caso de homicídio doloso) ou por acaso (como em um acidente automobilístico).
Os estudos sobre as vítimas tiveram início em 1901, mas apenas adquiriram um conteúdo sistemático a partir de 1940. Na década de 1970, a pesquisa nessa área recebeu um novo estímulo com o desenvolvimento de estudos por criminologistas que identificaram padrões comportamentais semelhantes entre as vítimas, com base em conhecimentos das disciplinas de psicologia e psiquiatria.
Assim, a vitimologia pode ser definida como um ramo da ciência criminal encarregado de examinar o crime sob a ótica da vítima, fazendo uso de saberes da biologia e da sociologia, conforme proposto pelo autor Henri Ellenberger, citado por Penteado Filho (2023).
Classificação das vítimas
Vamos conhecer a classificação das vítimas? Para que este estudo não se torne tedioso, apresentaremos apenas um modelo de categorização das vítimas. Recomendo, caso você se interesse pelo tema, que consulte as referências desta aula e explore outras classificações relacionadas aos ofendidos em atividades criminosas. Confira, a seguir, algumas categorias:
- Vítima inocente: refere-se à vítima que não desempenhou qualquer papel na ocorrência do crime. Nesse caso, a pessoa é genuinamente atingida pela atividade delitiva, sem que tenha tomado qualquer ação que pudesse colaborar com a infração. Como exemplos, podemos citar uma circunstância na qual uma mulher bonita passeia tranquilamente no parque e é abordada por um criminoso em uma tentativa de estupro, ou quando um indivíduo é assaltado na rua ao voltar para casa portando celular e carteira. É importante notar que, muitas vezes, somos totalmente vítimas da situação, mesmo havendo sugestões de que poderíamos ter adotado uma postura diferente para evitar o crime. Isso é o que chamamos de vitimização terciária, um conceito que estudaremos mais a fundo no final desta aula. Por ora, vamos nos concentrar na ideia de que, objetivamente, a vítima inocente não contribui para a consumação dos fatos.
- Vítima provocadora: é aquela que instiga, de maneira intencional ou imprudente, o ânimo do agente. Isso pode ocorrer, por exemplo, no crime de corrupção entre agente público e particular, quando este último sugere o pagamento de propina ao representante do Estado, que, por sua vez, a aceita imediatamente. Outro exemplo seria uma rixa entre torcidas de futebol. Para que você entenda melhor, considere o contexto a seguir: um empresário que sonega tributos é abordado por um fiscal da Receita quando este finaliza a verificação do livro de lançamento de impostos. Ao perceber que o caso pode resultar em um processo criminal, o fiscal propõe o pagamento de propina, e o empresário aceita o movimento de corrupção em troca do sigilo do crime.
- Vítima agressora, simuladora ou imaginária: cria uma situação para se beneficiar injustamente da ação criminosa realizada por outra pessoa e direcionada contra ela mesma. Vale ressaltar que, se a situação for devidamente investigada, seu comportamento de pseudovítima ou vítima dissimulada pode absolver o ato danoso, impedindo a punição do agente. Um exemplo seria um caso de legítima defesa em que alguém acerta um tiro e mata uma pessoa após ter sido injustamente alvejado por ela. Para obter um entendimento mais sólido, suponha que você esteja descansando em um hotel e, de repente, um indivíduo com uma arma apareça para atacá-lo. Por sorte, um segurança testemunha a cena e, antes que você seja atingido, saca um revólver e acerta um tiro no agressor em potencial, que morre imediatamente. Há um homicídio; a vida é violada. Contudo, a pessoa que invadiu o hotel representava um risco injusto à segurança dos demais presentes.
Em síntese, a análise das diversas categorias de vítimas no contexto criminológico revela a complexidade das interações entre indivíduos em situações delitivas. A assimilação das nuances que envolvem as vítimas, seja na sua inocência, provocação ou mesmo na criação de cenários, contribui para uma visão mais abrangente do fenômeno criminal.
Ao explorar essas distintas perspectivas, torna-se possível não apenas entender o impacto dos atos criminosos sobre os diferentes tipos de vítimas, mas também questionar e aprimorar as abordagens jurídicas e sociais na busca por uma justiça mais equitativa e eficaz. A reflexão sobre o papel e a dinâmica das vítimas no contexto criminal é crucial para desenvolver estratégias preventivas e de intervenção que considerem a diversidade de contextos em que essas situações ocorrem, visando, assim, à construção de sociedades mais seguras e justas.
Siga em Frente...
Política criminal e vitimização
A partir de agora, vamos investigar a temática da política de tratamento em favor das vítimas. Um estudo conduzido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, como afirma Penteado Filho (2023), revelou que o homicídio, quando consumado, gera os piores impactos sobre a sociedade.
Além de as famílias perderem seus provedores e cuidadores, o que culmina em uma desestruturação nas identificações e referências familiares, a sociedade também experimenta desordem diante da perda do conhecimento específico ou da qualificação profissional que cada indivíduo carrega consigo.
A reflexão sobre a importância da vítima transcende uma análise moralista ou eleitoreira. Trata-se de uma constatação prática, estatística e pragmática: a sociedade pode substituir seus servidores, mas números de mortes equivalentes aos vinculados a guerras provocam efeitos devastadores nas famílias e na economia. Isso exige considerações contínuas durante o exercício do mandato eleitoral. A política criminal deve ser elaborada com base em estudos estatísticos, compreendendo padrões de horários e locais onde os crimes acontecem com maior frequência.
Ao comparar as políticas criminais em todo o mundo, notamos diferentes abordagens nos Estados Unidos e na Europa, onde a percepção popular da insegurança está ligada a atentados terroristas. No Brasil, essa insegurança é influenciada, em certa medida, pelo fortalecimento das facções criminais. É evidente a necessidade de políticas que se adaptem ao contexto local, seja pela relativização de garantias do acusado, investimento em penas mais severas ou pela valorização do papel da vítima, como observado na Lei Maria da Penha, destinada à proteção das mulheres vítimas de violência doméstica.
Quanto às formas de vitimização, embora o Código Penal e alguns documentos doutrinadores não façam distinção entre elas, deve-se apontar que há diferença entre os termos “vítima”, “ofendido” e “lesado”. Vamos conferir?
No sentido amplo, vítima é a pessoa que sofreu a ação criminosa de um delinquente. Existem três grandes grupos de vitimização (processo de se tornar vítima):
- Vitimização primária: é a consequência imediata para a vítima como resultado da ocorrência do crime, o que causa prejuízos materiais, físicos e psicológicos.
- Vitimização secundária: é o sofrimento sentido pela vítima em virtude da apuração do crime por instâncias formais de controle, como delegacias e tribunais.
- Vitimização terciária: a vítima sofre com a falta de estrutura do Estado para ajudá-la a superar o episódio, muitas vezes se sentindo desamparada pela família e pela sociedade, que a desencoraja a prosseguir com o caso.
Vamos tornar isso mais fácil de entender com um exemplo? Imagine que uma atleta profissional venha ao Brasil para treinar em um clube esportivo às vésperas das Olimpíadas. Ao fazer uma compra com um cartão clonado durante seu tempo livre, ela se torna vítima de estelionato. O estelionatário faz inúmeras compras no nome da atleta, fato que desencadeia uma dívida superior a R$ 5 mil (vitimização primária). Ao descobrir o golpe, ela entra em contato com o banco para cancelar o cartão de crédito e conta sua história para a atendente, a qual sugere que a atleta vá até uma delegacia. Lá, ao relatar a história novamente, o delegado tenta convencê-la a desistir da notícia-crime, argumentando que a situação foi resolvida com o cancelamento do cartão (vitimização terciária).
Não confunda as três modalidades de vítima com os três processos de vitimização. No primeiro caso, a doutrina classifica a vítima pela forma como ela colabora com a atividade criminosa. Os processos de vitimização correspondem às consequências com as quais a vítima se depara ao passar por um episódio delitivo. Na vitimização primária, a vítima sofre com danos causados pelo próprio crime. Na secundária, os danos são decorrentes dos sistemas de controle. Por fim, na vitimização terciária, o problema está na omissão do Estado quanto às estruturas para apoiar a vítima.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Como a vitimologia, enquanto ramo da ciência criminal, ganha notoriedade na análise do fenômeno criminoso sob a perspectiva da vítima, considerando sua evolução histórica e a incorporação de conhecimentos da psicologia e psiquiatria?
- Explique a importância da classificação de vítimas como inocentes, provocadoras e agressoras na compreensão das complexas interações entre indivíduos em situações delitivas, ressaltando como essa análise contribui para a formulação de uma visão mais abrangente do fenômeno criminal e para o aprimoramento das abordagens jurídicas e sociais.
A vitimologia, como disciplina no âmbito da ciência criminal, se destaca ao examinar o fenômeno criminoso sob a perspectiva da vítima. Esse ramo da criminologia evoluiu historicamente desde seus primórdios em 1901 e recebeu um conteúdo próprio e sistemático a partir da década de 1940. Ao incorporar conhecimentos da psicologia e psiquiatria, a vitimologia busca compreender não apenas o crime e o criminoso, mas também os efeitos do ato delitivo sobre a vítima.
A classificação das vítimas em categorias como inocente, provocadora e agressora exerce uma função crucial na compreensão das complexas interações entre indivíduos em situações delitivas. Essa categorização permite uma visão mais abrangente do fenômeno criminal, reconhecendo nuances nos papéis desempenhados pelas vítimas e suas contribuições para o crime. Essa análise colaborou significativamente para o aprimoramento das abordagens jurídicas e sociais, viabilizando estratégias mais informadas e eficazes na prevenção e intervenção criminal.
Saiba Mais
Para que você possa aprofundar suas pesquisas sobre a vitimização da mulher, faça a leitura do artigo de Mendes e Bitu (2018): Análise da vitimização da mulher exposta a violência.
Referências Bibliográficas
MENDES, J. R. L.; BITU, L. V. R. Análise da vitimização da mulher exposta a violência. Revista Científica Semana Acadêmica, Fortaleza, ano MMXVIII, n. 124, 2018. Disponível em: https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigo-revista.pdf. Acesso em: 31 jan. 2024.
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
PRADO, L. R. Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Encerramento da Unidade
CRIMINOLOGIA
Videoaula de Encerramento
Olá, estudante! Nesta videoaula, você relembrará os principais aspectos acerca da criminologia, sua história, escolas, áreas de estudo e vitimologia. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, pois é imprescindível conhecer o estudo do crime e do criminoso para a compreensão das motivações que levam à criminalidade. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Chegada
Olá, estudante! Para desenvolver as competências associadas a esta unidade de aprendizagem, que são “Conhecer os principais aspectos acerca da criminologia, seu conceito e histórico” e “Conhecer duas áreas de estudo: criminologia clínica e vitimologia”, você deverá, antes de tudo, dominar os conceitos fundamentais acerca da criminologia e vitimologia.
O desenvolvimento da criminologia como ciência independente requer a consideração não apenas de uma metodologia e um objeto específicos, mas também de uma carga histórica, dada a natureza da disciplina como uma ciência social sujeita a influências ideológicas. A história da criminologia, ainda que relativamente curta, está marcada por diversas escolas criminológicas que buscaram alinhar-se a várias perspectivas políticas e sociológicas ao longo do tempo.
As mudanças nas políticas criminais foram notadamente influenciadas pela escola predominante em diferentes períodos históricos. Desde a abordagem da Escola Clássica, cujo foco se direcionava à lei, até o positivismo, que se concentrava no delinquente, e a Escola de Chicago, que buscava alterar a realidade social, as perspectivas variaram amplamente. Além disso, a criminologia radical propôs mudanças sociais e econômicas, enquanto a teoria da racionalidade delinquente explorou questões relacionadas à redução de oportunidades para o criminoso.
É essencial reconhecer que a criminalização envolve subjetividade, pois depende de agentes do Estado para avaliar a censurabilidade de uma conduta. As instâncias formais, das legislativas até as judiciárias, funcionam como filtros que distinguem condutas menos lesivas das que ofendem o padrão moral preponderante. O fenômeno do crime é intrínseco a todas as sociedades; ele existe desde o surgimento da sociedade e persistirá enquanto ela perdurar.
A criminologia, como disciplina, dedica-se a investigar as origens do crime, as motivações para transgredir a lei, além de criticar o modelo punitivo existente, propondo melhorias na política criminal. Seu objeto de estudo abrange o ser humano, sua vida social e ações, os quais são investigados por métodos empíricos e observação de fenômenos sociais, incorporando a avaliação da vítima. A criminologia procura aprimorar todos os aspectos do direito penal.
A colaboração entre criminologia e direito penal é crucial. A criminologia é uma ciência pré-jurídica que integra fenômenos sociais ao direito penal, contribuindo para a compreensão do conceito material de crime. Enquanto a criminologia fornece dados empíricos, o direito penal interpreta essas informações de acordo com a realidade, estabelecendo uma relação necessária entre ambas as disciplinas.
O objeto de estudo da criminologia inclui o crime, o criminoso, a vítima e a pena, além de abranger a política criminal. A criminologia atua tanto na prevenção quanto no contexto reativo ao delito, com a finalidade de agir no cenário do crime. A criminologia crítica inova ao analisar o sistema de controle em relação à prática criminosa, questionando não apenas o que leva alguém a cometer um crime, mas também a razão pela qual algumas pessoas são rotuladas como criminosas e a legitimidade do Estado para definir o que é crime.
Outras teorias, como o etiquetamento, a criminologia radical e a abordagem pós-modernista, ressaltam a influência do poder na definição do crime e na criação de rótulos. A teoria da escolha racional enfatiza a avaliação de vantagens e desvantagens pelo delinquente antes de cometer um crime, propondo a redução das oportunidades para coibir a atividade criminosa.
Assim, a criminologia, ao longo de sua evolução, continua a desempenhar um papel fundamental na compreensão, prevenção e correção do fenômeno do crime, oferecendo uma visão abrangente e interdisciplinar para enfrentar os desafios da sociedade relativos à delinquência.
Agora, vamos avançar em nossos estudos para tratar da criminologia clínica e da vitimologia. A categorização do objeto científico em criminologia destaca duas vertentes principais: criminologia geral e criminologia clínica. A criminologia geral se concentra em estudos abstratos e científicos, classificando elementos relacionados a criminosos, vítimas, controle social e criminalidade. Por outro lado, a criminologia clínica aplica conhecimentos teóricos à prática, com o propósito de reabilitar ou prevenir crimes a partir de tratamentos adequados.
A criminologia clínica utiliza exames clínicos para avaliar a periculosidade do agente e suas consequências sociais, bem como para determinar o acompanhamento mais apropriado. Essa abordagem considera fatores internos e externos que contribuíram para a conduta criminosa. Os adjetivos “psicológico”, “psiquiátrico” e “psicanalítico” são evidenciados nesse contexto, pois remetem ao estudo da alma do indivíduo.
Ao longo da história, teorias criminológicas orgânicas foram associadas a políticas racistas, como exemplificado pelo Holocausto. No entanto, a distorção dessas teorias não justifica a abolição das ciências envolvidas nas conjunturas em questão. O estudo da psique humana é válido para entender comportamentos criminosos, considerando a interação complexa entre fatores biológicos, psicológicos e sociais.
As teorias bioantropológicas modernas, como a endocrinologia e a genética, abandonaram a ideia de determinismo genético, reconhecendo a influência de diversos fatores. As teorias psicológicas, por sua vez, ampliam a compreensão, destacando a importância da análise individualizada.
A vitimologia, ramo da ciência criminal, examina o crime sob a perspectiva da vítima, a qual pode ser classificada como inocente, provocadora ou simuladora, o que revela a complexidade das interações no contexto criminoso. A política criminal deve considerar o impacto sobre as vítimas, visando a uma justiça mais equitativa.
Quanto aos seus processos de análise, a vitimização é classificada em primária, secundária e terciária, representando os efeitos imediatos do crime, o sofrimento decorrente da apuração e a falta de apoio do Estado, respectivamente. A reflexão sobre a dinâmica das vítimas é essencial para desenvolver estratégias eficazes na prevenção e intervenção criminal, a fim de promover sociedades mais seguras e justas.
É Hora de Praticar!
Para contextualizar sua aprendizagem, imagine a seguinte situação: Lucas e Mariana cresceram em ambientes distintos, mas compartilharam uma jornada acadêmica ao serem aprovados em uma respeitável universidade pública. No entanto, o que deveria ser um período de crescimento intelectual tornou-se um percurso marcado por experiências traumáticas.
Mariana infelizmente tornou-se vítima de um crime contra a liberdade sexual quando Gustavo tentou forçar uma relação não consensual. A intervenção de Lucas foi crucial para impedir que a situação se agravasse.
Após o incidente, Mariana buscou tratamento psicológico, mas, ao testemunhar em juízo, o fato de reviver a violência deixou sequelas emocionais profundas. Autopenitência, autoflagelação e o uso de substâncias transformaram-se em sintomas do trauma. A narrativa da vítima foi questionada por colegas e vizinhos, levando a um julgamento moral contínuo, mesmo após a condenação de Gustavo. Nesse contexto, pode-se dizer que a vítima é culpada do crime que sofreu? Existe alguma política que pode reduzir os efeitos nocivos vivenciados pela vítima por causa da infração em questão?
Vamos analisar o caso!
Reflita
Para aprofundar seu entendimento sobre os assuntos estudados nesta etapa de aprendizagem, é interessante que você reflita sobre as seguintes questões:
- Considerando a colaboração entre criminologia e direito penal, quais são os principais desafios enfrentados na interpretação de dados empíricos, por parte da criminologia, e em sua tradução para políticas criminais eficazes, pelo direito penal?
- Diante das implicações éticas na criminologia clínica, como equilibrar a necessidade de compreender a psique do indivíduo criminoso com o respeito aos direitos individuais e a prevenção de discriminação?
- Como garantir que a vitimologia contribua para uma justiça mais equitativa, levando em consideração diferentes categorias de vítimas?
Resolução do estudo de caso
A situação complexa descrita anteriormente levanta questionamentos criminológicos e vitimológicos. Mariana, enquadrada como vítima inocente, sofreu vitimização primária, secundária e terciária. A classificação da vítima como inocente, provocadora e simuladora ressalta a complexidade das interações no contexto criminológico.
No âmbito da vitimização, Mariana enfrentou danos imediatos (vitimização primária) e adicionais pelo sistema de controle e julgamento moral (vitimização secundária). Além disso, a falta de apoio emocional e a descrença na narrativa resultaram em uma vitimização terciária.
Na perspectiva criminológica, questiona-se se a vítima pode ser culpada pelo crime que sofreu. Culturas de culpabilização da vítima exigem mudanças. Em termos de políticas, torna-se fundamental implementar estratégias para reduzir estigmas e fornecer apoio psicológico. A reflexão sobre o papel da vítima é essencial para desenvolver sociedades mais seguras e justas, considerando a diversidade de contextos em que essas situações ocorrem.
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Referências
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
PRADO, L. R. Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.