CRIMINALIDADE E PREVENÇÃO CRIMINAL
Aula 1
Introdução
Introdução
Olá, estudante! Nesta videoaula, você conhecerá os prognósticos criminológicos do crime, bem como aspectos relevantes relacionados à criminalidade e seus desafios históricos. Este conteúdo é importante para compreender esse fenômeno e possíveis prognósticos pertinentes ao contexto em questão. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre criminalidade e prognósticos criminológicos do crime.
A questão da criminalidade no Brasil é complexa, pois envolve fatores históricos, sociais e econômicos. O aumento da violência e dos índices criminais destaca a necessidade de uma abordagem multidisciplinar. As transformações econômicas nas décadas de 80 e 90 influenciaram os indicadores sociais e as taxas de homicídios, evidenciando a intricada relação entre fatores socioeconômicos e criminalidade.
O sistema prisional enfrenta uma crise, fato que contribui para a perpetuação do ciclo criminoso. O prognóstico criminológico, dividido em clínico e estatístico, ressalta a necessidade de considerar diversos fatores na compreensão da reincidência. Enfrentar a criminalidade demanda políticas públicas integradas, estratégias preventivas e inclusão social, além de uma revisão dos modelos tradicionais de policiamento.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Quais são os principais desafios enfrentados pelo sistema prisional brasileiro diante da crise e das facções criminosas? Como isso impacta a eficácia das políticas de segurança pública?
- Como as transformações econômicas nas décadas de 80 e 90 no Brasil influenciaram os indicadores sociais e as taxas de homicídios? De que maneira esses fatores se relacionam com a complexidade da criminalidade nas cidades brasileiras?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Introdução à criminalidade
A questão da criminalidade sempre representou uma preocupação constante tanto na sociedade em geral quanto no contexto mundial, especialmente no cenário brasileiro, marcado por elevados índices de atividades criminosas. Além do aumento quantitativo de crimes, o que desperta ainda mais apreensão é a crescente intensidade da violência associada a tais delitos.
Diversas áreas científicas dedicaram esforços para compreender a natureza da criminalidade e buscar formas de mitigar seus efeitos. Buscou-se entender por que indivíduos cometem crimes, e esse entendimento foi fundamental para a formulação de políticas eficazes. A teoria desenvolvida pela Escola de Chicago, que adota uma abordagem transdisciplinar, enfatiza a influência de diversas áreas na conduta criminosa. Essa foi uma perspectiva que ganhou relevância.
Apesar de a violência no Brasil ser um problema contemporâneo, é importante reconhecer que o crime é uma questão social antiga, tomada como objeto de estudos ao longo dos séculos. Diante disso, torna-se crucial retroceder um passo e examinar alguns conceitos fundamentais. Somente a partir desse entendimento mais profundo poderemos analisar adequadamente o contexto no qual toda essa problemática se insere.
Além disso, o mundo está passando por uma nova fase, a qual é permeada por mudanças sociais e comportamentais significativas. Uma das perspectivas emergentes na atualidade é o estado iminente de risco ao qual estamos expostos, termo cunhado pelo sociólogo alemão Ulrich Beck (2010) como “sociedade de risco”. Esse autor busca refletir sobre a percepção de que o avanço na informação e tecnologia tornou a humanidade consideravelmente vulnerável a riscos intrínsecos a diversas atividades, incluindo as áreas industrial, cibernética, financeira e ambiental. Quando conduzidas de maneira inadequada, tais atividades podem resultar em prejuízos de grande gravidade para os indivíduos, a sociedade e a natureza.
Em um mundo competitivo, observamos indivíduos que almejam vencer a qualquer custo no jogo da vida, mesmo que a conquista desse objetivo envolva a prática de crimes e a destruição de setores sociais. Esse cenário, embora sempre presente, tornou-se mais complexo com a globalização, levando a uma união de pessoas em estruturas hierárquicas para que obtenham vantagens ilegítimas por meio de atividades criminosas.
A convergência de informação, globalização, interconexão de bens (moedas e mercados) e a associação de mentalidades delinquentes em uma mesma organização não pode dar origem a algo positivo, como era de se esperar. As antigas quadrilhas e bandos evoluíram a ponto de demandarem atualizações nos métodos de investigação jurídica para o enfrentamento desses desafios.
Siga em Frente...
Desafios históricos
A problemática da violência e da sensação de insegurança nas cidades brasileiras tem se destacado como uma questão central no contexto das complexidades urbanas do Brasil nos últimos anos. Ao longo das últimas três décadas e meia, as taxas de homicídios, como um exemplo extremo de violência, aumentaram significativamente em todo o território nacional. Diversas obras na literatura acadêmica têm ressaltado a relação entre o crescimento da violência e o processo de urbanização no Brasil. Tal processo tem sido caracterizado por uma periferização precária e pelo agravamento das desigualdades socioespaciais dentro das áreas urbanas.
A interligação entre violência, criminalidade e economia é um tema de grande importância, o qual tem sido objeto de diversos estudos acadêmicos. Pesquisas revelam que a economia desempenha um papel significativo na compreensão dos padrões criminais. Além disso, a discussão sobre a relação entre segurança pública e violência também ocupa um espaço relevante. A eficácia das políticas de segurança pública e sua capacidade de lidar com eventos relacionados à violência são alguns assuntos analisados nessa conjuntura.
Portanto, a compreensão da criminalidade e da violência requer uma abordagem multidisciplinar que leve em consideração fatores econômicos, sociais e políticos. O estudo dessas áreas contribui com o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes na prevenção e combate à criminalidade. Contudo, quando consideramos verdadeira a premissa de que a punição de criminosos por meio de penas privativas de liberdade tem um efeito dissuasório, a realidade do sistema prisional brasileiro parece desafiar qualquer análise.
Com mais de 600 mil presos e a sexta maior taxa de encarceramento por 100 mil habitantes no mundo, o sistema penitenciário nacional enfrenta uma crise aguda, caracterizada por facções disputando poder e promovendo grandes rebeliões. Enquanto isso, os indicadores criminais não mostram sinais de retrocesso. Pelo contrário, torna-se evidente que a tragédia da criminalidade surge da falta de um debate enriquecedor sobre políticas de segurança pública mais apropriadas.
Por um lado, há a omissão em relação à construção de um modelo policial voltado para a investigação técnica, integrado com a comunidade e atuando dentro dos limites da legalidade. Por outro, a adoção de discursos generalistas sobre os determinantes sociais da criminalidade impediu a implementação de ações direcionadas às comunidades mais carentes, vinculando essas dinâmicas aos resultados derivados do ambiente macroeconômico.
No que diz respeito aos aspectos econômicos e sociais, também vale destacar que ao longo dos anos 80 e início da década de 90, o Brasil experimentou uma série de transformações, dentre as quais os planos econômicos anti-inflacionários ganharam notoriedade. Os efeitos do segundo choque do petróleo, em 1979, e do choque internacional dos juros, em 1981, levaram muitos países à recessão, o que se refletiu diretamente nos indicadores sociais brasileiros, sobretudo nas regiões do Rio de Janeiro e São Paulo. O Plano Cruzado, implementado em 1986, inicialmente trouxe melhorias nos indicadores sociais, com ampliação da renda domiciliar per capita e redução do número de pobres e indigentes. No entanto, o fracasso desse plano resultou em uma reversão dos ganhos obtidos, exacerbando as condições sociais nesses estados.
A década de 90 foi marcada por eventos turbulentos, iniciando-se com o Plano Collor e uma abertura econômica mais ampla. A recessão que se seguiu até 1992 gerou uma diminuição sistemática da renda domiciliar per capita e um aumento significativo no número de pobres e indigentes. Curiosamente, durante esse período, houve uma aparente redução da desigualdade, que pode ser atribuída não apenas à perda dos mais pobres, mas também à queda nos estratos sociais mais abastados. Os dois anos anteriores à implementação do Plano Real mostraram uma pequena melhoria nos indicadores sociais, com uma ampliação da renda de maneira geral, embora a desigualdade tenha crescido.
Com o advento do Plano Real e a notável redução da inflação, observou-se inicialmente um aumento na renda domiciliar per capita e uma diminuição proporcional e absoluta no número de pobres, com uma modesta minimização da desigualdade. No entanto, a partir de 1995, as trajetórias dos indicadores sociais divergiram entre São Paulo e Rio de Janeiro.
A correlação entre a deterioração dos indicadores sociais e o crescimento das taxas de homicídios é evidente em ambos os estados. Em São Paulo, houve uma tendência de aumento até 1984, uma estagnação até 1994 e, posteriormente, uma nova elevação, coincidindo com períodos de piora nas condições sociais. No Rio de Janeiro, as taxas de homicídios mantiveram-se relativamente constantes até 1986, seguidas por uma tendência crescente (com exceção do ano de 1992) até 1995, quando pareceram estabilizar-se.
Nota-se, ainda, uma relação entre os modelos tradicionais de policiamento e o aumento da criminalidade. A crítica à eficácia e truculência policial, que começou nos Estados Unidos durante os anos 60 em meio aos distúrbios em cidades como Detroit, Newark, Los Angeles e Nova York, estendeu-se a outros países, incluindo a Grã-Bretanha. O modelo tradicional de combate ao crime, baseado em estratégias gerais de detenção, incapacitação e reabilitação, tem sido questionado por sua eficácia, levando à necessidade de reavaliação nas práticas policiais. A falta de adaptação do modelo tradicional às complexidades dos espaços urbanos contemporâneos evidencia a urgente necessidade de desenvolvimento de abordagens mais integradas e eficientes.
Diante da complexidade da problemática envolvendo a violência e a sensação de insegurança nas cidades brasileiras, é incontestável a demanda por uma abordagem multidisciplinar para compreender e enfrentar esse desafio. A interligação entre violência, criminalidade e economia emerge como um tema crucial, ressaltando que a compreensão desse fenômeno exige uma análise que leve em consideração fatores econômicos, sociais e políticos.
É evidente que a tragédia da criminalidade no Brasil está enraizada na ausência de um debate enriquecedor sobre políticas de segurança pública. A omissão na construção de um modelo policial voltado para a investigação técnica, integrado com a comunidade e dentro dos limites da legalidade, juntamente com discursos generalistas sobre os determinantes sociais da criminalidade, limitou a eficácia das ações implementadas.
A correlação entre a deterioração dos indicadores sociais e o aumento das taxas de homicídios destaca a interconexão complexa desses fenômenos. A relação entre os modelos tradicionais de policiamento e o aumento da criminalidade também reforça a necessidade de repensar abordagens, considerando a evolução dos espaços urbanos contemporâneos.
Em síntese, enfrentar a problemática da violência nas cidades brasileiras requer não apenas uma análise profunda das causas, mas também a implementação de políticas públicas integradas, adaptadas às complexidades sociais, econômicas e urbanas. A busca por soluções eficazes deve contemplar, além da repressão, o desenvolvimento de estratégias preventivas e a promoção da inclusão social, construindo, assim, um caminho mais seguro e equitativo para o futuro.
Prognóstico criminológico
Como explica Penteado Filho (2023), o prognóstico criminológico refere-se à probabilidade de reincidência de um criminoso, fundamentada em dados estatísticos coletados. É importante ressaltar que a certeza absoluta é inalcançável, uma vez que a totalidade do consciente do autor permanece desconhecida.
Existem dois tipos de prognósticos criminais: clínicos e estatísticos. Os prognósticos clínicos envolvem uma análise detalhada do criminoso por meio da colaboração interdisciplinar de profissionais, como médicos, psicólogos e assistentes sociais. Já os prognósticos estatísticos são baseados em tabelas de predição, desconsiderando certos fatores internos e servindo apenas como orientação para o estudo de um tipo específico de crime e seus perpetradores condenados. Nesse contexto, é essencial considerar o índice de criminalidade abrangendo diversos fatores, como os psicoevolutivos, jurídico-penais e ressocializantes, estes últimos relacionados ao ambiente penitenciário.
Os fatores psicoevolutivos levam em consideração a evolução da personalidade do agente, contemplando desde doenças graves na infância e adolescência até distúrbios precoces de conduta. Os fatores jurídico-penais delineiam a trajetória delitiva do indivíduo, tomando para análise antecedentes penais, reincidência, criminalidade interlocal, envolvimento com facções criminosas, entre outros aspectos.
Por fim, os fatores ressocializantes referem-se à eficácia das medidas repressivas, considerando a inadaptação à disciplina carcerária, o ajuste ao trabalho interno, o aproveitamento escolar e profissional na prisão, bem como a permanência nos regimes iniciais de pena. Vale enfatizar que, no contexto brasileiro, as instituições penitenciárias enfrentam sérios problemas, funcionando muitas vezes como “universidades criminosas”, diante do desrespeito aos direitos fundamentais dos detentos.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Quais são os principais desafios enfrentados pelo sistema prisional brasileiro diante da crise e das facções criminosas? Como isso impacta a eficácia das políticas de segurança pública?
- Como as transformações econômicas nas décadas de 80 e 90 no Brasil influenciaram os indicadores sociais e as taxas de homicídios? De que maneira esses fatores se relacionam com a complexidade da criminalidade nas cidades brasileiras?
O sistema prisional brasileiro lida com desafios expressivos, como superlotação, disputa de facções pelo controle e frequentes rebeliões. Esses problemas impactam diretamente a eficácia das políticas de segurança pública, uma vez que a falta de condições adequadas nos presídios dificulta a ressocialização dos detentos, contribuindo para altas taxas de reincidência. Além disso, a presença de facções dentro do sistema prisional cria um ambiente propício para a perpetuação da criminalidade, desafiando as autoridades quanto à elaboração de estratégias mais eficazes de controle e reabilitação.
Além disso, as transformações econômicas nas décadas de 80 e 90 no Brasil tiveram impactos profundos sobre os indicadores sociais e as taxas de homicídios. As crises econômicas, os planos anti-inflacionários e a abertura econômica afetaram diretamente as condições sociais, estimulando o aumento da desigualdade e a deterioração de indicadores como renda domiciliar per capita. Esses fatores se correlacionam com o crescimento das taxas de homicídios, indicando que as condições socioeconômicas adversas podem desempenhar um papel crucial na complexidade da criminalidade nas cidades brasileiras.
Saiba Mais
Para que você possa aprofundar suas pesquisas sobre a criminalidade e a realidade virtual, faça a leitura do artigo de Leal (2023): Realidade virtual e criminalidade: tensões e desafios.
Referências Bibliográficas
BECK, U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
GESTA LEAL, R. Realidade virtual e criminalidade: tensões e desafios. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 24, n. 3, p. 107-135, set./dez. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.18759/rdgf.v24i3.2304. Acesso em: 26 fev. 2024.
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
PRADO, L. R. Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Aula 2
Criminalidade e Crime Organizado
Criminalidade e Crime Organizado
Olá, estudante! Nesta videoaula, você conhecerá os aspectos da criminalidade e do crime organizado. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, pois, no mundo globalizado, o crime recebeu contornos de organização. Ou seja, além dos crimes individuais, há delitos cometidos por organizações criminosas. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre a criminalidade e o crime organizado. Esta etapa de aprendizagem abordará a relação entre competição, crimes e suas implicações sociais, destacando a evolução do fenômeno do crime em um mundo globalizado. A Lei nº 12.850/13 e o projeto anticrime (Lei nº 13.964/19) são medidas apresentadas como respostas do sistema jurídico brasileiro às organizações criminosas complexas.
No âmbito internacional, manifestam-se duas modalidades de crime organizado: a máfia e a criminalidade organizacional empresarial. Em nossos estudos, exploraremos, ainda, o crime de colarinho branco, discutindo sobre sua origem e impactos na economia. A análise das cifras negras e douradas na estatística criminal evidencia a necessidade de uma abordagem mais precisa, sugerindo a criação de uma agência independente. Por fim, este conteúdo também tratará das técnicas de investigação das cifras negras, ressaltando a importância de compreender as causas das vulnerabilidades no sistema criminal.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Como as mudanças legislativas, como a Lei nº 12.850/13 e o projeto anticrime, afetaram efetivamente a investigação e punição de organizações criminosas complexas no Brasil?
- Diante da obscuridade do crime organizado, especialmente nas modalidades de máfia e criminalidade organizacional empresarial, como as estratégias de combate e prevenção podem ser aprimoradas para lidar de modo eficaz com essas formas de delinquência em um contexto globalizado?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Aspectos criminológicos do crime organizado
Em um mundo caracterizado pela competição acirrada, observamos a presença de indivíduos determinados a participar intensamente no jogo da vida, visando a vitória a todo custo, mesmo que isso implique em atividades criminosas e na destruição de setores sociais. Essa realidade persiste ao longo do tempo, sendo o fenômeno do crime uma constante que se originou junto com a formação da sociedade, conforme discutido anteriormente.
Com o advento da globalização, a competição, anteriormente marcada apenas pela ambição, alcançou níveis em que várias pessoas se unem em estruturas hierárquicas, na intenção de obter vantagens ilegítimas por meio da prática de crimes. Informação, globalização e interconexão de bens, como moedas e mercados, contribuem para a formação de organizações que reúnem mentes delinquentes em um mesmo contexto.
É evidente que essa combinação não pode resultar em algo positivo, como de fato acontece. As antigas quadrilhas e grupos criminosos evoluíram a tal ponto que o sistema jurídico precisou adaptar e modernizar seus métodos de investigação para enfrentar esse novo cenário.
Em vez de concentrar-se exclusivamente no indivíduo delinquente, tornou-se imperativo compreender o conjunto de pessoas que se associam para obter vantagens por intermédio de crimes complexos, capazes de causar danos significativos às estruturas sociais, como a economia e a paz pública. Dessa necessidade, surgiu a Lei nº 12.850/13, que não apenas definiu o crime de organização criminosa, mas também antecipou meios de investigação mais atualizados para identificar autores e condutas dentro de uma sociedade igualmente complexa e de risco. A legislação esclarece o conceito de organização criminosa no art. 1º, §1º, considerando-a uma associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada, caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de garantir vantagem de qualquer natureza mediante a prática de infrações penais com penas máximas superiores a quatro anos, ou de caráter transnacional.
O projeto anticrime, que deu origem à Lei nº 13.964/19, também aprimorou a severidade do cumprimento da pena para os membros de organizações criminosas. As lideranças dessas organizações armadas ou que tenham acesso a armas devem iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima, conforme estipulado pelo § 8º. Além disso, o § 9º impede a progressão de regime, livramento condicional ou outros benefícios prisionais para condenados por integrar organização criminosa ou cometer crimes por meio dela, se houver elementos probatórios indicando a manutenção do vínculo associativo (Brasil, 2013).
No contexto internacional, destacam-se duas modalidades de crime organizado: a máfia, que utiliza a violência, hierarquia interna e silêncio entre seus membros; e a criminalidade organizacional empresarial, em que o crime é transmitido de maneira natural entre pessoas que compartilham o mesmo setor econômico. Esses indivíduos desfrutam de alta respeitabilidade social e possuem conhecimentos específicos e complexos sobre um determinado nicho de mercado.
A existência de leis, procedimentos especiais de investigação e criminosos socialmente privilegiados levanta a seguinte questão sobre a eficácia dos órgãos públicos na aplicação de normas incriminadoras contra essas organizações: será que essas medidas permanecem apenas no âmbito das intenções? Essa e outras indagações serão abordadas nos próximos tópicos de estudo. Vamos continuar!
O Código de Processo Penal, criado há quase 80 anos, versa sobra a maioria das modalidades de provas admitidas para a apuração de crimes. No entanto, essa legislação, há muito desatualizada, revelou-se ineficaz para encontrar os verdadeiros membros de organizações criminosas e impedir os métodos utilizados para obter vantagens criminosas.
As novas técnicas de investigação, introduzidas pela Lei nº 12.850/13, e o projeto anticrime buscam aumentar a eficácia no combate aos crimes de alta complexidade, cujos efeitos podem ser devastadores para a sociedade. Essas medidas são invasivas aos direitos fundamentais, mas têm a intenção de aprimorar a eficácia na identificação e punição de membros dessas organizações. Participantes de organizações criminosas demonstram capacidade para controlar instâncias da administração do Estado, impor a lei do silêncio e destruir vestígios após a conduta ilícita.
Quanto às modalidades de produção de provas, a legislação contempla a colaboração premiada, em que o acusado fornece informações relevantes em troca de benefícios na pena. A infiltração por policiais, permitida quando há indícios de infração penal, e a ação controlada, técnica de investigação para retardar a intervenção policial, também são previstas em lei.
As técnicas apresentadas na Figura 1, a seguir, que foram introduzidas pela Lei nº 12.850, destacam-se por facilitar a investigação de crimes que envolvem organizações mais complexas, embora seja necessário atentar-se cuidadosamente aos requisitos previstos na lei e à proporcionalidade das hipotéticas lesões causadas, a fim de não provocar qualquer abuso de direito.
Por causa da natureza invasiva desses meios de obtenção de prova, é crucial que o juiz autorize a maioria dos procedimentos, na intenção de fiscalizar possíveis excessos ou abusos contra a privacidade dos investigados.
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Estatística criminal, cifra negra e cifra dourada (crimes do colarinho branco)
Embora os crimes de colarinho branco não sejam exclusivos da categoria de crime organizado, é impraticável discutir sobre organizações criminosas sem considerar essa modalidade delitiva, uma vez que seus membros geralmente possuem a capacidade de criar redes complexas, possuem alto nível de instrução e conhecimento avançado em atividades que podem causar danos significativos à economia, ao sistema financeiro e ao mercado. Essa é apenas uma visão breve e superficial dos crimes de colarinho branco. Mas como poderíamos identificá-los?
A resposta é simples, mas, antes de tudo, é fundamental destacar que o termo “crime de colarinho branco” originou-se nos Estados Unidos e foi introduzido pelo criminólogo Edward Sutherland, como explica Cláudia Santos (2001). Sutherland o utilizou para descrever os crimes cometidos por pessoas de alto escalão financeiro ou político no exercício de suas atividades profissionais. A partir da obra desse autor americano, podemos extrair três características importantes dessa modalidade delitiva:
- Pessoa altamente respeitada.
- Cidadão que utiliza seu status social para praticar crimes. Indivíduo que o faz no âmbito de sua profissão.
O Brasil oferece diversos exemplos que envolvem figuras públicas e empresários acusados de praticar crimes dessa natureza, como evidenciado na Operação Lava Jato, que concentrou suas investigações em mandatários de cargos públicos, ex-políticos e empreiteiros, suspeitos de crimes de colarinho branco. Em geral, os delitos investigados eram cometidos no contexto de licitações, com o propósito de favorecer um determinado concorrente. Em contrapartida, o vencedor retribuía o favor com despesas pessoais e de campanha para os agentes públicos envolvidos nesse sistema.
Contudo, as características desse tipo de delito não se limitam aos aspectos mencionados. Outro elemento essencial relacionado ao crime de colarinho branco é o poder lesivo das condutas praticadas por seus agentes, em função da execução dessas ações em um nível de difícil fiscalização e em negócios que normalmente envolvem grandes somas financeiras.
Além disso, é crucial ressaltar que essas condutas não ocorrem de maneira isolada, mas sim de forma sistêmica e hierarquizada entre todos os operadores. Isso resulta em consequências nefastas, já que as ações lesivas são tão frequentes que acabam se confundindo com a própria condução das atividades legítimas, como nos setores de mercado ou política. Tal cenário cria a ilusão de que o crime econômico é inerente às atividades empresariais ou aos mandatos públicos, o que, evidentemente, não é verdade. Essa confusão é um equívoco que a criminologia radical facilmente desmistificaria. A política como administração da coisa pública é distinta da corrupção dentro desse contexto, assim como o mercado se distingue do ato de aproveitar-se dele para realizar atividades ilícitas. Associar uma coisa a outra é tão ilógico quanto culpar o esporte pela violência entre torcidas.
Mas por que uma pessoa já bem-sucedida financeiramente se envolveria em atividades criminosas? De acordo com Sutherland (Santos, 2001), o motivo pelo qual um empresário comete um crime é o mesmo que leva uma pessoa humilde (desde que não miserável) a tomar essa atitude: a ganância por algo ao qual não teria acesso sob condições normais ou legítimas. Enquanto nos crimes de rua (roubo, latrocínio, extorsão mediante sequestro) o indivíduo busca por bens ou serviços inacessíveis considerando sua renda, no crime econômico, o objetivo é o mesmo, mas dentro de um padrão superior. E os valores morais adquiridos durante a criação não têm valor? Sim, para Cláudia Santos (2001), uma peculiaridade da criminalidade econômica é o fato de que há mais causas de neutralização da culpa em comparação com crimes tradicionais. Os autores desse crime justificariam suas ações lesivas por um processo racional transmitido pelos mais experientes aos novatos de cada atividade, perpetuando, assim, os meios fraudulentos para aquisição de riqueza.
Os efeitos desencadeados por esses delitos impactam todas as pessoas e classes sociais que são direta ou indiretamente afetadas pela atividade criminosa. O orçamento do Estado torna-se ainda mais restrito, alimentando o sistema de corrupção e prejudicando a qualidade dos serviços oferecidos por empresas, que ficam aquém do padrão esperado. Essa situação ocorre porque uma parte da receita gerada pela obra precisa ser devolvida aos operadores políticos, os quais, por sua vez, destinam essa receita às suas campanhas para garantir contratos após a diplomação. É verdadeiramente um ciclo vicioso.
Não é por acaso que viadutos desmoronam, estádios inacabados são inaugurados precipitadamente e rodovias, mal projetadas ou conservadas, causam um alto número de fatalidades durante férias, feriados e fins de semana. Tudo isso acontece sacrificando os sistemas de saúde, educação, segurança, entre outros âmbitos, cujas previsões orçamentárias são reduzidas para quitar tais despesas criminosas. Por essa razão, a área mais impactada pelos crimes econômicos é a dos direitos sociais, visto que os efeitos nocivos desses delitos afetam toda a população. Enquanto isso, infelizmente, priorizamos discussões sobre participantes de reality shows.
É evidente que essa priorização também se reflete de alguma forma nas instâncias de controle, que combatem alguns crimes de modo mais incisivo do que outros. Enquanto certos delitos são tolerados pelos agentes públicos, outros, ainda que tenham potencial lesivo igual ou menor, são enfrentados de maneira mais intensa.
Ao longo de várias décadas, pesquisadores se dedicaram à análise de dados estatísticos com o objetivo de desenvolver planos e políticas criminais concretas e eficazes para reduzir o número de ações criminosas em determinadas regiões. A ideia era lidar com as consequências do problema somente quando as causas fossem completamente compreendidas. Embora essa premissa seja verdadeira, os criminólogos não a estavam seguindo integralmente.
Os dados utilizados pelos órgãos de segurança pública de diferentes estados consideravam a quantidade de crimes notificados, processados e julgados. Com base nesses dados, estratégias de prevenção/repressão às condutas proibidas pelo direito penal eram estabelecidas.
Entretanto, havia crimes que, por causa de características específicas, não eram registrados nas estatísticas oficiais. Esses fatos omitidos eram tão cruciais, que ignorá-los poderia comprometer qualquer pesquisa sobre a violência real, já que as ações se voltariam para perigos maiores do que os enfrentados. Por exemplo, resolver o problema do furto de obras de arte ou obras sacras seria ineficaz se não fossem combatidos os receptadores que encomendam, compram e vendem tais objetos, alimentando um mercado paralelo altamente lucrativo.
A delimitação precisa da quantidade de crimes em um Estado é indispensável para uma elaboração efetiva das normas jurídico-penais. No entanto, mesmo em países com uma cultura estatística desenvolvida, a confiabilidade dos dados divulgados é questionável, pois apenas uma parcela dos crimes reais é oficialmente registrada pelo Estado.
A coleta de estatísticas criminais no Brasil é efetuada pelos estados, de forma que cada ente federativo fica responsável por organizar suas polícias civil e militar. No entanto, a manipulação das estatísticas por parte de governantes inescrupulosos, visando a objetivos eleitoreiros, é uma realidade. Isso ocorre para mascarar os verdadeiros índices de criminalidade e apresentar uma imagem falsa de eficiência na segurança pública.
Além disso, falhas na polícia, a manipulação de dados e a não comunicação de muitos delitos pelas vítimas contribuem para distorções na estatística oficial. A existência da “cifra negra” representa crimes não reportados por razões diversas, enquanto a “cifra dourada” abrange práticas antissociais impunes do poder político e econômico.
Por que alguns crimes não se tornam públicos ou conhecidos pelos órgãos oficiais? Em alguns casos, de acordo com a doutrina, os ofendidos não demonstram muito interesse em notificar os prejuízos sofridos após a ação criminosa. Tal decisão corresponde às chamadas “cifras negras”. Quando um crime não é reportado de alguma forma para os sistemas de controle e permanece inexistente nas estatísticas, conclui-se que essa infração está dentro das cifras negras. Vamos conferir, a seguir, os motivos que levam uma vítima a preferir manter um crime dentro das cifras negras em vez de solucioná-lo pelos meios legais.
Sentimentos
Medo (crimes contra a pessoa), vergonha (crimes sexuais) ou compaixão pelo criminoso (sequestro). A própria vítima julga que o valor do dano é inexpressivo diante da inconveniência que isso pode provocar (custo/benefício da exposição). Ela acredita que o crime deve ser apurado e atesta a importância da investigação. Por outro lado, desiste de seguir com a notícia do crime, pois descredibiliza as instâncias de controle.
Além disso, como já mencionamos, a doutrina utiliza outra nomenclatura, chamada “cifra dourada”, para denotar a negligência social ao deixar de requerer a apuração de crimes de colarinho branco. A negligência não ocorre apenas por causa da desmotivação dos ofendidos ou das dificuldades enfrentadas pelos órgãos investigativos, mas engloba a própria estrutura dos Estados nacionais e organizações internacionais, os quais muitas vezes impedem o prosseguimento da criminalização ou da condenação por interesse de grupos poderosos. A sociedade também é conivente ao subdimensionar os efeitos decorrentes da atividade criminosa liderada por pessoas de elevado prestígio social.
Contudo, os efeitos desses crimes existem e podem arruinar a economia de milhares de famílias. Quando um governante prioriza (ou desvia) investimentos bilionários do orçamento para uma área, cujo resultado se mostra catastrófico, as aposentadorias de milhões de brasileiros podem ser comprometidas de forma permanente. Isso ocorreu recentemente na Europa.
Para criar políticas criminais eficientes, é essencial levar em consideração essas variáveis (cifras negras e douradas, somadas aos crimes informados) para obter um número o mais próximo possível da criminalidade real. Isso permitirá a elaboração de instrumentos de controle capazes de reduzir a prática de crimes.
Assim, para lidar com essas distorções, sugere-se a criação de uma agência independente, sem vínculos governamentais, com atribuições legais de controle e levantamento de dados sobre a criminalidade, assegurando a estabilidade de seus dirigentes.
Técnicas de investigação das cifras negras
As cifras negras, que representam o campo obscuro da criminalidade, têm sido uma preocupação histórica na criminologia. Desde a criminologia tradicional, enfatiza-se a necessidade de investigar delitos não reportados às instâncias de controle estatal.
A crítica à criminologia tradicional, de cunho positivista, recai sobre a consideração limitada dos estudos estatísticos, que se baseavam apenas na população carcerária, conduzindo a uma visão distorcida da realidade criminal. Alguns autores alegam que apenas cerca de 1% dos reais infratores é alcançado pelo sistema.
Os estudos sobre criminosos concentram-se majoritariamente nas populações carcerárias, resultando em uma intepretação deturpada da realidade criminal, conforme a abordagem do labeling (rotulação) de criminosos pela sociedade. Grupos sociais desfrutam de impunidade virtual, especialmente em crimes econômicos, enquanto o estigma de delinquente repousa predominantemente sobre os marginalizados.
Diversos estudos foram articulados para detectar a cifra negra da criminalidade, utilizando técnicas como investigação de autores, vítimas e informantes criminais, análise de variáveis heterogêneas e o segmento operativo dos agentes de controle formal (polícia e tribunais). Essas medidas enfrentam desafios, como amostragem, sinceridade dos interrogados e influência do sistema de delação. O sistema de variáveis heterogêneas analisa diferentes níveis de controle informático e variações de métodos entre países.
Diante desse cenário, inúmeros estudos foram realizados para identificar a real cifra negra da criminalidade. As abordagens empregadas são diversas, na intenção de minimizar a margem de erro.
Nesse sentido, propõem-se as seguintes técnicas de investigação da cifra negra (Cervini, 2002, p. 189):
a. Investigação em relação aos autores ou técnica de autodenúncia.
b. Investigação em relação às vítimas.
c. Investigação em relação a informantes criminais.
d. Sistema de variáveis heterogêneas.
e. Técnica do segmento operativo destinado aos agentes de controle formal (polícia e tribunais).
A investigação em relação aos autores de crimes (autodenúncia) envolve o interrogatório de pessoas em geral sobre os delitos cometidos, o que pode ou não resultar no processo penal. As deficiências, nesse caso, incluem a amostragem populacional e o grau de sinceridade dos interrogados, que variam de acordo com o nível de cultura e cidadania.
Já a investigação em relação às vítimas de delitos apresenta uma abordagem diferenciada, na qual interrogam-se pessoas que tenham sido vítimas de algum tipo de crime. Busca-se entender as razões da não comunicação ou indicação dos envolvidos, as quais podem incluir a tipologia penal (como estupros), a participação da vítima (como em jogos de azar) e até mesmo a cumplicidade (favorecimento pessoal), o que pode levar o pesquisador a equívocos. Muitas vítimas não denunciam certos crimes por medo de represálias, por não considerarem grave a conduta lesiva, por falta de confiança na polícia e na justiça, ou por serem novamente vitimizadas pelo sistema, entre outros motivos.
A investigação em relação a informantes criminais possui a vantagem de fornecer uma amostragem de terceiras pessoas de forma desinibida e confiável. No entanto, assim como a autodenúncia, muitos informantes são criminosos que se beneficiam da denúncia alheia, alimentados pela dinâmica do sistema. Isso pode, portanto, representar um exercício de revanchismo ou retaliação (cúmplices).
O sistema de variáveis heterogêneas implica três níveis de controle informático: a análise da cifra negra dos delitos leves, que é maior em virtude dos crimes graves; a tendência à autocomposição das vítimas nos delitos leves; e a variação dos métodos de análise de país para país.
Por fim, a técnica do segmento operativo dos agentes de controle formal (polícia e tribunais) muda o foco e direciona seus estudos à investigação das causas reais de vulnerabilidade e disfunções do sistema criminal. Todos os órgãos do sistema criminal intervêm em um processo de filtragem por etapas, pois muitas vítimas não denunciam os crimes à polícia; esta, por sua vez, não inicia todas as investigações necessárias, não relatando ao tribunal tudo o que apurou. Já os tribunais arquivam grande parte das investigações sob o manto do garantismo penal.
Em resumo, é essencial compreender as causas reais da vulnerabilidade e disfunções do sistema criminal, considerando a filtragem por etapas nos órgãos que o constituem. Logo, devem-se investigar desde vítimas que não denunciam até tribunais que arquivam investigações.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Como as mudanças legislativas, como a Lei nº 12.850/13 e o projeto anticrime, afetaram efetivamente a investigação e punição de organizações criminosas complexas no Brasil?
- Diante da obscuridade do crime organizado, especialmente nas modalidades de máfia e criminalidade organizacional empresarial, como as estratégias de combate e prevenção podem ser aprimoradas para lidar de modo eficaz com essas formas de delinquência em um contexto globalizado?
As mudanças legislativas, sobretudo as promovidas pela Lei nº 12.850/13 e pelo projeto anticrime, tiveram um impacto significativo na investigação e punição de organizações criminosas no Brasil. Ao definir o conceito de organização criminosa e proporcionar meios mais modernos de investigação, essas medidas buscaram enfrentar o avanço do crime organizado, fomentando adaptações no sistema jurídico para lidar com uma realidade mais complexa e globalizada. A Lei nº 13.964/19, resultante do projeto anticrime, reforçou ainda mais o combate ao crime organizado, estabelecendo penas mais severas para seus membros, especialmente para lideranças com acesso a armas.
Considerando a obscuridade do crime organizado, principalmente nas formas de máfia e criminalidade organizacional empresarial, as estratégias de combate e prevenção precisam evoluir para lidar de maneira eficaz com essas manifestações em um contexto globalizado. O suprimento dessa urgência envolve a cooperação internacional, o compartilhamento de informações entre agências de diferentes países e a criação de mecanismos ágeis para lidar com organizações criminosas que transcendem fronteiras. Além disso, é crucial desenvolver abordagens que compreendam a dinâmica específica dessas modalidades de crime, levando em consideração não apenas os aspectos legais, mas também os econômicos, sociais e culturais que as sustentam.
Saiba Mais
Aprendemos que o denominado “pacote anticrime” exerceu impacto sobre as investigações e a dinâmica criminal. Nesse sentido, recomendo que você leia o texto Pacote Anticrime: a interpretação do STJ no primeiro ano de vigência da nova lei, o qual apresenta as principais interpretações do Superior Tribunal de Justiça em relação à norma.
Referências Bibliográficas
ALEXANDER, R. O que há por trás da alta taxa de estupro na Suécia? BBC Brasil, 18 set. 2012. Disponível em: https://bbc.in/2L6uTEq. Acesso em: 16 fev. 2024.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 5 ago. 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm.o Acesso em: 16 fev. 2024.
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 30 abr. 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm. Acesso em: 16 fev. 2024.
BRASILEIRO, R. Legislação criminal especial comentada. 5. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.
CERVINI, R. Os processos de descriminalização. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PACOTE Anticrime: a interpretação do STJ no primeiro ano de vigência da nova lei. Superior Tribunal de Justiça, 7 fev. 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/07022021-Pacote-Anticrime-a-interpretacao-do-STJ-no-primeiro-ano-de-vigencia-da-nova-lei.aspx#:~:text=Ao%20criar%20o%20artigo%2028,anos%2C%20e%20mediante%20o%20cumprimento. Acesso em: 16 fev. 2024.
RODRIGUES, A. M. Direito penal econômico: é legítimo? É necessário? Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 127, jan. 2017. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RBCCrim_n.127.01.PDF. Acesso em: 16 fev. 2024.
SANTOS, C. M. C. O crime de colarinho branco: da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.
SCHREIBER, M. Pagamento de propinas por empreiteiras se consolidou durante ditadura, diz historiador. BBC Brasil, 16 dez. 2016. Disponível em: https://bbc.in/35d5Q9D. Acesso em: 16 fev. 2024.
Aula 3
Fatores Sociais da Criminalidade
Fatores Sociais da Criminalidade
Olá, estudante! Nesta videoaula, você será apresentado aos aspectos relativos aos fatores sociais e culturais que impactam o aumento da criminalidade. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, pois é imprescindível conhecer os vários fatores que influenciam a dinâmica criminal. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre os fatores sociais da criminalidade. Exploraremos como fatores sociais, econômicos e culturais moldam nossas escolhas e comportamentos, a fim de promover reflexões sobre a influência da falta de orientação e da ausência de conhecimento na propensão a comportamentos ilícitos. Trataremos, também, da relação entre migração, crescimento populacional desordenado e surgimento de atividades criminosas, destacando a responsabilidade do Estado na busca pelo equilíbrio demográfico e na manutenção da ordem pública.
Ao investigar o preconceito e a criminalidade feminina, desafiaremos estereótipos, evidenciando como a história e as desigualdades persistentes podem influenciar a incidência de crimes em diferentes grupos. Prepare-se para uma jornada de descobertas, na qual examinaremos casos específicos e consideraremos abordagens preventivas para construir uma sociedade mais justa e equitativa.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Em que medida a falta de orientação e conhecimento contribui para a propensão a comportamentos ilícitos? Como podemos desenvolver abordagens eficazes para prevenir essas lacunas na formação humana?
- Como as condições socioeconômicas e o desequilíbrio demográfico afetam diretamente o surgimento de atividades criminosas? De que maneira o Estado pode implementar políticas eficazes para mitigar esses fatores e promover uma convivência mais pacífica e justa?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Abordagem sociológica, pobreza, emprego, desemprego e subemprego
O ser humano é intrinsecamente social, interagindo em diversos contextos, seja profissional, esportivo ou religioso. O que somos reflete aquilo que absorvemos, como afirmava Aristóteles, destacando a importância do conhecimento e prática de bons hábitos para a virtude humana. A falta de orientação para adotar hábitos positivos pode levar a ações incorretas, e a ausência de conhecimento, apoio ou censura pode resultar na atração por comportamentos ilícitos, inclusive crimes.
Existem situações em que um indivíduo se torna mais suscetível à prática criminosa, como no caso de menores abandonados e famílias desestruturadas, permeadas pelo acesso a substâncias entorpecentes, violência ou exploração dos pais. Fatores internos, como genética e estrutura psicológica, e externos podem influenciar a inclinação para o crime.
Embora haja uma relação observada entre pobreza/miséria e crime nos dados criminais, não se pode estabelecer uma conexão obrigatória ou determinista entre ambas as partes. O perfil predominante entre presidiários inclui indivíduos com baixa instrução, provenientes de camadas sociais mais humildes e sem atividade lícita, os quais manifestam uma propensão ao crime à medida que essas características se manifestam. No entanto, é fundamental destacar que a pobreza não é uma condição necessária para a prática do crime. Crimes econômicos, como os de colarinho branco, são frequentemente cometidos por pessoas de boa condição financeira e respeito social.
A exclusão social pode potencializar uma predisposição interna do indivíduo, mas não o levará necessariamente ao crime. É capaz, no entanto, de fornecer o ambiente propício para que ele obtenha as informações mínimas necessárias para iniciar atividades criminosas. Penteado Filho (2023) observou um aumento no número de crimes durante a crise econômica de 2009, sugerindo que condições adversas podem desencadear a manifestação de tendências criminosas já internalizadas.
Além das condições econômicas, outros fatores podem instigar a tendência delinquente, como a influência de amigos e familiares, bem como a cultura transmitida por meio de diversos meios de comunicação. A subcultura do crime, discutida na primeira unidade de estudos, destaca que a aprendizagem de práticas criminosas ocorre da mesma forma que a aprendizagem de atividades lícitas, sendo influenciada por diversas formas de comunicação, como livros, filmes, televisão e internet.
Programas televisivos, como novelas, jornais e pseudojornais policiais, desempenham um papel significativo ao divulgar conteúdos que banalizam o mal. A exposição repetida de cenas de violência, reais ou fictícias, contribui para a disseminação de ideias criminosas, influenciando aqueles que tinham predisposição para tal, mas necessitavam de novas ideias.
Migração e crescimento populacional
A imigração de grandes grupos de pessoas é mais um fator que pode contribuir para o fenômeno da criminalidade, como considerado pela Escola de Chicago. Quando imigrantes se estabelecem em uma região específica, eles passam a ter acesso a meios de compartilhamento de informações que podem disseminar conhecimentos sobre atividades irregulares ou criminosas, especialmente quando o grupo de imigrantes em questão é marginalizado pela sociedade.
Em atividades irregulares, observa-se que os imigrantes frequentemente se tornam vítimas quando se submetem a condições de trabalho análogas à escravidão ou ao subemprego, recebendo valores insuficientes para seu sustento. Quando ingressam na atividade criminosa, eles são utilizados como instrumentos para otimizar o crime, em virtude das peculiaridades próprias do ato de viver em um Estado estrangeiro. Isso pode ocorrer de diversas maneiras, como pela facilidade de entrar e sair de seus países, para se comunicar com seus compatriotas ou para compartilhar uma expertise prévia com a nova organização, a qual pode ser fundamental para um “mercado” no qual os criminosos pretendem articular suas ações.
Assim, a imigração de grandes grupos de pessoas, quando associada à marginalização social, cria um ambiente propício para a propagação da criminalidade, desencadeando um aumento nas taxas criminais em diversas áreas geográficas. Esse fenômeno, somado aos desafios de adaptação mencionados anteriormente, ressalta a importância do equilíbrio demográfico e das ações do Estado na busca pelo bem comum e pela manutenção da ordem pública.
Além disso, a migração, enquanto fenômeno interno de deslocamento populacional dentro de um país, apresenta desafios significativos de adaptação por causa das disparidades culturais, costumes, hábitos e valores entre diferentes regiões.
A modificação cultural e de valores, exemplificada pelos migrantes nordestinos e os nisseis em São Paulo, gera uma convivência marcada por antagonismos, forçando os migrantes a lidarem com uma dualidade cultural em seus lares e na sociedade. Essa mudança pode resultar em desorientação, que, em circunstâncias anômalas, se manifesta em comportamentos delituosos.
É compreensível que nos países em desenvolvimento a integração dos migrantes ao mercado de trabalho seja desafiadora, o que intensifica, por vezes, o aumento da pobreza e miséria, fatores que reconhecidamente alimentam a criminalidade.
O crescimento populacional desordenado ou não planejado é identificado como um fator que favorece o surgimento de atividades criminosas. Pesquisas realizadas pela Escola de Chicago indicam que a elevação nas taxas criminais está correlacionada com a ampliação da densidade demográfica em determinadas áreas geográficas.
Logo, o aumento desproporcional da população em uma região amplia o número de desempregados e subempregados, desencadeando um fenômeno no qual o crescimento das condições econômicas precárias está diretamente relacionado ao aumento da pobreza, o que exerce um papel crucial na geração de criminalidade. Esse fenômeno é conhecido como o “fermento social da criminalidade”.
Nesse contexto, ressalta-se que é responsabilidade do Estado buscar o bem comum da população, incluindo a manutenção da ordem pública. Manter o equilíbrio entre a área territorial e a população é considerado um exercício do poder de polícia estatal. A ausência desse equilíbrio demográfico pode culminar em conflitos de convivência, especialmente em áreas como morros, cortiços, favelas e loteamentos clandestinos, em que o fermento social da criminalidade se manifesta continuamente, contribuindo para um perigoso aumento no número de infrações penais em várias categorias, como crimes contra a vida, o patrimônio e a saúde pública.
Siga em Frente...
Preconceito e criminalidade feminina
O preconceito se manifesta como um estereótipo negativo, uma ideia preconcebida desfavorável. A discriminação, por sua vez, é a materialização do preconceito, isto é, a sua execução em atividade.
A doutrina que fundamenta a superioridade com base em diferenças raciais é cientificamente infundada, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa. Não há justificativa para a discriminação racial, seja teórica ou prática, em nenhum lugar.
Discriminar pessoas com base em raça, cor ou origem étnica é um obstáculo para relações amistosas e pacíficas entre nações, pois pode perturbar a paz, segurança e harmonia de comunidades que coexistem, até mesmo dentro do mesmo Estado, muitas vezes gerando conflitos e guerrilhas.
A existência de barreiras raciais vai contra os ideais de qualquer sociedade humana que busca dignidade e se estabelece sob um Estado de Direito. Portanto, a tolerância emerge como a harmonia dos opostos, a igualdade na diferença e a convivência pacífica entre desiguais.
No âmbito da criminologia, embora haja afirmações sobre uma maior incidência de delitos cometidos por negros em comparação com brancos, a ausência de pesquisas e estatísticas sérias sobre o assunto leva à concordância com a opinião de João Farias Junior (2009, [s. p.]): “a vontade não age por si só, mas de acordo com a formação moral do caráter, e não de acordo com a cor da pele”.
No contexto brasileiro, as marcas inapagáveis da escravidão afetam os descendentes da diáspora africana, que continuam a enfrentar desafios sociais e econômicos decorrentes da opressão histórica. Após a abolição da escravidão, observaram-se três principais consequências: a migração (não apenas de negros, mas também de brancos espoliados), a favelização (nos morros e periferias das grandes cidades) e, por fim, o aumento da criminalidade nesses espaços.
É importante mencionar, ainda, outro grupo de pessoas que pode se tornar suscetível à prática do crime: as mulheres. Mantendo nossa compreensão da personalidade como o principal fundamento para o início de atividades delitivas, não podemos associar o crime à cor da pele ou ao gênero.
Nas últimas décadas, notou-se um aumento da criminalidade feminina, anteriormente restrita aos crimes passionais. Atualmente, as mulheres são usadas como instrumento por organizações criminosas. Essa estratégia se assemelha àquela utilizada no recrutamento de imigrantes e menores de idade. As mulheres, muitas vezes submetidas à cultura de submissão, são empregadas em trabalhos que levantam menos suspeitas ou que possuem características mais condizentes com o universo feminino.
Exemplificando
Numerosos casos envolvem esposas ou companheiras de traficantes e outros presidiários. Traficantes exploram mulheres, incluindo parceiras conjugais e mães, para transportar substâncias entorpecentes, celulares ou armas até as penitenciárias onde seus parceiros, maridos ou filhos estão detidos.
É válido reiterar que as ações de um indivíduo são resultado de sua vontade, moldada pelos valores morais adquiridos ao longo da vida. Portanto, o crime não decorre de fatores relacionados à cor da pele ou ao sexo, mas da personalidade, ainda que outros elementos internos e externos possam potencializar essa propensão. Até o momento, não há evidências que comprovem uma ligação entre a origem étnica ou tonalidade da pele com a personalidade. Logo, qualquer insinuação nesse sentido constitui uma forma de racismo. Devemos tratar todos com igual consideração e respeito, reconhecendo nossa humanidade compartilhada, na qual virtudes e vícios são características individuais.
Contudo, isso não nos impede de investigar as causas que levaram um grupo permeado por circunstâncias históricas e sociais específicas a se envolver em atividades criminosas, comparando com as razões que motivaram outros a cometerem crimes de naturezas diversas.
Carlos Roberto Bacila (2015) explica que, na Grécia Antiga, a mulher era considerada propriedade do homem, uma ideia que se estendeu a quase todas as sociedades ocidentais. O estigma em relação às mulheres, tanto pela sua condição feminina quanto por razões sociais antropológicas, tornou-se negativo.
No decorrer da história, as mulheres conquistaram independência em vários aspectos, embora ainda enfrentem obstáculos no mercado de trabalho, como quando são submetidas a situações constrangedoras em entrevistas de emprego e, em alguns casos extremos, quando são questionadas sobre sua capacidade de ter filhos. A desigualdade salarial persiste, demonstrando que o julgamento em relação ao sexo feminino também influencia o âmbito criminal.
Mulheres são recrutadas para o crime, principalmente no tráfico, por causa da percepção social de que não se envolvem em atividades criminosas. Ao colaborar com as práticas delituosas, elas levantam poucas suspeitas, e, mesmo que haja desconfiança, as autoridades podem hesitar em revistá-las minuciosamente. Essa presunção favorável às mulheres é explorada por criminosos, que as convencem, muitas vezes de maneira coercitiva, a cooperar com suas atividades delituosas.
Nesse sentido, algumas mulheres são aliciadas por causa de sua submissão, alimentada por características sociais, e pelo fato de serem consideradas úteis às organizações criminosas, pois levantam menos suspeitas ao executar crimes.
Em resumo, o uso de mulheres (também incluindo estrangeiros e idosos) traz benefícios em função das condições especiais de tratamento que recebem pelos órgãos de controle. Isso pode ser uma vantagem significativa para líderes de organizações criminosas, que as utilizam como “mulas” para transportar substâncias entorpecentes, seja para presídios ou outros países, por meio do acesso a aeroportos. Mulheres tornam-se instrumentos para a prática de crimes principalmente em virtude das condições sociais que as cercam, aumentando a probabilidade de sucesso nas ações criminosas.
Essa explicação, embora já não seja totalmente condizente com a realidade, destaca o avanço do recrutamento de mulheres na atividade criminosa, sobretudo no tráfico. As informações apresentadas são cruciais para a formulação de políticas criminais baseadas nas causas do crime. Como remédio social, criminologistas podem avaliar sinais de comportamentos transgressores e propor soluções eficazes, nem sempre envolvendo a criminalização ou o aumento das penas. Mais adiante, em nossos estudos, investigaremos detalhes sobre os critérios de prevenção, porém é importante ressaltar que o Estado pode agir de diversas maneiras para alcançar a pacificação social, sem necessariamente recorrer ao direito penal.
No caso de crimes que englobam a participação feminina, uma abordagem conscientizadora sobre o valor das mulheres e o incentivo para que se libertem de situações de submissão e risco podem ser eficazes. Além disso, campanhas para promover a contratação de mulheres no mercado de trabalho e a equiparação salarial são passos importantes para garantir a igualdade de tratamento entre os sexos.
Frequentemente, políticas sociais se mostram mais eficazes do que o simples aumento das penas ou do rigor na execução penal. Entretanto, em certos casos, a legislação penal pode se fazer necessária, como no contexto de organizações criminosas, quando a criminologia se torna responsável por sugerir a abordagem mais eficaz para cada contexto.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Em que medida a falta de orientação e conhecimento contribui para a propensão a comportamentos ilícitos? Como podemos desenvolver abordagens eficazes para prevenir essas lacunas na formação humana?
- Como as condições socioeconômicas e o desequilíbrio demográfico afetam diretamente o surgimento de atividades criminosas? De que maneira o Estado pode implementar políticas eficazes para mitigar esses fatores e promover uma convivência mais pacífica e justa?
A falta de orientação e conhecimento exerce uma interferência significativa na propensão a comportamentos ilícitos, pois indivíduos podem ser mais suscetíveis a influências negativas quando não possuem uma base sólida de valores e princípios éticos. Estratégias educacionais que promovam a conscientização, o desenvolvimento de habilidades sociais e a ética podem contribuir para prevenir lacunas na formação humana, fortalecendo a resiliência contra comportamentos criminosos.
Além disso, as condições socioeconômicas e o desequilíbrio demográfico estão diretamente relacionados ao surgimento de atividades delituosas, enfatizando a importância de políticas públicas que abordem esses fatores. O Estado pode implementar medidas como investimento em educação, programas de emprego, equidade social e controle do crescimento populacional para mitigar as influências negativas. Uma abordagem integrada que considere as diferentes dimensões socioeconômicas pode ser crucial para promover uma convivência mais pacífica e justa, reduzindo as condições que propiciam o surgimento da criminalidade.
Saiba Mais
Vários fatores sociais e culturais motivam o aumento da criminalidade, e a Escola de Chicago apresenta estudos acerca do tema. Recomendo que você faça a leitura do artigo Juventude e criminalidade sob a perspectiva da Escola de Chicago para aprofundar e expandir sua análise sobre o assunto.
Referências Bibliográficas
BACILA, C. R. Criminologia e estigmas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
CATÃO, M. do Ó; PEREIRA, M. C. Juventude e criminalidade sob a perspectiva da Escola de Chicago. Revista da Faculdade de Direito da UERJ – RFD, Rio de Janeiro, n. 28, p. 131-156, dez. 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/viewFile/10401/14647. Acesso em: 28 fev. 2024.
FARIAS JUNIOR, J. Manual de criminologia. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2009.
FERNANDES, W. População carcerária feminina aumentou 567% em 15 anos no Brasil. Conselho Nacional de Justiça, 5 nov. 2015. Disponível em: https://bit.ly/3olPDXi. Acesso em: 16 fev. 2024.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
Aula 4
Prevenção Criminal
Prevenção Criminal
Olá, estudante! Nesta videoaula, você será apresentado aos principais aspectos relativos à prevenção criminal. Este conteúdo é importante para a sua prática profissional, pois é imprescindível conhecer as formas de prevenção geral e especial da criminalidade. Prepare-se para esta jornada de aprendizagem! Vamos lá!
Ponto de Partida
Olá, estudante! Receba as boas-vindas a esta aula sobre prevenção criminal. Nesta etapa de aprendizagem, investigaremos o fascinante campo da prevenção delitiva, uma área vital na construção e manutenção de sociedades justas e seguras. Ao longo do tempo, a noção de prevenção delitiva passou por transformações influenciadas por diversas correntes do pensamento jusfilosófico, refletindo a constante busca por estratégias mais eficazes. O objetivo de nosso estudo é compreender as medidas indiretas e diretas que têm a intenção de evitar a ocorrência de crimes, contemplando desde as raízes das causas até as intervenções com foco direcionado ao infrator.
Para contextualizar o tema central desta aula, vamos, juntos, analisar as seguintes questões:
- Como as medidas indiretas de prevenção delitiva podem ser aplicadas de maneira eficaz, considerando tanto o indivíduo quanto o ambiente em que ele vive?
- No contexto das medidas diretas, como o sistema jurídico pode desempenhar um papel significativo na prevenção criminal, indo além da punição para abordar a prevenção e a reeducação do infrator?
Estamos juntos nesta jornada de aprendizagem. Vamos lá! Bons estudos!
Vamos Começar!
Conceito de prevenção e prevenção criminal do Estado Democrático de Direito
Prevenção delitiva refere-se ao conjunto de ações destinadas a evitar a ocorrência de crimes. A noção de prevenção delitiva não é algo recente e passou por inúmeras transformações ao longo do tempo, sendo influenciada por diversas correntes do pensamento jusfilosófico.
Para alcançar o objetivo do Estado de Direito, que é prevenir atos nocivos e, consequentemente, manter a paz e harmonia sociais, é indispensável a implementação de dois tipos de medidas: as indiretas, que atuam de maneira não imediata sobre o crime; e as diretas.
Em geral, as medidas indiretas concentram-se nas causas do crime, buscando eliminá-las para, como resultado, eliminar os efeitos (sublata causa tollitur effectus). Essa abordagem é uma ação profilática excelente, a qual abrange um campo amplo de atuação para identificar todas as possíveis causas da criminalidade, sejam elas próximas ou remotas, genéricas ou específicas.
As ações indiretas devem se direcionar a dois aspectos principais: o indivíduo e o ambiente em que ele vive.
Em relação ao indivíduo, as ações devem considerar a personalidade dele, contornando seu caráter e temperamento para moldar e motivar sua conduta.
No âmbito social, é necessário analisar o ambiente em seus diversos aspectos, buscando a redução da criminalidade e a prevenção. A conjugação de medidas sociais, políticas e econômicas pode contribuir expressivamente para a melhoria da qualidade de vida.
Fatores como criminalidade transnacional, importação de culturas e valores, globalização econômica, desorganização dos meios de comunicação, desequilíbrio social, proliferação da miséria e medidas criminais ineficazes podem impelir as pessoas ao crime.
Contudo, assim como o ambiente pode induzir ao crime, também pode estimular a alteração comportamental, especialmente no caso de indivíduos com predisposição genético-biológica. Urbanização, desfavelização, criação de empregos, reciclagem profissional, educação pública acessível, entre outros aspectos, podem influenciar positivamente o comportamento do indivíduo.
Na profilaxia indireta, a medicina cumpre uma função importante, com a oferta de exames pré-natais, planejamento familiar, tratamento de doenças, uso de células-tronco embrionárias e recuperação de dependentes químicos, o que contribui para um sistema preventivo eficaz.
Já as medidas diretas de prevenção criminal direcionam-se à infração penal em formação (iter criminis).
Medidas jurídicas têm grande importância, incluindo a punição efetiva de crimes graves, repressão rigorosa a infrações penais de todos os tipos (tolerância zero), atuação da polícia ostensiva no papel de prevenção, manutenção da ordem e vigilância, treinamento das polícias judiciárias para repressão delitiva e repressão jurídico-processual. Além disso, elevar valores morais, promover o culto à família, à religião, aos costumes e à ética, e reconstruir o sentimento de civismo são práticas essenciais para prevenir o crime.
No Estado Democrático de Direito, a prevenção criminal é uma parte integrante da agenda federativa, envolvendo todos os setores do Poder Público, e não apenas a segurança pública e o Judiciário. No modelo federativo brasileiro, União, estados, Distrito Federal e municípios devem agir de forma conjunta para reduzir a criminalidade, como prevê o art. 144, caput, da Constituição Federal (Brasil, 1988).
A prevenção delitiva abrange ações dissuasórias ao delinquente, a alteração de espaços físicos e urbanos, e estratégias para evitar a reincidência, como a reinserção social e o fomento de oportunidades de trabalho.
Siga em Frente...
Espécies de prevenção: primária, secundária e terciária
O enfrentamento efetivo do fenômeno criminal demanda uma abordagem holística, a qual abarca estratégias que atinjam desde a raiz do problema até a reintegração do indivíduo na sociedade. Nesse contexto, destacam-se as abordagens primária, secundária e terciária, cada uma desempenhando um papel específico na prevenção e gestão do crime. A seguir, conheceremos detalhes relevantes sobre essas abordagens, ressaltando a importância da implementação de direitos sociais como medida primordial.
Abordagem primária
A prevenção primária emerge como o primeiro e crucial estágio na mitigação da criminalidade. Centrada na abordagem de questões fundamentais, como educação, emprego, moradia e segurança, essa fase exige uma resposta ágil do Estado quanto à implementação progressiva e universal dos direitos sociais. Garantir acesso à educação, saúde, trabalho e qualidade de vida constitui-se como um instrumento preventivo de médio e longo prazo, atacando a etiologia delitiva em suas raízes.
Abordagem secundária
A abordagem secundária concentra-se nos setores da sociedade suscetíveis a serem afetados pelo problema criminal em curto e médio prazo. Diferentemente da abordagem primária, essa etapa não se volta ao indivíduo, e sim a grupos específicos. A ação policial, programas de apoio e controle das comunicações são meios seletivos para lidar com potenciais fontes de criminalidade, buscando interromper a progressão do problema antes que atinja níveis mais graves.
Abordagem terciária
A esfera terciária se direciona àqueles que já foram reclusos, com o objetivo de recuperá-los e evitar reincidências. Esse estágio enfoca o sistema prisional, propondo medidas socioeducativas como laborterapia, liberdade assistida e prestação de serviços comunitários. A reinserção do indivíduo na sociedade torna-se o cerne da abordagem terciária, com o objetivo de transformar o recluso em um membro produtivo e responsável.
Em síntese, a abordagem tríplice, composta pelas etapas primária, secundária e terciária, revela-se como um arcabouço robusto no enfrentamento da criminalidade. A garantia de direitos sociais emerge como um alicerce na prevenção primária, enquanto a intervenção seletiva e o cuidado com indivíduos afetados norteiam as abordagens secundária e terciária. Para construir uma sociedade mais segura e justa, é imperativo que os esforços governamentais e sociais se concentrem não apenas na punição, mas principalmente na prevenção e reabilitação, moldando um futuro no qual o crime seja uma exceção, não a regra.
Prevenção geral e especial
O sistema penal, ao se debruçar sobre a imposição de penas, desempenha um papel multifacetado, tratando não apenas da punição do indivíduo infrator, mas também da proteção e orientação da sociedade como um todo. A pena, por meio da prevenção geral, tem a intenção de intimidar aqueles inclinados à transgressão ética, destacando-se como uma advertência para que se abstenham de violar os princípios mínimos da moral.
Além disso, a prevenção especial surge como um componente crucial, reconhecendo que o delito é motivado por fatores internos e externos. Portanto, busca a reeducação e recuperação do indivíduo, respeitando a individualização preconizada pela Constituição.
Prevenção geral
A abordagem da prevenção geral se desdobra em dois enfoques distintos: negativo e positivo. A prevenção geral negativa, também conhecida como prevenção por intimidação, direciona-se à sociedade como um todo, utilizando a penalização do autor do delito como um exemplo. A condenação serve como um alerta, incitando os membros da comunidade a reconsiderarem a prática de atos ilícitos, baseando-se na observação das consequências enfrentadas pelo infrator.
Por outro lado, a prevenção geral positiva, ou integradora, almeja atingir a consciência coletiva, promovendo o respeito aos valores fundamentais da comunidade e, por conseguinte, à ordem jurídica. Essa abordagem vai além da intimidação, buscando internalizar princípios éticos na sociedade. Assim, torna-se uma força motivadora para a conformidade com a lei.
Prevenção especial
No âmbito da prevenção especial, as abordagens negativa e positiva também se fazem presentes. A prevenção especial negativa concentra-se na neutralização do autor do delito, muitas vezes por meio da segregação no cárcere. Essa medida visa à remoção temporária do indivíduo do convívio social, impedindo-o de cometer novas infrações enquanto estiver privado desse ambiente.
A prevenção especial positiva, por sua vez, busca a transformação do infrator, com o objetivo de desencorajar a repetição de comportamentos delituosos. Com um caráter ressocializador e pedagógico, a finalidade da pena se volta para a reabilitação do indivíduo, estimulando-o a abandonar a prática de novas infrações.
A interconexão entre prevenção geral e especial revela a complexidade e a amplitude do propósito do sistema penal. Ao unir a intimidação como um alerta para a sociedade e a reeducação como um caminho para a reintegração do indivíduo, busca-se não apenas punir, mas também transformar e proteger. A sociedade moderna demanda, além do controle do crime, uma abordagem equilibrada, que reconheça a dignidade humana, assegurando que as penas aplicadas não apenas castiguem, mas também contribuam para a construção de um ambiente mais justo e seguro para todos.
Vamos Exercitar?
Neste momento, vamos, juntos, resolver as questões de problematização apresentadas no início desta aula, a fim de compreendermos o tema de forma mais adequada.
- Como as medidas indiretas de prevenção delitiva podem ser aplicadas de maneira eficaz, considerando tanto o indivíduo quanto o ambiente em que ele vive?
- No contexto das medidas diretas, como o sistema jurídico pode desempenhar um papel significativo na prevenção criminal, indo além da punição para abordar a prevenção e a reeducação do infrator?
As medidas indiretas de prevenção delitiva devem ser aplicadas de maneira abrangente, considerando tanto o indivíduo quanto o ambiente. Em relação ao indivíduo, é crucial analisar e abordar fatores como personalidade, caráter e temperamento, utilizando estratégias que possam moldar e motivar sua conduta. Já no âmbito social, a análise do ambiente em diversos aspectos, como social, político e econômico, é fundamental. A conjugação de medidas sociais, políticas e econômicas pode contribuir expressivamente para a melhoria da qualidade de vida, atuando como um elemento preventivo eficaz.
No contexto das medidas diretas, o sistema jurídico exerce uma função crucial na prevenção criminal. Além da punição efetiva de crimes graves, a aplicação da repressão rigorosa contra infrações penais de todos os tipos, conhecida como “tolerância zero”, pode dissuadir potenciais infratores. A atuação da polícia ostensiva no papel de prevenção, manutenção da ordem e vigilância é essencial. Vale mencionar, ainda, que o treinamento das polícias judiciárias para a repressão delitiva e repressão jurídico-processual é uma medida importante. Elevação de valores morais, promoção do culto à família, à religião, aos costumes e à ética, bem como a reconstrução do sentimento de civismo, são componentes cruciais para prevenir o crime, proporcionando uma abordagem holística para a construção de uma sociedade mais segura e justa.
Saiba Mais
Para aprofundar seus estudos sobre a prevenção criminal no Estado Democrático de Direito, é interessante que você faça a leitura do artigo A prevenção do delito no Estado Democrático de Direito.
Referências Bibliográficas
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PENTEADO FILHO, N. S. Manual de criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
Encerramento da Unidade
CRIMINALIDADE E PREVENÇÃO CRIMINAL
Videoaula de Encerramento
Olá, estudante! Nesta videoaula, você aprenderá sobre temas fundamentais como Criminalidade, Prevenção Especial e Prevenção Geral. Compreender esses conceitos é essencial para a sua atuação profissional, uma vez que são a base para desenvolver estratégias eficazes de combate ao crime.
Ponto de Chegada
Para desenvolver a competência associada a esta unidade de aprendizagem, que é “Conhecer os elementos básicos da criminalidade, identificando os fatores de aumento desse fenômeno, bem como suas formas de prevenção”, você deverá, antes de tudo, dominar os conceitos fundamentais associados à criminalidade, seus fatores sociais e formas de prevenção.
A criminalidade é uma preocupação constante no Brasil, país marcado por altos índices de atividades criminosas e violência. A abordagem multidisciplinar destaca a influência de diversas áreas na conduta criminosa. A sociedade contemporânea enfrenta desafios em virtude da globalização e da complexidade das organizações criminosas.
A violência nas cidades brasileiras está ligada à urbanização precária e a desigualdades socioespaciais. A interligação entre violência, criminalidade e economia exige uma análise que contemple fatores econômicos, sociais e políticos. O sistema penitenciário enfrenta uma crise, e a falta de debate sobre políticas de segurança pública limita as ações.
A correlação entre a deterioração dos indicadores sociais e o aumento das taxas de homicídios evidencia a interconexão intricada desses fenômenos. Enfrentar a violência exige políticas integradas e adaptadas às complexidades sociais, econômicas e urbanas, repensando abordagens policiais.
O prognóstico criminológico avalia a probabilidade de reincidência, podendo ser clínico ou estatístico. Fatores psicoevolutivos, jurídico-penais e ressocializantes são considerados, mas as instituições penitenciárias no Brasil enfrentam problemas.
A persistência do fenômeno do crime ao longo do tempo reflete a presença de indivíduos determinados a vencer a qualquer custo, mesmo que por meio de atividades criminosas. No cenário de intensa competição na sociedade e de globalização, surgem organizações criminosas complexas, fato que demanda atualizações nas leis e métodos de investigação.
A Lei nº 12.850/13 define as organizações criminosas, enquanto o projeto anticrime, que deu origem à Lei nº 13.964/19, reforça punições. Nessa legislação, são discutidas modalidades internacionais de crime organizado, incluindo a máfia e a criminalidade empresarial. Vale ressaltar, ainda, a ineficácia do Código de Processo Penal e a necessidade de se pensar na criação de uma agência independente para a coleta de dados criminais, tendo em vista a cifra negra e o impacto na análise real da criminalidade. Isso porque é de suma importância investigar as “cifras negras” e o impacto dos crimes de colarinho branco na economia e nos serviços públicos. Por isso, existem algumas técnicas de investigação das “cifras negras” sugeridas pela doutrina e que buscam compreender a realidade criminal de modo mais adequado.
A interação social, inerente ao ser humano, ocorre em diversos contextos, como o profissional, esportivo e religioso. Aristóteles salientava a influência do conhecimento e da prática de bons hábitos na formação da virtude humana. A falta de orientação para adotar bons hábitos pode resultar em ações incorretas, sobretudo em situações de vulnerabilidade, como menores abandonados e famílias desestruturadas. Fatores internos, como genética e estrutura psicológica, e externos, como influência social, podem contribuir para a inclinação ao crime.
Embora haja uma associação observada entre pobreza e criminalidade nos dados, não se estabelece uma relação determinista. O perfil predominante entre presidiários inclui baixa instrução acadêmica e origem em camadas sociais mais humildes, porém é importante mencionar que a pobreza não é condição necessária para o crime. Crimes econômicos, como os de colarinho branco, são cometidos por pessoas de boa condição financeira.
A exclusão social pode potencializar predisposições internas, mas não conduz automaticamente ao crime. A migração em grande escala pode intensificar a propagação da criminalidade, especialmente quando associada à marginalização social. O crescimento populacional desordenado também está correlacionado ao aumento da criminalidade, como apontam pesquisas da Escola de Chicago.
O preconceito racial e de gênero, ainda que infundado, persiste na sociedade. A criminalidade feminina tem aumentado, de forma que mulheres vêm sendo utilizadas como instrumentos por organizações criminosas. A discriminação racial vai contra os ideais de uma sociedade que busca dignidade e igualdade. O Estado tem responsabilidade na manutenção do equilíbrio demográfico para prevenir conflitos e a criminalidade. O crime não pode ser atribuído à cor da pele ou ao gênero, de modo que é essencial tratar todos com igual consideração e respeito.
O recrutamento de mulheres no crime, especialmente no tráfico, enfatiza a importância de abordagens sociais e conscientizadoras para combater as causas subjacentes. Políticas sociais, campanhas de conscientização e igualdade salarial podem ser mais eficazes do que medidas puramente punitivas, mesmo que em casos específicos a legislação penal ainda seja necessária.
Por fim, a prevenção delitiva abrange ações destinadas a evitar crimes, evoluindo ao longo do tempo sob influência de correntes jusfilosóficas. Para atingir o objetivo do Estado de Direito, é fundamental implementar medidas indiretas, que abordam as causas do crime, e diretas, voltadas à infração penal em formação.
Medidas indiretas concentram-se nas causas do crime, considerando tanto o indivíduo quanto o ambiente. Tratam de fatores como criminalidade transnacional, importação de culturas, desequilíbrio social e proliferação da miséria. Além disso, intervenções, como urbanização, criação de empregos e educação pública, são práticas que objetivam modificar comportamentos.
A prevenção direta abrange medidas jurídicas, policiamento ostensivo, elevação de valores morais e reconstrução do sentimento de civismo. No Estado Democrático de Direito, a prevenção criminal é responsabilidade conjunta da União, estados, Distrito Federal e municípios.
A prevenção delitiva se desdobra nas abordagens primária, secundária e terciária. A primária tem foco voltado a questões fundamentais, como educação, emprego e moradia, garantindo direitos sociais. A secundária concentra-se em setores suscetíveis a curto e médio prazo, com ações policiais e programas de controle. A terciária tem como meta a recuperação de reclusos a partir de medidas socioeducativas.
A prevenção geral e especial no sistema penal envolve a intimidação como exemplo para a sociedade (prevenção geral negativa) e a internalização de valores éticos (prevenção geral positiva). No panorama da prevenção especial, a negativa busca a neutralização do autor do delito, enquanto a positiva visa à reabilitação.
A interconexão entre prevenção geral e especial revela a complexidade do sistema penal, que busca não apenas punir, mas também transformar e proteger. A sociedade moderna demanda uma abordagem equilibrada, que assegure a dignidade humana, contribuindo para a formulação de um ambiente mais justo e seguro.
É Hora de Praticar!
Para contextualizar sua aprendizagem, imagine a seguinte situação: em uma cidade brasileira com altos índices de criminalidade e violência, a administração municipal se depara com a urgência de repensar suas políticas de segurança pública. A urbanização precária, associada a desigualdades socioespaciais, tem contribuído para o aumento da violência nas áreas urbanas.
O sistema penitenciário enfrenta uma crise, e a falta de debates sobre políticas de segurança pública limita as ações preventivas. Diante disso, surge a seguinte questão: como implementar políticas integradas e adaptadas às complexidades sociais, econômicas e urbanas, na intenção de enfrentar, de modo eficaz, a criminalidade e a violência na cidade? Vamos analisar o caso!
Reflita
Para aprofundar seu entendimento sobre os assuntos estudados nesta etapa de aprendizagem, é interessante que você reflita sobre as seguintes questões:
- Quais são os principais desafios enfrentados pela sociedade contemporânea no Brasil em relação à criminalidade, considerando fatores como urbanização precária, desigualdades socioespaciais e a influência de organizações criminosas complexas?
- Como a falta de debates sobre políticas de segurança pública no Brasil impacta o sistema penitenciário? Quais seriam possíveis consequências dessa omissão na elaboração e implementação de medidas eficazes?
- Diante da associação observada entre pobreza e criminalidade, como é possível abordar a complexa interconexão entre esses fenômenos, levando em consideração que a pobreza não é uma condição determinante para o crime?
Resolução do estudo de caso
Para encontrar soluções efetivas de combate à criminalidade e à violência na cidade descrita anteriormente, é imperativo adotar uma proposta de intervenção abrangente e integrada, contemplando as complexidades sociais, econômicas e urbanas. Algumas das medidas-chave que podem ser consideradas nesse sentido são:
- Abordagem multidisciplinar: fomentar a colaboração entre diferentes setores, como segurança pública, assistência social, educação e saúde, para promover uma resposta coordenada e abrangente aos desafios.
- Investimento em urbanização: priorizar projetos de urbanização que melhorem a infraestrutura nas áreas mais vulneráveis, buscando reduzir a segregação socioespacial e proporcionar ambientes urbanos mais seguros.
- Diálogo comunitário: envolver ativamente a comunidade no desenvolvimento e implementação de políticas, garantindo que as soluções se alinhem às necessidades locais e promovam a coesão social.
- Reforma no sistema penitenciário: iniciar debates sobre reformas no sistema penitenciário, a fim de encontrar soluções para a crise, como programas de ressocialização, medidas socioeducativas e revisão de penas para delitos não violentos.
- Incentivo à educação e emprego: desenvolver programas educacionais e de capacitação profissional que ofereçam alternativas realistas para a população em situação de vulnerabilidade, diminuindo as motivações para a criminalidade.
- Policiamento comunitário: fortalecer estratégias de policiamento comunitário, estimulando o engajamento positivo entre a polícia e a comunidade, o que ajuda a construir confiança e a identificar soluções em conjunto.
- Fomento ao debate público: incentivar debates públicos sobre políticas de segurança, assegurando a participação da sociedade civil na formulação de estratégias e buscando consensos para uma abordagem eficaz.
Essas medidas, quando implementadas de maneira integrada e ajustada às especificidades locais, podem colaborar significativamente para a redução da criminalidade e da violência, providenciando um ambiente mais seguro e equitativo na cidade.
Dê o play!
Assimile
Referências
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 5 ago. 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em: 16 fev. 2024.
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