Organização Morfofuncional do Sistema Nervoso
Aula 1
Apresentação do Sistema Nervoso
Apresentação do sistema nervoso
Olá, estudante!
Nesta videoaula você verá os aspectos anatômicos e fisiológicos relacionados ao sistema nervoso.
Esse conteúdo é importante, pois a partir dele você compreenderá o processo de aprendizagem motora e os aspectos da psicomotricidade, o que facilitará o seu aprendizado.
Está pronto para embarcar nessa incrível jornada de estudos? Vamos lá, juntos alcançaremos novos patamares!
Ponto de Partida
Estudante, boas-vindas à disciplina de Aprendizagem Motora e Psicomotricidade.
A aprendizagem motora aborda os aspectos relacionados às mudanças no comportamento motor que acontecem devido à prática ou à experiência. Ela está relacionada a como aprendemos a controlar nossos movimentos por meio da prática. Já a psicomotricidade é o estudo do movimento com um olhar para o intelecto, o que engloba funções neurofisiológicas e psíquicas. Dessa maneira, o controle dos nossos movimentos e essa ligação com o pensamento dependem do nosso sistema nervoso e do nosso sistema musculoesquelético. Diante disso, nessa primeira aula faremos uma apresentação do sistema nervoso, apontando suas características, componentes e funções. Esse conteúdo irá te ajudar a compreender os aspectos que envolvem a aprendizagem de movimentos e a psicomotricidade.
Para facilitar o entendimento, vamos trazer uma situação que vai te levar a elaborar uma solução por meio do conteúdo desta aula. Mariana vai começar a ensinar habilidades esportivas para crianças e adolescentes. Para traçar uma melhor estratégia de ensino-aprendizagem, ela decide compreender a fundo como acontece a aprendizagem de novos movimentos. Ao iniciar seus estudos, Mariana percebe que precisa aprender mais sobre o sistema nervoso e, diante de suas leituras, algumas dúvidas começam a surgir. Quais são as estruturas que compreendem o sistema nervoso? Como elas estão relacionadas com o movimento humano? Qual o funcionamento das células nervosas? Essas dúvidas de Mariana fazem sentido para você? Você saberia respondê-las?
Caso essas respostas ainda não estejam na ponta da sua língua, nessa aula você terá oportunidade de retomar os aspectos anatômicos e fisiológicos do sistema nervoso e pensar em sua aplicação na aprendizagem motora e psicomotricidade, aumentando seu conhecimento e preparando-o para a sua atuação profissional.
Vamos Começar!
Nossos movimentos aprendidos ao longo da vida, sejam os mais básicos, como andar, correr e saltar, até os mais complexos, como os movimentos esportivos, são resultados da interação dos nossos sistemas, principalmente o sistema nervoso e o muscular. Dessa maneira, para nos aprofundarmos no mundo da aprendizagem motora e compreendermos a psicomotricidade, é importante conhecermos a fundo estes sistemas. Vamos começar então com o sistema nervoso.
O sistema nervoso
O sistema nervoso tem como função coordenar e integrar as células do nosso organismo. Assim, ele é capaz de captar diversos estímulos do ambiente e do próprio corpo, transmiti-lo para diferentes partes do corpo, elaborar respostas e agir sobre o sistema muscular, por meio do movimento (Santos, 2014).
Podemos pensar que o sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central, sistema nervoso periférico e sistema nervoso autônomo. O sistema nervoso central (SNC) é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. Já o sistema nervoso periférico é composto pelos gânglios, plexos nervosos e nervos cranianos que emergem do encéfalo e pelos nervos espinhais que emergem da medula espinhal. Na Figura 1, você poderá ver a composição de cada um dos sistemas. Em vermelho, o sistema nervoso central (SNC) e, em azul, o sistema nervoso periférico (SNP) (Mourão Júnior, 2021; Silverthorn, 2017). Como o sistema nervoso autônomo é responsável pelas atividades automáticas do nosso corpo, como a respiração, batimentos cardíacos e pressão arterial, não iremos abordá-lo neste livro.
Agora vamos nos aprofundar em cada um desses sistemas.
Sistema nervoso central
Como você já viu, o sistema nervoso central é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal. O encéfalo é dividido entre cérebro, cerebelo e tronco encefálico (Figura 2). O tronco encefálico, por sua vez, é dividido em: mesencéfalo, ponte e bulbo. Todas as estruturas do sistema nervoso central (encéfalo e medula espinhal) estão envolvidas por meninges e banhadas pelo líquido cerebroespinhal.
O cérebro é dividido em dois hemisférios (direito e esquerdo), interconectados pelo corpo caloso. Os hemisférios possuem funcionalidades diferentes no que diz respeito a linguagem, orientação espacial, destreza motora, dentre outras. No entanto, ambos os hemisférios são divididos em lobos: o lobo frontal, o lobo parietal, o lobo temporal e o lobo occipital. O cérebro constitui a maior parte do encéfalo e é responsável pelos comportamentos do sistema nervoso, exceto os movimentos reflexos que veremos mais adiante (Mourão Júnior, 2021).
O tronco encefálico, composto pelo mesencéfalo, ponte e bulbo (Figura 3), é responsável pela regulação neural no meio interno, ou seja, regula nossos sinais vitais de respiração e circulação sanguínea de forma autônoma por meio de sensores localizados nas artérias. Dessa maneira, a regulação da nossa pressão arterial, frequência cardíaca, oxigênio e gás carbônico acontece de forma automática, sem a necessidade de comandos do cérebro. O mesencéfalo é uma região pequena situada entre o cérebro e a ponte, e é responsável pelos movimentos dos olhos, além de transmitir sinais para os reflexos auditivos e visuais. A ponte se situa entre o mesencéfalo e o bulbo, funcionando como uma estação retransmissora de informação entre o cerebelo e o cérebro; ela também coordena a respiração juntamente com o bulbo. O bulbo, ou medula oblonga, é a transição entre o encéfalo e a medula e tem como função controlar funções involuntárias, como pressão arterial, vômito, deglutição e respiração (Mourão Júnior, 2021; Silverthorn, 2017).
Já o cerebelo tem a função de modulação e regulação dos componentes do movimento, sendo responsável pela correção do equilíbrio, postura corporal, controle do tônus muscular e dos movimentos voluntários e pela aprendizagem motora. O cerebelo está situado na base do crânio, logo acima da nuca (Mourão Júnior, 2021; Silverthorn, 2017).
A medula espinhal está localizada na parte interna da coluna vertebral e é dividida em quatro regiões: cervical, torácica, lombar e sacral. Ela funciona como uma via principal que leva informação do encéfalo para a pele em ambos os sentidos. Por conter redes neurais, a medula também é responsável pela locomoção, e, quando ocorre uma lesão, pode haver perda de movimentos a partir da região lesionada. Além disso, a medula funciona como um centro integrador dos reflexos espinhais simples, em que a informação chega até a medula e retorna rapidamente ao músculo, fornecendo uma resposta reflexa e rápida, sem a necessidade de a informação passar pelo encéfalo (Silverthorn, 2017).
Tanto o encéfalo quanto a medula espinhal possuem nervos que conectam o sistema nervoso a pontos mais distantes do corpo. Por estarem localizados na periferia do corpo, estes nervos fazem parte do sistema nervoso periférico. Falaremos mais sobre este sistema a seguir.
Sistema nervoso periférico
O sistema nervoso periférico é formado pelos gânglios e pelos nervos. Os gânglios são agrupamentos de corpos celulares de neurônios localizados fora do SNC. Já os nervos são responsáveis por levar informações para o sistema nervoso ou para os músculos e glândulas. Por exemplo: vamos imaginar que você deseja pegar um copo de água para levar até a sua boca e tomar. Uma informação é enviada ao cérebro pelos nervos (o que chamamos via aferente), o cérebro processa essa informação e envia os comandos aos músculos pelos nervos para que essa ação aconteça (o que chamamos de via eferente) (Mourão Júnior, 2021; Fox, 2007).
Assim, quando os nervos são provenientes do encéfalo, são chamados de nervos cranianos e, quando são provenientes da medula espinhal, são chamados de nervos espinhais. Existem 12 pares de nervos cranianos, compostos em sua maioria por fibras sensitivas e motoras, sendo considerados mistos. Isso quer dizer que estes nervos levam informações do SNC e trazem para o SNC também. Já os nervos espinhais compreendem 31 pares agrupados ao longo da coluna vertebral, e cada nervo é composto por fibras sensitivas e motoras, sendo também considerados mistos (Fox, 2007).
Agora que você já conhece as estruturas e funções do sistema nervoso, é preciso conhecer as células que formam esse sistema. Basicamente, o sistema nervoso é formado por dois tipos de células; são elas: os neurônios e as células de sustentação, que também são chamadas de células da glia ou neuroglia.
Siga em Frente...
Neurônios
O sistema nervoso possui uma rede de bilhões ou trilhões de células nervosas conectadas umas às outras de maneira muito organizada, formando um sistema rápido de controle do corpo. Essas células nervosas são chamadas de neurônios. Esses neurônios são capazes de conduzir rapidamente impulsos elétricos entre si, liberando neurotransmissores que geram a comunicação entre as células vizinhas. A estrutura celular do neurônio é única, formada pelo axônio (que conduz informação de saída), dendritos (que recebem sinais de entrada) e o corpo celular (em que o núcleo se encontra) (Figura 4). Dessa maneira, um neurônio está conectado a outro, passando as informações para que as ações aconteçam. Assim, o neurônio recebe a informação pelos dendritos e passa para outro neurônio por meio do axônio (Silverthorn, 2017).
Existem diferentes tipos de configurações de neurônios com relação ao posicionamento dos axônios, dendritos e corpo celulares, como demonstrado na Figura 5.
Os neurônios podem ser classificados como: neurônios sensoriais (aferentes), neurônios motores (eferentes) e interneurônios (Silverthorn, 2017). As funções de cada tipo de neurônio são apresentadas na Tabela 1.
Tipo de neurônio | Função |
Sensitivo ou aferente | Conduzem informações sobre luz, pressão, temperatura e outros estímulos dos receptores sensoriais para o SNC. |
Motor ou eferente | Conduzem informações do SNC para o músculo ou glândulas. |
Interneurônio | Localizados apenas dentro do SNC. Sua forma permite a comunicação com muitos neurônios. |
Tabela 1 | Tipos de neurônios e suas funções
Células de sustentação
As células da glia ou células de sustentação têm a função de dar suporte aos neurônios. Elas não participam diretamente da transmissão de sinais elétricos, no entanto, sua comunicação com os neurônios permite um importante suporte físico e bioquímico a eles (Silverthorn, 2017). Existem seis categorias de células de sustentação, que são: células de Schwann, células satélites, oligodendrócitos, micróglias, astrócitos e células ependimais. Dentre essas, duas merecem destaque: as células de Schwann e os oligodendrócitos. Essas duas células participam da formação da bainha de mielina nos nervos periféricos e nos neurônios do SNC, respectivamente. A bainha de mielina (Figura 4) é uma substância localizada no axônio do neurônio, composta por várias camadas concêntricas de fosfolipídeos de membrana que têm como funções fornecer suporte aos neurônios, atuar como isolante em torno dos axônios e acelerar a transmissão dos sinais nervosos (Fox, 2007; Silverthorn, 2017).
As bainhas de mielina contribuem para a coloração das áreas do SNC. Dessa maneira, as áreas que apresentam maior concentração de axônio são brancas (chamada de substância branca), devido à presença das bainhas de mielina. Já as áreas com altas concentrações de dendritos e corpos celulares, que não possuem bainha de mielina, são cinzentas (chamadas de substância cinzenta) (Fox, 2007).
Curiosidade Você já ouviu falar de uma doença chamada esclerose múltipla? A esclerose múltipla é uma doença degenerativa crônica que destrói progressivamente a bainha de mielina, afetando o funcionamento do SNC. Essa destruição das bainhas de mielina impede a condução normal dos sinais nervosos, acarretando uma perda progressiva das funções. Sua causa não é totalmente conhecida, mas acredita-se que haja uma predisposição genética combinada a um ataque imune contra os oligodendrócitos e a mielina. |
Vamos Exercitar?
Voltamos a nossa situação do início da aula. Assim como acontecerá com você em breve, Mariana irá iniciar sua atuação profissional na área da Educação Física. No caso de Mariana, ela irá ensinar habilidades esportivas para crianças e adolescentes. Ao buscar mais conhecimento sobre aprendizagem motora e psicomotricidade, Mariana percebe que precisa estudar mais a fundo os sistemas envolvidos no movimento humano. No início de seus estudos surgem os seguintes questionamentos: quais são as estruturas que compreendem o sistema nervoso? Como elas estão relacionadas com o movimento humano? Qual o funcionamento das células nervosas?
O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central, que compreende o encéfalo e a medula espinhal, e o sistema nervoso periférico, que compreende os nervos. O encéfalo compreende o cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Além disso, o sistema nervoso conta com um conjunto de células nervosas conectadas entre si denominadas neurônios. Esses neurônios enviam sinais nervosos que podem iniciar na pele, por exemplo, chegar até o encéfalo e depois voltar para o músculo em forma de movimento. Dessa maneira, para que haja o movimento, o cérebro envia sinais para o músculo por meio dos neurônios para que ocorra a contração muscular.
Saiba Mais
Para aprofundar mais seu conhecimento sobre as estruturas do sistema nervoso e sua localização, sugerimos a leitura dos Capítulos 7 e 8 do livro encontrado na sua biblioteca digital:
TANK, P. W; GEST, T. R. Atlas de anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Já no Capítulo 5 do livro de Lauralee Sherwood, você poderá se aprofundar no funcionamento do sistema nervoso e suas propriedades. Disponível na sua biblioteca digital em:
SHERWOOD, L. Fisiologia Humana: das células aos sistemas. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
O artigo de Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues traz contribuições do sistema nervoso central no processo de aprendizagem. Esse texto pode te ajudar a compreender mais a fundo a importância do sistema nervoso para o processo de aprendizagem. Disponível em:
RODRIGUES, M. A. C. Contribuições do sistema nervoso central no processo de aprendizagem. Cognitionis Scientific Journal, v. 5, n. 2, semestre 2, 2022.
Referências Bibliográficas
FOX, S. I. Fisiologia humana. Barueri, SP: Manole, 2007.
MOURÃO JÚNIOR, C. A. Fisiologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
RODRIGUES, M. A. C. Contribuições do sistema nervoso central no processo de aprendizagem. Cognitionis Scientific Journal, v. 5, n. 2, semestre 2, 2022. Disponível em: https://revista.cognitioniss.org/index.php/cogn/article/view/134. Acesso em: 26 mar. 2024.
SANTOS, N. C. M. Anatomia e fisiologia humana. São Paulo: Érica, 2014.
SHERWOOD, L. Fisiologia Humana: das células aos sistemas. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: Uma abordagem integrada. Porto Alegre: Artmed, 2017.
TANK, P. W; GEST, T. R. Atlas de anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Aula 2
Sistema Nervoso no Movimento Humano
Sistema nervoso no movimento humano
Olá, estudante!
O que acontece em nosso sistema nervoso quando captamos um estímulo e precisamos devolver com uma resposta motora, ou seja, um movimento?
Nesta videoaula você irá compreender qual o caminho que um estímulo percorre quando é captado por um nervo periférico e transformado em um movimento.
Esse conteúdo é importante pois permitirá que você compreenda como o seu aluno responde a uma ação a partir de um comando seu ou de uma atividade que você propõe em aula, e como isso ajudará no seu processo de aprendizagem.
Preparado para essa emocionante aventura de conhecimento? Vamos lá, tem muito conhecimento esperando por você!
Ponto de Partida
Estudante, na aula anterior, você aprendeu sobre os aspectos morfofuncionais do sistema nervoso, em que você viu sobre a divisão do sistema nervoso em central e periférico, suas estruturas e funções.
Mencionamos que o sistema nervoso é responsável por captar as informações do ambiente ou do próprio corpo, levá-las ao cérebro, onde é processada e elaborada uma resposta a essa informação. Já sabendo disso, vamos precisar compreender agora como funciona esse caminho dos nervos periféricos (que captam a informação do ambiente ou do próprio corpo) até o sistema nervoso central (que processa e elabora uma resposta) e do sistema central até os nervos periféricos.
Para isso, vamos dar continuidade à situação de Mariana, que vai começar a ensinar habilidades esportivas para crianças e adolescentes e decidiu se aprofundar mais nos estudos sobre o sistema nervoso e como ele está envolvido com a aprendizagem motora. Já entendendo sobre as estruturas que compreendem o sistema nervoso, suas funções e características, Mariana começou a ter dúvidas sobre como essas informações chegam até o sistema nervoso central e como elas retornam. São inervações específicas? Todos os movimentos passam pelo processamento no cérebro? E como ocorre a interação do sistema nervoso com o músculo ao realizar um movimento como resposta a um estímulo?
Nesta aula vamos aprofundar ainda mais o funcionamento do sistema nervoso na produção do movimento. Toda essa informação irá te ajudar a compreender os aspectos do sistema nervoso e muscular que envolvem a aprendizagem e o controle de movimentos.
Vamos Começar!
Ao observar uma bola vindo em nossa direção, recebemos diversos estímulos, o que podemos chamar de informações. Assim, recebemos informações sobre a distância que a bola está de nós, do seu tamanho, da sua velocidade, de onde ela está vindo, dentre outros estímulos, a depender do contexto. Além disso, recebemos informações do nosso próprio corpo, do posicionamento dele como um todo, de seus segmentos, sentimentos (como medo ou motivação) e assim por diante.
Essas informações são recebidas pelo nosso sistema nervoso periférico (SNP), ou seja, pelos nervos dos órgãos que estão captando essas informações. Esses nervos possuem milhares de neurônios conectados entre si, formando uma rede neural. Isso possibilita que essas informações passem de neurônio em neurônio até chegar ao sistema nervoso central. Quando essa informação chega ao cérebro, é onde tomamos consciência do que está acontecendo. Dessa maneira, essas informações que chegam ao cérebro são processadas, e uma resposta é selecionada. Assim, os nervos carregam essa informação de resposta de neurônio em neurônio até que chegue aos músculos, para que sejam contraídos e realizem a ação desejada.
Podemos perceber que existem duas vias aqui: a via que capta o estímulo e leva até o sistema nervoso central e a via que leva a resposta até os músculos. Com isso, chamamos essa via que capta o estímulo e leva até o sistema nervoso central (SNC) de via aferente ou sensitiva. Já a via que leva a resposta do SNC ao órgão efetor (por exemplo, o músculo) é chamada de via eferente ou motora.
Ainda, algumas vezes acontecem movimentos em que os estímulos não chegam ao nosso nível de consciência; reagimos, literalmente, sem pensar. Você já deve ter feito aquela brincadeira de bater em um local do joelho e a sua perna estender sozinha. Talvez você tenha ido ao médico e ele fez esse mesmo teste com você. Neste caso, você não teve o desejo de estender a sua perna, ela simplesmente se estendeu sozinha. O que acontece, nesse caso, é um movimento reflexo, que nós veremos nesta aula também.
Via aferente ou sensitiva
Como abordado anteriormente, a via aferente ou sensitiva é a via que leva a informação do ambiente e/ou sobre as condições internas do nosso corpo ao sistema nervoso central (SNC) (Figura 1).
As células que trabalham para que esse processo aconteça são os neurônios aferentes ou sensitivos. Os neurônios aferentes se diferem dos outros dois tipos de neurônios (eferentes e interneurônios) pois as suas terminações periféricas possuem um receptor sensorial que transmite informações a partir de um estímulo específico. Os neurônios aferentes estão situados, principalmente, no SNP, sendo que somente uma pequena parte de suas terminações dos axônios centrais estão projetadas para dentro da medula espinhal para transmitir os sinais do SNP para o SNC (Sherwood, 2010; Fox, 2007).
No entanto, nem sempre a informação do ambiente ou do nosso próprio corpo chega ao nosso nível de consciência, ou seja, chega ao nosso cérebro. Algumas informações chegam somente até a medula espinhal e já retornam com uma resposta rápida e involuntária. Essa resposta rápida e involuntária é chamada de reflexo. O reflexo é uma resposta que acontece sem que desejemos, sem que tomemos consciência, por isso chamamos de movimento involuntário.
Sabe quando encostamos a mão sem querer no ferro quente e imediatamente a retiramos? A retirada da nossa mão acontece por um movimento reflexo, ou seja, não tomamos consciência antes de retirá-la. Isso acontece para nossa proteção, pois, por mais que essa transmissão de informação que chega na pele e vai até o cérebro seja rápida, a resposta reflexa é mais rápida ainda, o que evita danos maiores de queimadura. Esse processo que envolve receber a informação pelos nervos da pele (SNP) e enviá-la até a medula para que uma resposta involuntária e imediata aconteça é chamado de arco reflexo.
Para compreender melhor, observe a Figura 2: uma pessoa encostou no ferro quente sem querer; assim, essa informação foi transmitida via neurônios aferentes (via aferente ou sensitiva) para a medula espinhal, a qual enviou uma resposta imediata via neurônios eferentes (via eferente ou motora) para que o músculo contraísse para a retirada da parte que encostou no ferro.
Assim, a via aferente pode levar informação tanto para o cérebro, quando chega ao nível de consciência para a tomada de decisão da resposta a ser dada, quanto para a medula espinhal, como um movimento reflexo, ou seja, involuntário e rápido.
Vias eferentes
A via eferente ou motora é aquela que transmite a informação do SNC e envia para um órgão efetor, por exemplo, músculos e glândulas.
As células presentes nessa via são os neurônios eferentes ou motores. Os neurônios motores podem ser somáticos ou autônomos. Os neurônios motores somáticos são aqueles responsáveis pelo controle do músculo esquelético e do movimento reflexo. Já os neurônios motores autônomos controlam os músculos lisos, cardíaco e glândulas. Por serem responsáveis pelos movimentos involuntários do nosso corpo (batimento cardíaco, digestão, funções do intestino), os neurônios motores autônomos não serão abordados nesta disciplina.
Vimos até aqui que os neurônios se conectam entre si, transmitindo informações. Essa conexão entre os neurônios é chamada de sinapse. Mas então vem a pergunta: como essa informação é passada para o músculo para que ele se contraia para realizar a ação?
Um neurônio específico, o qual chamamos de neurônio motor (ou motoneurônio), se conecta a várias fibras musculares, formando o que chamamos de unidade motora. Essa conexão entre neurônio motor e fibras musculares é feita por sinapses também, e recebe o nome de junção neuromuscular. Nessa junção, as terminações nervosas do axônio se encaixam na fibra muscular, então, essa membrana da fibra muscular passa a se chamar placa motora (Figura 4).
Siga em Frente...
Integração do sistema nervoso e sistema muscular no movimento
Para compreendermos sobre a integração entre sistema nervoso e sistema muscular, o que chamamos de sistema neuromuscular, precisamos primeiro entender sobre o músculo.
O corpo humano é formado por três tipos de tecidos musculares, que são: o músculo esquelético, o músculo liso e o músculo cardíaco. O músculo cardíaco é encontrado no coração e o músculo liso é encontrado nos órgãos e estruturas tubulares internas, como a bexiga, estômago e vasos sanguíneos. O músculo que nos interessa aqui é o músculo esquelético, o qual permite a realização dos movimentos corporais.
Os músculos esqueléticos são formados por células longas e cilíndricas conhecidas como fibras musculares, que estão organizadas em paralelo. Várias fibras musculares são envolvidas por um tecido conjuntivo e, juntos, formam os fascículos. Entre os fascículos, encontramos fibras colágenas e elástica, nervos e vasos sanguíneos. O conjunto de fascículos também envolvido por tecido conectivo forma o músculo, que se conecta aos tendões e ossos por meio desse mesmo tecido (Figura 5) (Fox, 2017).
Dessa maneira, quando existe a necessidade de uma resposta motora, o SNC envia o sinal elétrico (potencial de ação), que percorre os neurônios até chegar a um neurônio motor conectado às fibras musculares. Assim, as placas motoras são acionadas e o estímulo será produzido em cada uma das fibras musculares que estão inervadas por esse neurônio motor. Quando o sinal elétrico chega até a placa motora, ele induz a liberação do neurotransmissor acetilcolina (ACh), que propaga o estímulo elétrico por toda a fibra muscular. Esse sinal elétrico estimula a liberação de íons de cálcio, que induzem a interação entre os filamentos de actina e miosina, que realizam a contração muscular e, consequentemente, a força (Fox, 2017).
De uma forma resumida, recebemos a informação do ambiente ou do nosso corpo e enviamos para o SNC por meio dos neurônios aferentes, caracterizando a via aferente. Assim, essa informação é processada e sinais elétricos (potenciais de ação) são enviados, via neurônios eferentes (via eferente). Para que essa ação ocorra, neurônios motores conectados a fibras musculares pela junção neuromuscular conduzem esse potencial de ação às fibras fazendo com que ocorra a liberação do neurotransmissor ACh e se realize a contração.
Vamos Exercitar?
Relembrando a situação colocada no início da aula. Mariana está estudando para adquirir conhecimento para ajudar nas suas aulas, em que ela ensinará habilidades esportivas para crianças e adolescentes. Ela já adquiriu o conhecimento sobre as estruturas e o funcionamento do sistema nervoso. Agora, suas dúvidas são outras. Ela quer saber como as informações chegam até o sistema nervoso central e como elas retornam. São inervações específicas? Todos os movimentos passam pelo processamento no cérebro? E como ocorre a interação do sistema nervoso com o músculo ao realizar um movimento como resposta a um estímulo?
Recebemos a informação do ambiente ou do nosso corpo e enviamos para o SNC por meio de inervações específicas denominadas neurônios aferentes. Assim, essa informação é processada no SNC, e sinais elétricos (potenciais de ação) são enviados via neurônios eferentes para que uma ação seja realizada. Para que essa ação ocorra, os neurônios motores estão conectados às fibras musculares pela junção neuromuscular e conduzem esse potencial de ação às fibras fazendo com que ocorra a liberação do neurotransmissor ACh e se realize a contração do músculo que irá executar a ação desejada.
Quando o movimento é voluntário, a informação recebida vai até o cérebro, onde é processada e uma resposta é selecionada, ou seja, tomamos consciência desse estímulo e decidimos o que fazer. No entanto, às vezes, a informação recebida não vai até o cérebro, chegando até a medula espinhal, e a resposta é elaborada e enviada sem que tenhamos consciência. Esse tipo de movimento é conhecido como reflexo, e esse trajeto dos nervos periféricos aferentes até a medula espinhal e da medula espinhal até o músculo é denominado arco reflexo.
Saiba Mais
Para se aprofundar mais no funcionamento do arco reflexo e da contração muscular, leia o Capítulo 19 do livro Fisiologia do exercício, disponível na biblioteca digital.
MCARDLE, W. et al. Fisiologia do exercício: nutrição, energia e desempenho humano. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.
O Capítulo 5 do livro Fisiologia Básica, sobre contração muscular, poderá te ajudar a compreender o processo de contração muscular. A leitura poderá ser feita da página 113 até a página 120.
SILVA, F. T.; BONJARDIM, L. R. Contração muscular. In: QUINTANS JÚNIOR, L. J. et al. Fisiologia básica. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009.
Referências Bibliográficas
FOX, S. I. Fisiologia humana. Barueri, SP: Manole, 2007.
MOURÃO JÚNIOR, C. A. Fisiologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
SANTOS, N. C. M. Anatomia e fisiologia humana. São Paulo: Érica, 2014
SILVA, F. T.; BONJARDIM, L. R. Contração muscular. In: QUINTANS JÚNIOR, L. J. et al. Fisiologia básica. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009. p. 111-124.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. Porto Alegre: Artmed, 2017.
Aula 3
Funcionamento do Sistema Nervoso Durante a Aprendizagem
Funcionamento do sistema nervoso durante a aprendizagem
Olá, estudante!
Nesta videoaula você verá como os aspectos cognitivos afetam o movimento humano, ou seja, como o estímulo recebido é interpretado no cérebro. Além disso, você entenderá como funcionam as áreas encefálicas responsáveis pelas nossas emoções. Por fim, você verá as diferenças entre os movimentos voluntários, automáticos e reflexos.
Com esse conteúdo você será capaz de compreender o papel do processamento cognitivo e das emoções na aprendizagem motora e, ainda, como pensar no processo de aprendizagem motora a partir dos diferentes tipos de movimentos.
E aí, vamos iniciar mais uma jornada de conhecimento?
Ponto de Partida
Estudante, você já se perguntou como um estímulo percebido por você é interpretado? Quem faz essa “tradução” para que chegue ao seu entendimento o que está acontecendo a sua volta para que você seja capaz de responder com um movimento? Em outras palavras, como identifico que um objeto vindo em minha direção é uma bola? Como calculo a distância e a velocidade em que essa bola está vindo?
Para explicar todo esse funcionamento, vamos relembrar a situação de Mariana. Mariana vai ensinar habilidades esportivas para crianças e adolescentes e está se aprofundando nos estudos sobre o sistema nervoso e como ele está envolvido com a aprendizagem motora. Já conhecendo as estruturas que compreendem o sistema nervoso, suas funções, características e como as vias aferentes e eferentes funcionam, Mariana quer saber agora qual sistema processa essas informações para que a resposta seja dada. Além disso, qual o órgão responsável pelas emoções e se elas podem influenciar no processo de aprendizagem. Uma outra dúvida de Mariana seria, a partir dessas informações percebidas, quais movimentos é possível realizar.
Nessa aula vamos nos aprofundar nas questões cognitivas e emocionais do ser humano no seu processo de produção de movimentos, pensando nos aspectos da aprendizagem e da psicomotricidade. Com esse conteúdo você será capaz de compreender a função da cognição na aprendizagem, como as emoções são controladas e as diferenças entre os tipos de movimentos.
Vamos Começar!
Os estímulos que recebemos do ambiente ou do próprio corpo são percebidos pelo nosso sistema nervoso e interpretados pelo nosso cérebro. O processo de interpretação e elaboração de uma resposta é chamado de processo cognitivo. Além disso, algumas estruturas do cérebro e tronco encefálico são capazes de adicionar a essas informações sentimentos e emoções. Tudo isso irá influenciar como responderemos a esse estímulo por meio da ação motora.
Processos cognitivos superiores e aprendizagem motora
As informações recebidas do ambiente são ativadas pelos nossos órgãos dos sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), que nos causam sensações. Essas sensações, quando interpretadas, tornam-se percepções. A partir daí, ocorrem as primeiras interações do sistema nervoso central com essas informações percebidas que chegam, sendo elas organizadas por um terceiro processo denominado cognição.
A cognição engloba a aprendizagem, a memória, a percepção, a linguagem, a capacidade de compreensão, o pensamento e o raciocínio, tendo como finalidade organizar como pensamos e construímos nossos pensamentos.
A aprendizagem motora tem relação direta com os processos cognitivos, pois o movimento aprendido é resultado da interação do sistema nervoso (organização das informações, percepção e elaboração da resposta) com o sistema muscular (que vai realizar a ação).
Tente lembrar a última vez que aprendeu um movimento novo. Possivelmente, esse movimento saiu bem descoordenado, feio e impreciso. Caso você tenha continuado praticando esse mesmo movimento, provavelmente você teve uma melhora na sua execução. Isso acontece porque você tem em mente (cognição) um movimento ideal que quer realizar e, a cada prática, você envia comandos aos músculos para que esse movimento seja realizado cada vez mais próximo do desejado. Assim, cada tentativa de prática lhe permite comparar o que você fez com o ideal e corrigir para a próxima tentativa. Podemos dizer que, com a prática, você vai estabelecendo conexões nervosas (sinapses) mais fortes e frequentes, e o mesmo acontece com a junção neuromuscular. Assim, o movimento humano voluntário está ligado ao pensamento, ou seja, ao desejo de realizar o movimento e como se organiza essa resposta. Enquanto os processos cognitivos preparam, planejam e elaboram as ações, o sistema motor executa essas ações.
No início da aprendizagem de movimentos, ocorre mais a utilização dos processos cognitivos, em que é necessário pensar mais no movimento, administrar as informações do professor ou técnico e compreender a ação a ser executada. Conforme o movimento vai sendo aprendido, os processos cognitivos vão diminuindo e o movimento vai se tornando cada vez mais automático, até que o realizamos sem que precisemos pensar em sua execução.
As áreas encefálicas que controlam as emoções
Já vimos que o encéfalo é formado pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Para entendermos sobre o controle das emoções, precisamos explorar ainda mais essa estrutura. Na Figura 1, você pode ver o encéfalo em um corte sagital, ou seja, dividindo-o em um hemisfério, sendo possível visualizar a parte interna. Essas estruturas em conjunto formam um sistema responsável pelas nossas emoções, chamado de sistema límbico. O sistema límbico é formado pelo giro do cíngulo, amígdala, hipocampo, os núcleos da área septal e o hipotálamo, formando um anel em torno do tronco encefálico (Krebs; Weinberg; Akesson, 2013; Fox, 2007). Assim, os nervos sensitivos recebem informações, as quais são interpretadas pelo hipotálamo, giro do cíngulo e hipocampo, e o funcionamento fisiológico das emoções é ativado (Moraes, 2020; Krebs; Weinberg; Akesson, 2013). Sugere-se que o sistema límbico esteja envolvido nas seguintes emoções: agressão, medo, fome, impulso sexual e sistema de recompensa e punição, felicidade, tristeza e desgosto (Fox, 2007; Bear, 2017).
Assim, sabendo que existe uma conexão entre o sistema cognitivo e o motor, como vimos, as emoções controladas pelo SNC também podem influenciar as ações motoras, uma vez que as emoções sentidas afetarão o estado de motivação e ativação no processo de aprendizagem do movimento e no desempenho.
Siga em Frente...
O controle dos movimentos reflexos, automáticos e voluntários
Movimentos reflexos
Os movimentos reflexos são respostas rápidas e pré-programadas do sistema nervoso, desempenhando um papel crucial em nossa capacidade de interação com o ambiente. Podemos dizer que esses movimentos são respostas involuntárias e automáticas do sistema nervoso a estímulos específicos, sem a necessidade de intervenção consciente, ou seja, sem a necessidade de que seja processado no encéfalo.
Características marcantes desses movimentos incluem sua velocidade surpreendente e a aparente simplicidade de execução. Ao sermos submetidos a um estímulo, como um toque quente ou um susto repentino, nosso sistema nervoso desencadeia respostas motoras rápidas que visam proteger o organismo ou ajustar a postura corporal. Essa eficiência é fruto de uma intricada rede de comunicação neural, na qual neurônios sensoriais, interneurônios e neurônios motores colaboram harmoniosamente.
Os movimentos reflexos são comuns em bebês desde o ventre da mãe até um ano de vida. Assim, o bebê reage de maneira involuntária, com movimentos estereotipados, e, conforme vai amadurecendo e interagindo com o ambiente, esses reflexos vão diminuindo e movimentos voluntários se iniciam, até que, com um ano de idade, esses movimentos reflexos desaparecem e outros se iniciam, como o reflexo patelar, por exemplo (Gallahue; Ozmum; Goodway, 2013).
O reflexo patelar é muito testado por neurologistas e pediatras. Para isso, os pacientes se mantêm sentados com as pernas livres e relaxadas e, então, o médico bate levemente com um martelo de ponteira emborrachado no tendão patelar, e a perna se estende naturalmente. Isso acontece porque nesse tendão existem receptores que enviam essa informação do toque até a medula, que retorna com uma resposta imediata e reflexa.
Alguns movimentos reflexos são realizados por intermédio de estruturas presentes no nosso corpo, como, por exemplo, o fuso muscular. O fuso muscular é uma estrutura localizada na região do ventre muscular e que se alonga até a medula espinhal, onde faz conexões com neurônios motores que se ligam ao ventre muscular. Assim, quando um músculo é estirado muito rapidamente, essa informação é enviada para a medula via nervos aferentes, uma informação imediata é conduzida via nervos eferentes e uma resposta involuntária ocorre. Isso acontece como forma de proteger o músculo para que ele não seja estirado em excesso.
Outra estrutura muscular envolvida nos movimentos reflexos é o órgão tendinoso de Golgi (OTG). Ele se localiza na intersecção entre o tendão e o ventre muscular, repleto de fibras aferentes sensitivas, que são ativadas quando há uma pressão ou tração naquele músculo.
Assim, o movimento reflexo ocorre quando uma estrutura é estimulada (por receptores na pele, como é o caso da queimadura, por um estiramento do músculo ou por uma pressão no tendão), esse estímulo é transmitido até a medula espinhal pelas vias aferentes ou sensitivas, e uma resposta estereotipada é produzida rapidamente e enviada ao músculo para que realize a ação pelas vias eferentes ou motoras. Todo esse ciclo é conhecido como arco reflexo. Essas informações sobre o estímulo não chegam ao encéfalo nesse caso, ou seja, não tomamos consciência primeiro para depois elaborarmos uma resposta; essa resposta acontece de forma automática.
Movimentos automáticos
Apesar de os movimentos reflexos serem elaborados de forma automática, eles não entram na classificação de movimentos automáticos. Se você parar para pensar, quando decidimos caminhar, não pensamos a cada passada no que devemos fazer. Simplesmente decidimos que vamos iniciar uma caminhada e os passos saem. O mesmo acontece com o movimento de varrer a casa ou de escovar os dentes. Nós determinamos quando iniciamos e quando paramos, e o que fazemos no meio disso nem sempre é pensado.
Os movimentos automáticos são respostas motoras pré-programadas e, muitas vezes, inconscientes, desencadeadas por estímulos específicos ou pela necessidade de realizar ações rotineiras. Estão enraizados no sistema nervoso, agindo como uma rede sofisticada que permite ao corpo reagir de maneira rápida e eficiente diante de determinadas situações.
Uma característica notável dos movimentos automáticos é sua execução sem a necessidade de um controle consciente. Esses movimentos, como correr e andar, aparentemente simples, são orquestrados por mecanismos automáticos que economizam energia cognitiva e permitem que nos concentremos em tarefas mais complexas.
Outro ponto relevante é a rapidez com que esses movimentos ocorrem. Diante de um estímulo, seja um objeto que se aproxima rapidamente ou uma superfície escorregadia, o corpo responde de maneira instantânea e ajusta seus movimentos para evitar possíveis danos. Essa agilidade é resultado de uma comunicação eficiente entre diferentes partes do sistema nervoso, que operam em harmonia para garantir uma resposta imediata. Assim, os movimentos automáticos possuem um envolvimento cognitivo diminuído, ou seja, são atividades rotineiras para as quais não precisamos despender atenção.
Movimento voluntário
Caracterizados por um controle consciente, os movimentos voluntários representam a fusão harmoniosa entre a mente e o corpo. Cada gesto, desde o mais sutil até o mais dinâmico, é uma expressão direta da intenção individual, marcado pela nossa vontade de realizá-lo.
Ao contrário dos movimentos automáticos e reflexos, os movimentos voluntários requerem a participação ativa do córtex cerebral. Este é o centro de comando onde decisões são tomadas, planos são elaborados, e a execução do movimento é cuidadosamente orquestrada. Essa integração intricada entre o sistema nervoso central e o sistema muscular confere aos movimentos voluntários uma riqueza de detalhes e uma gama diversificada de possibilidades.
A aprendizagem desempenha um papel central nesse domínio. Desde os primeiros passos de uma criança até a eficiência de um atleta, os movimentos voluntários são moldados pelo processo contínuo de prática e refinamento.
A Tabela 1 apresenta as principais diferenças entre os movimentos reflexos, automáticos e voluntários.
| Movimentos reflexos | Movimentos automáticos | Movimentos voluntários |
Origem e desencadeamento | Originam-se de respostas automáticas e pré-programadas do sistema nervoso em resposta a estímulos específicos. Essas respostas são inatas e não requerem envolvimento consciente. | Ocorrem de forma automática, muitas vezes em resposta a estímulos rotineiros. Podem envolver um aprendizado inicial, mas, uma vez automatizados, são executados com intervenção cognitiva mínima. | São iniciados pela vontade consciente do indivíduo. Originam-se no córtex cerebral, envolvendo decisões conscientes e planejamento antes da execução. |
Controle cognitivo | O controle cognitivo é mínimo ou inexistente, já que esses movimentos ocorrem rapidamente e automaticamente em resposta a estímulos específicos. | Podem envolver algum controle cognitivo durante o aprendizado, mas, uma vez automatizados, ocorrem de forma mais inconsciente. | Envolve um alto nível de controle cognitivo. A mente desempenha um papel ativo na tomada de decisões, planejamento e execução dos movimentos. |
Velocidade e complexidade | São extremamente rápidos e envolvem uma cadeia neural direta, geralmente com poucas sinapses. | Têm uma velocidade variável, dependendo da prática e automatização. Podem envolver padrões motores mais complexos do que os reflexos. | A velocidade e complexidade são altamente variáveis, dependendo da natureza da ação e do nível de habilidade do indivíduo. Podem ser executados em uma ampla gama de velocidades e podem envolver sequências motoras complexas. |
Adaptação e aprendizado | São inatos e não passíveis de aprendizado ou adaptação significativa. | Podem ser aprimorados e automatizados por meio de prática, mas geralmente têm uma base pré-existente. | São suscetíveis a aprendizado contínuo, refinamento e adaptação ao longo do tempo. |
Expressividade e individualidade | Geralmente têm uma natureza mais funcional e menos expressiva, sendo menos suscetíveis à individualidade. | Têm potencial para expressar a individualidade, estilo pessoal e até mesmo emoções, tornando-se manifestações únicas da personalidade e experiência do indivíduo. |
Tabela 1 | Diferenças e características dos movimentos reflexos, automáticos e voluntários
Assim, podemos dizer que os movimentos reflexos acontecem a partir de um estímulo específico, que vai gerar uma ação rápida e involuntária específica, a qual é mediada pelo arco reflexo (o que chamamos de movimento estereotipado). Já o movimento automático é uma ação aprendida em que não há necessidade de utilização dos processos cognitivos; fazemos o movimento sem pensar. Por fim, o movimento voluntário é formado por ações elaboradas pelos nossos centros superiores (encéfalo) e tem uma alta demanda cognitiva.
Vamos Exercitar?
Voltemos à situação da nossa personagem Mariana colocada no início dessa aula. Mariana terá a incrível tarefa de ensinar habilidades esportivas para crianças e adolescentes, e resolveu se aprofundar mais nos estudos sobre o sistema nervoso e como ele está envolvido com a aprendizagem motora. Já conhecendo as estruturas que compreendem o sistema nervoso, suas funções, características e como as vias aferentes e eferentes funcionam, Mariana quer saber agora qual sistema processa essas informações para que a resposta seja dada. Além disso, qual o órgão responsável pelas emoções e se elas podem influenciar no processo de aprendizagem. Uma outra dúvida de Mariana seria, a partir dessas informações percebidas, quais movimentos é possível realizar.
Um estímulo é percebido no nosso sistema nervoso central, mais precisamente nas estruturas do encéfalo, em um processo que chamamos de cognitivo. Esses processos cognitivos permitem que a nossa mente interprete esse estímulo e elabore uma resposta a ele. Já as nossas emoções são interpretadas no sistema límbico, o qual contempla algumas estruturas do cérebro e do tronco encefálico reagindo às percepções que chegam. As nossas emoções influenciam nossa aprendizagem, pois podem aumentar ou diminuir o nível de ansiedade ou ativação no momento de prática (motivação, medo, empolgação, tristeza, por exemplo).
Quando falamos de movimentos, nem sempre uma resposta é elaborada no encéfalo. Em alguns momentos, o movimento acontece de forma reflexa como uma resposta rápida e estereotipada para garantir a nossa proteção (chamado de movimento reflexo). No entanto, outras vezes, praticamos tanto um movimento que o realizamos de forma automática, sem a necessidade de pensarmos e elaborarmos como deve ser feito. Esses movimentos são chamados de automáticos. Já em outras vezes, precisamos que o encéfalo nos diga o que fazer, e realizamos a partir de seus comandos. Esses movimentos são considerados voluntários.
Saiba Mais
Você poderá se aprofundar mais a respeito do sistema límbico no Capítulo 20 do livro: Neurociências: ilustrada, de Claudia Krebs, Joane Weinberg e Elisabeth Akesson, disponível na sua biblioteca digital.
Já na Parte IV do livro Princípios de neurociências, de Eric Kandel e colaboradores, disponível na sua biblioteca digital, você poderá se aprofundar nos processos cognitivos envolvidos no movimento.
Agora, para saber mais sobre os tipos de movimento, acesso o Capítulo 14 do livro Neurociência: desvendando o sistema nervoso, de Mark F. Bear.
Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, M. R.; FORTES, L. de S.; LAGE, G. M. Neurociências do comportamento motor, atividade física e esporte: conceitos e aplicações. Belo Horizonte: Editora Ampla, 2023.
BEAR, M. F. Neurociência: desvendando o sistema nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2017.
FOX, S. I. Fisiologia humana. Barueri, SP: Manole, 2007.
KANDEL, R. et al. Princípios de neurociências. São Paulo: Artmed, 2023.
KREBS, C; WEINBERG, J.; AKESSON, E. Neurociências: ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2013.
MORAIS, E. A. de. Desenvolvimento neuropsicomotor e aprendizagem. 1. ed. São Paulo: Contentus, 2020. E-book.
Aula 4
Alterações no Sistema Nervoso Central
Alterações no sistema nervoso central
Olá, estudante!
Nesta videoaula você vai aprender o que é plasticidade neural e a sua relação com a aprendizagem motora. Além disso, você compreenderá como as experiências já vivenciadas alteram o nosso sistema nervoso e como as pessoas se recuperam de lesões no sistema nervoso central.
Este conteúdo é essencial, pois compreenderá como a plasticidade neural está envolvida nos processos de aprendizagem, nas experiências que passamos na vida e na recuperação de lesões. Você verá que o nosso corpo é capaz de se adaptar a situações novas em contextos de aprendizagem de um novo movimento ou em casos de lesões.
Você está preparado para se aprofundar ainda mais no funcionamento do nosso sistema nervoso?
Ponto de Partida
Estudante, a aprendizagem motora e a psicomotricidade são tão incríveis que conseguem abarcar diversos assuntos e áreas, como, por exemplo: a biologia, a neurociência, a psicologia, a educação física e a biomecânica.
Você já sabe que o nosso sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central e periférico, que ambos trabalham para enviar informações para o encéfalo pelas vias aferentes e enviar comandos para o músculo realizar a ação motora pelas vias eferentes. No encéfalo ocorrem os processamentos cognitivos que irão interpretar essa ação e enviar os comandos necessários. Mas, se os comandos já estão prontos no SNC, como conseguimos aprender coisas novas?
Para respondermos a isso e a mais alguns questionamentos relacionados a esse tema, vamos retornar a nossa situação desta unidade. Mariana vai começar a ensinar habilidades esportivas para crianças e adolescentes. Com isso, ela achou importante se aprofundar mais nesse universo e começou a estudar o sistema que mais está envolvido com a aprendizagem de novas habilidades: o sistema nervoso. Ela já aprendeu como é formado o sistema nervoso, suas estruturas e características. Já compreendeu como a informação chega ao cérebro e como o movimento acontece. Estudou também os processos cognitivos e viu que, no encéfalo, os neurônios realizam sinapses que enviam comandos para a ação seja realizada. Agora, as dúvidas de Mariana são: se já existem comandos (sinapses), como aprendemos coisas novas? Como as nossas experiências alteram o sistema nervoso central? E as pessoas que sofrem de lesões neurais, como se recuperam?
O tema da aula de hoje permitirá a você compreender o que é plasticidade neural e como utilizar essas informações na sua atuação profissional ao ensinar movimentos e habilidades motoras novas para as diferentes populações.
Vamos Começar!
Você já aprendeu que recebemos informações do mundo a nossa volta e as enviamos para o nosso sistema nervoso central, o qual seleciona a informação relevante e envia comandos para que o músculo realize um movimento. Esses comandos estão estruturados nos neurônios, que se conectam entre si e entram em ação quando necessário. Desta forma, quando você quer iniciar uma corrida, você recebe o estímulo, envia para o SNC, que irá selecionar o comando de correr e enviar para os músculos realizarem esta ação. No entanto, você já aprendeu a correr, portanto, o comando de corrida já está armazenado na sua memória e você já tem experiência com isso. Mas, no caso de um movimento que você nunca fez antes, por exemplo uma tacada de golfe, surfar uma onda, um movimento da ginástica ou dirigir uma moto, como você consegue aprender, se não existe um comando para isso? É aí que entra o primeiro assunto da aula de hoje: plasticidade neural.
Plasticidade neural
A palavra plasticidade vem do grego “plassein”, que pode ser traduzido de duas maneiras: capacidade de ganhar forma ou capacidade de dar forma. Segundo Cramer e colaboradores (2011), plasticidade é: “a capacidade do sistema nervoso em responder a um estímulo intrínseco ou extrínseco, reorganizando sua estrutura, conexões e funções”. Assim, podemos dizer que plasticidade neural é a capacidade do sistema nervoso de se modificar, de forma estrutural ou funcional, em resposta a uma experiência ou lesão, sendo considerada um componente chave para o desenvolvimento e o funcionamento normal do sistema nervoso e uma resposta para as mudanças ambientais, doenças e envelhecimento. Além disso, a plasticidade pode ocorrer em diferentes níveis do nosso sistema nervoso, como, por exemplo: plasticidade do tecido nervoso, plasticidade sináptica, plasticidade neuronal e assim por diante (Von Bernhardi; Bernhardi; Eugenín, 2017).
Sendo assim, os neurônios se conectam por meio de redes neurais, e essas redes neurais são plásticas. Isso quer dizer que são capazes de se transformar e podem ficar mais fracas ou mais fortes a depender da frequência de uso (Mourão Júnior, 2021).
A plasticidade neural pode acontecer a partir de demandas fisiológicas, mudanças na atividade neural ou lesão no tecido nervoso. No entanto, a plasticidade acontece também durante o desenvolvimento, na formação de redes e na aquisição de novos comportamentos motores ou na aprendizagem ao longo da vida (Von Bernhardi; Bernhardi; Eugenín, 2017).
O processo de aprendizagem motora está diretamente relacionado à capacidade de plasticidade do sistema nervoso (Kandel et al., 2014). No entanto, essa capacidade de plasticidade neural é diminuída com o processo de envelhecimento, mas não se acaba por completo (Morais, 2020). Isso explica a nossa capacidade de estar sempre aprendendo, independente da nossa idade, mesmo que o aprendizado nem sempre seja tão eficaz quanto quando mais novos, pois a qualidade e quantidade das conexões neurais diminuem com o envelhecimento. Por exemplo, uma pessoa de 50 anos terá mais dificuldade de aprender um movimento complexo do que um adolescente. Isso não significa que essa pessoa de 50 anos não vá aprender, mas, sim, que seu movimento pode não ser tão eficaz e coordenado como o do adolescente.
Siga em Frente...
Experiências e alterações no sistema nervoso central
Percebemos que nos tornamos melhores em algo conforme vamos adquirindo experiências. Para começar esse assunto, vamos definir experiência como o efeito da estimulação extrínseca no desenvolvimento e no comportamento (Horn; Rose; Bateson, 1979). Assim, o aprendizado é resultado das experiências que causam alterações no comportamento que duram por um longo do tempo. Consequentemente, no aprendizado são observadas mudanças neurais que podem ser associadas à aquisição e armazenamento de informações. A partir disso, podemos levantar a seguinte questão: se o sistema nervoso é conectado de uma forma tão precisa, como o comportamento se altera com a aprendizagem?
O psicólogo polonês Jerzy Konorski (1948, apud Kandel et al., 2014) apresentou que a aplicação de um estímulo acarreta mudanças por meio de duas hipóteses: (1) as células reagem ao impulso aferente por meio da excitabilidade, denominadas alterações relacionadas à excitabilidade; (2) as mudanças funcionais aparecem em sistemas de neurônios particulares em virtude de estímulos apropriados ou sua combinação, o que é conhecido como plasticidade.
Assim, podemos dizer que quando uma pessoa se envolve em experiências motoras, como praticar esportes, aprender a tocar um instrumento musical ou aprimorar habilidades motoras finas, ocorrem diversas alterações no SNC. Estas mudanças podem ocorrer em vários níveis, como, por exemplo:
- Adaptações neurais: a prática repetida de uma habilidade motora leva a mudanças nas sinapses entre os neurônios. Isso inclui a otimização das conexões neurais envolvidas na execução da tarefa, resultando em uma transmissão de sinal mais eficiente.
- Reorganização cortical: experiências motoras intensivas podem levar à reorganização da topografia cortical. Áreas específicas do cérebro associadas à execução de determinadas tarefas motoras podem expandir-se ou se modificar para acomodar as demandas específicas da atividade praticada.
- Formação e fortalecimento de circuitos neurais: o aprendizado motor está associado à formação e ao fortalecimento de circuitos neurais específicos. A repetição e a prática constante resultam na criação de caminhos neurais mais eficientes para a execução de movimentos específicos.
- Mudanças na plasticidade sináptica: a plasticidade sináptica, a capacidade das sinapses de se adaptarem e mudarem sua eficácia, é fundamental para o aprendizado motor. A experiência motora induz alterações na plasticidade sináptica, possibilitando a otimização das conexões neurais envolvidas na realização de tarefas motoras específicas.
- Liberação de neurotransmissores: a prática de atividades motoras desencadeia a liberação de neurotransmissores, como a dopamina, que desempenham um papel crucial no reforço positivo e na motivação associada ao aprendizado motor.
Contudo, a todo momento estamos tendo experiências que podem ser motoras, auditivas, visuais, cognitivas ou sentimentais. Assim, algumas experiências ficam na nossa memória, às vezes pela prática ou repetição e outras vezes devido às emoções que nos causam. Quando atingem a memória, significa que nosso sistema nervoso central armazenou essas informações e poderá utilizá-las quando necessário, seja para realizar um movimento parecido, para fazer uma prova ou para acionar lembranças boas ou ruins.
Lesões neurais no sistema nervoso central e sua recuperação
As lesões no sistema nervoso central podem se manifestar de diferentes maneiras e ocorrem como consequência de traumas ou de doenças degenerativas. A lesão pode dificultar ou interromper o fluxo de informações das vias aferentes e eferentes, dificultando a percepção de estímulos, a elaboração e a execução de uma resposta, podendo em alguns casos causar paralisias. Dessa maneira, as lesões podem ocorrer no encéfalo (cérebro e tronco encefálico) e na medula espinhal.
Na medula espinhal, o nível da lesão pode ser determinado pela perda das funções na pele e nos tecidos responsáveis pelo movimento, ou seja, nas funções sensitivas e motoras na área de distribuição dos nervos espinhais. Uma lesão transversal (transecção da medula) resulta em perda imediata e permanente de todas as sensações e do controle motor voluntário abaixo do nível da lesão. Por exemplo, se a lesão for próxima da região da cintura, a perda sensitiva e motora voluntária será logo abaixo da lesão, ou seja, da cintura para baixo. Caso a lesão seja mais acima, na vértebra T2, por exemplo, a perda será a partir de T2, provavelmente atingindo os membros superiores também. Assim, dependendo da região atingida, pode ser causada também paralisia espástica ipsilateral (paralisia do mesmo lado da lesão com aumento do tônus muscular), perda ipsilateral da sensação tátil, vibratória e proprioceptiva, dor ou temperatura (Young, 2018).
No tronco encefálico, o nível de lesão é mais facilmente identificado pelo nervo craniano que está envolvido na lesão. As lesões que envolvem o tronco encefálico podem ser divididas em dois grupos conforme a sua localização. Assim, as lesões localizadas nas regiões mediais envolvem estruturas (trato piramidal) que resultam em uma hemiplegia espástica contralateral, ou seja, uma paralisia do lado contrário à lesão com aumento do tônus muscular. O nível da lesão é determinado pelo envolvimento dos nervos presentes no trato piramidal. Já as lesões localizadas nas regiões laterais do tronco encefálico envolvem estruturas que resultam em déficits motores da face, músculos da mastigação, músculos vocais e palatinos, e perdas sensoriais na face ipsilateral (mesmo lado) ou no corpo contralateral (lado oposto), dor e temperatura. Essas consequências dependem de qual região sofreu a lesão e do nível da lesão, podendo em alguns casos chegar a hemianestesia (perda da sensibilidade de um lado do corpo) (Young, 2018).
As lesões que afetam o hemisfério cerebral manifestam-se no lado contralateral do corpo (contrário à lesão). As lesões nesta região podem levar a hemiplegia espástica contralateral, hemianestesia contralateral e fraqueza muscular na face ou no corpo a depender da região afetada (Young, 2018).
As sequelas das lesões podem ser revertidas totalmente ou parcialmente ou se tornar permanentes, dependendo do nível da lesão e da região afetada. Em casos de traumas, as sequelas dependem do atendimento imediato realizado também. Assim, o tratamento depende das características da lesão (nível, localização, regiões afetadas e assim por diante), que pode ser por meio de cirurgia, fisioterapia e exercício físico. Como as estruturas dos neurônios não regeneram, acredita-se que, no caso da fisioterapia e do exercício físico, a recuperação funcional parcial ou total pós-lesão possa acontecer pela plasticidade neural, denominada plasticidade induzida por lesão. A extensão da plasticidade neural depende muito da idade e dos sistemas neurais envolvidos (Young, 2018).
Assim, podemos dizer que a plasticidade neural está diretamente ligada à nossa aprendizagem e às experiências vividas que causam mudanças no nosso sistema nervoso central, tornando-o capaz de se adaptar a novas situações. Além disso, sugere-se que a recuperação de lesões também esteja associada à plasticidade neural na reorganização do sistema nervoso.
Vamos Exercitar?
Pensando na situação proposta no início da aula, Mariana vai ensinar habilidades motoras para crianças e adolescentes e tem buscado se aprofundar sobre aprendizagem motora e psicomotricidade. Nesse momento de seus estudos, Mariana tem as seguintes dúvidas: se nosso SNC possui comandos para que ações sejam realizadas, como aprendemos coisas novas? Como as nossas experiências alteram o sistema nervoso central? E as pessoas que sofrem de lesões neurais, como se recuperam?
Diversos mecanismos podem explicar como acontece a aprendizagem de novos movimentos, as alterações das experiências no SNC e a recuperação de lesões. Acredita- se que uma delas é a plasticidade neural, ou seja, a capacidade do sistema nervoso de se reorganizar quando um estímulo novo é fornecido. Assim, aprendemos movimentos novos pois nossas estruturas do SNC são capazes de se reorganizar para que um novo comando seja estruturado, para então ser enviado para a ação. As experiências que passamos na vida também são resultados da reorganização do SNC que foi guardado na memória. No caso das lesões, supõe-se que a recuperação funcional da área lesionada aconteça como resultado da plasticidade neural.
Saiba Mais
Para se aprofundar mais sobre os conteúdos desta aula, leia o artigo científico: Os efeitos da prática de habilidades motoras sobre a neuroplasticidade.
Referências Bibliográficas
BORELLA, M. de P.; SACCHELLI, T. Os efeitos da prática de atividades motoras sobre a neuroplasticidade. Revista Neurociências, v. 17, n. 2, p. 161-169, 2009. Disponível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/neurociencias/article/view/8577. Acesso em: 26 mar. 2024.
CRAMER, S. C et al. Harnessing neuroplasticity for clinical applications. Brain, jun. 2011.
KANDEL, E. R. et al. Princípios da neurociência. Porto Alegre: AMGH Editora, 2014.
MORAIS, E. A. de. Desenvolvimento neuropsicomotor e aprendizagem. 1. ed. São Paulo: Contentus, 2020. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 18 jan. 2024.
MOURÃO JÚNIOR, C. A. Fisiologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
VON BERNHARDI, R.; BERNHARDI, L. E.; EUGENÍN, J. What is neural plasticity? In: VON BERNHARDI, R.; EUGENÍN, J.; MULLER, K. J. The plastic Brain. Cham, Switzerland: Springer, 2017.
YOUNG, P. A. Neurociência clínica básica. Barueri: Manole, 2018.
Encerramento da Unidade
Organização Morfofuncional do Sistema Nervoso
Videoaula de Encerramento
Olá, estudante!
Nesta videoaula você irá conhecer as principais estruturas do sistema nervoso, suas funções e características. Após compreender os aspectos morfológicos, você irá aprender sobre o funcionamento do sistema nervoso para a realização de uma ação motora. Com esses conteúdos básicos você se aprofundará no entendimento dos processos cognitivos e das emoções nas aprendizagens humanas e aprenderá as diferenças entre movimentos reflexos, automáticos e voluntários. A partir disso, você irá entender o que acontece com o sistema nervoso central quando se aprende um movimento novo ou se recupera de alguma lesão.
Esses conteúdos são importantes para sua prática profissional, pois, conhecendo os mecanismos anatômicos e fisiológicos do sistema nervoso, você terá mais facilidade de compreender os processos de aprendizagem motora e psicomotricidade. Esses são os requisitos básicos e fundamentais para a disciplina.
Prepare-se para seguir em frente. Vamos lá, a aula o aguarda!
Ponto de Chegada
Estudante, temos como competência desta unidade conhecer as principais características anatômicas e o funcionamento do sistema nervoso central e periférico em condições normais, com algumas alterações e durante a aprendizagem.
Dessa maneira, para conseguirmos alcançar essa competência, primeiramente, você estudou a estrutura do sistema nervoso, suas características, funções e organização. Após conhecer a anatomia do sistema nervoso, você aprendeu sobre o seu funcionamento, como as sensações são captadas, interpretadas e uma resposta motora é realizada. A partir disso, você conheceu como funciona o processo cognitivo de interpretação e seleção de uma resposta nos centros superiores e como controlamos nossas emoções. E, como o produto final é o movimento, você conheceu os movimentos reflexos, automáticos e voluntários e aprendeu como diferenciá-los. Por fim, você aprendeu sobre a plasticidade neural, que lhe permitiu conhecer como esse mecanismo influencia a aprendizagem motora e a recuperação de lesões.
Reflita Ao ver uma bola vindo em sua direção, o que acontece em seu sistema nervoso até a tomada de decisão do que fazer (da percepção e a ação)? Dois atletas olímpicos de natação deixam de competir após os 30 anos de idade. O atleta A para de treinar por 10 anos e decide voltar a competir na categoria master. Já o atleta B continua treinando durante esse tempo e também decide competir na categoria master. Qual deles você acha que será melhor? Explique o porquê. Quando falamos em movimento humano, podemos separar o corpo da mente, ou seja, os processos cognitivos da ação muscular? |
É Hora de Praticar!
Uma palestra sobre aprendizagem motora e psicomotricidade, ministrada na universidade federal do interior para alunos do curso de graduação, levou bastante conhecimento aos alunos, mas também gerou muitas dúvidas. O professor e neurologista Gabriel Resende ministrou duas horas de palestra com o tema: fisiologia neural e controle motor. Ao longo da palestra, várias dúvidas foram escritas e entregues à comissão organizadora do evento.
As principais dúvidas foram:
- O que é uma placa motora?
- O que é uma unidade motora?
- Qual a diferença entre a via aferente e a via eferente?
- Como ocorre a aprendizagem de novos movimentos?
Reflita
Com você responderia a essas dúvidas? Se necessário, revise o conteúdo para resolvê-las.
Resolução do estudo de caso
O professor Gabriel Resende leu todas as perguntas e respondeu para os alunos todas as dúvidas da seguinte forma:
- A placa motora é a estrutura especializada existente entre as terminações nervosas somáticas e as fibras estriadas esqueléticas.
- Unidade motora é o conjunto formado pelo neurônio somático e as fibras musculares estriadas esqueléticas por ele inervado.
- A via aferente leva informação da periferia para o centro e é uma via sensitiva, enquanto a via eferente leva informação do centro para a periferia e é uma via motora.
- O sistema nervoso possui uma capacidade de se reorganizar quando um estímulo novo é fornecido, o que é conhecido como plasticidade. Assim, acredita-se que aprendemos movimentos novos pois nossas estruturas do SNC são capazes de se reorganizar para que um novo comando seja estruturado para, então, ser enviado para a ação.
Dê o play!
Assimile
Agora, confira a seguir uma síntese do conteúdo desta unidade.
Recebemos estímulos do ambiente o tempo todo. Quando este estímulo é captado e essa informação enviada para o SNC, ela é processada, e uma resposta é selecionada e enviada para os músculos para que a ação aconteça. As vias que captam a informação e levam para o SNC é chamada de vias aferentes. E as vias que levam a resposta para um órgão efetor são chamadas de vias eferentes.
Referências
CRAMER, S. C. et al. Harnessing neuroplasticity for clinical applications. Brain, 2011.
FOX, S. I. Fisiologia humana. Barueri, SP: Manole, 2007.
KREBS, C. Neurociência ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2013.
MOURÃO JÚNIOR, C. A. Fisiologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.