Desafios da sociedade brasileira

Aula 1

A Reprodução da Miséria

A reprodução da miséria

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Ponto de Partida

Olá, estudante! Desejamos boas-vindas a você em mais uma aula. Sabemos bem que a miséria no Brasil não é um fenômeno novo; tem raízes históricas muito antigas, que se reproduzem ao longo do tempo. Vamos nos concentrar no século XXI, mas o encorajamos sempre a seguir estudando a história do país para entender a historicidade de nossos dilemas. Vamos entender as dinâmicas mais características da pobreza no mundo atual, sobretudo após a eclosão da crise mundial (2007-2008) e sua manifestação com mais força no Brasil, a partir de 2014.

Como você explicaria as estimativas de que, no Brasil, cerca de 21.1 milhões de pessoas estão em situação de vulnerabilidade alimentar, enquanto 41 mil toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano (CFN, 2023)?

Na visão científica, esse fenômeno é produzido pelas relações socioeconômicas, sendo possível identificar – e enfrentar – suas causas objetivas. Independentemente das correntes teóricas, o conhecimento produzido pelas diferentes ciências sociais – a partir de método e evidências, portanto –, como a economia, a sociologia e a ciência política, concordam com o pressuposto de que a fome é um problema que passa por escolhas políticas e econômicas dos governos e da sociedade, podendo, assim, ser combatida por políticas públicas e pela ação da sociedade. Por exemplo, para José Graziano da Silva, diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e para Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz e membro da Aliança da FAO pela Segurança Alimentar e Paz, a fome é, na verdade, um crime que alimenta conflitos mais graves nas sociedades e ameaça a paz mundial (Silva; Esquivel, 2018).

No entanto, é importante entendermos que mesmo dentro de um debate científico – isto é, racional, a partir de dados e de metodologias de pesquisa – se apresentam perspectivas dissonantes. Como consequência, essas visões também resultam em diferentes formas de enfrentar a fome. Antes de uma leitura mais aprofundada do tema, como você encara esse dilema? Considera a fome do outro um problema que também é seu, como um problema coletivo? Você enxerga a fome como um problema individual ou social? Que recomendações você daria para o combate à fome no Brasil atual? 

Vamos Começar!

Concentração de renda e outras faces da desigualdade

A tarefa de discutir o mapa da miséria no Brasil nos obriga, antes de tudo, a fazer uma pontuação acerca do contexto internacional, para que possamos entender a amplitude desse tema e suas características particulares de desenvolvimento no país.

Conforme nos explica Chossudovsky (1999), a pobreza é um fenômeno global e atinge com mais força os países do Sul Global, e seu traço característico é o de aniquilar a subsistência humana, ou seja, a possibilidade de sobrevivência das pessoas, destruindo sociedades inteiras. O estudo de Chossudovsky foi produzido na década de 1990 e permanece ainda muito atual. Para o autor, nesse período, a pobreza dizia respeito a 80% da população mundial, com uma incidência muito mais acentuada nos países do Sul Global – ex-colônias –, já que os países ricos do Norte Global (onde viviam 15% da população mundial) controlavam 80% da renda mundial, ao passo que os países de média e baixa renda (onde viviam 85% da população mundial), apenas 20% da renda mundial (Chossudovsky, 1999). Esse quadro não se modificou nos anos 2000; pelo contrário, só tem se acentuado. Estimativas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação apontam 821 milhões de pessoas atingidas pela fome no mundo em 2017 (Azevedo, 2018).

Na mesma linha de raciocínio, Raquel Rolnik (2016) sugere uma reflexão importante ao evidenciar que os problemas urbanos vividos no século XXI – como a globalização, a financeirização da economia, a desindustrialização, o desemprego –, talvez sejam piores que os problemas sociais “clássicos” do início do processo de industrialização e urbanização no século XIX.

De fato, a pobreza nos países do Sul Global é historicamente enraizada e disseminada por meio do funcionamento do sistema de colonização. O Brasil é um exemplo claro disso. Os níveis de pobreza do país sempre foram muito altos, sobretudo devido à alta concentração de renda e de riquezas, que situa o país como um dos mais desiguais do mundo, com níveis acima da média global. Segundo Souza e Medeiros (2017), a alta concentração de renda no topo da pirâmide social permaneceu intocada na última década:

Na prática, o Brasil “estar fora da curva” em relação aos padrões internacionais significa pertencer a uma sociedade na qual “seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população”, ou seja, um pouco mais de 100 milhões de pessoas e os “5% mais ricos [da população brasileira] detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%” (Rossi, 2017). Paralelamente, 165 milhões de brasileiros vivem com uma renda per capita inferior a dois salários-mínimos (Oxfam, 2017).

O aumento da renda dos mais pobres e as políticas bem-sucedidas de combate à fome e à miséria – que certamente são muito importantes, pois tiveram efeitos reais benéficos para a população brasileira socioeconomicamente mais vulnerável – não foram suficientes para blindar o Brasil de sua “sina” da desigualdade e da pobreza. Em 2014, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação anunciou que o Brasil saía do mapa da fome. Após esse ano, com os efeitos perversos da crise – sobretudo o aumento do desemprego, do subemprego e de pessoas que não têm renda alguma e não são beneficiadas por programas públicos de transferência de renda –, alertou-se sobre o risco de o Brasil voltar novamente ao mapa da fome (Azevedo, 2018).

É preciso perceber, portanto, que no século XXI a estrutura das desigualdades de renda e de riqueza no Brasil não foi modificada. Isso nos ajuda a entender por que os efeitos da crise global agravaram com tamanha rapidez a miséria. Esse agravamento, é claro, não está separado de escolhas políticas que, ao contrário de agir nas causas da miséria, a acentua.

No que se refere à geografia dessa miséria, dados revelam que a Região Nordeste do Brasil concentra 43,5% da população vivendo na linha da pobreza, enquanto a Região Sul 12,3% (Oliveira, 2017). E é preciso nos atermos ao fato de que essa miséria também tem cor e sexo, já que os negros e as mulheres são mais atingidos (Pearce, 1978; Moraes, 2018; Fernandes, 2008; Martins; Martins, 2017). José Graziano da Silva, diretor geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação também dá destaque ao alto número de crianças que voltam a ser vítimas da fome no Brasil (Azevedo, 2018). Além disso, estudos evidenciam que as famílias que moram na zona rural (cerca de 15% da população brasileira, segundo o censo de 2010) estão mais expostas à situação de pobreza, sobretudo se considerada a renda (Buainain et al., 2012).

Siga em Frente...

Concentração fundiária e déficit habitacional

Essa questão nos leva a discutir a estrutura fundiária do Brasil. Para Sorj (2008), a alta concentração de terras no Brasil é uma característica histórica do país, que se tornou ainda mais complexa com a reorganização e o processo de transformação das relações de produção no país pela agroindústria.

A concentração de terras no Brasil não está separada dos problemas urbanos que se agravam no país. Como é notório, o processo de urbanização e industrialização no Brasil – e, em geral, na América Latina –, ocorreu de forma desordenada, rápida e concentrada no século XX (em parte da Europa, por exemplo, esse mesmo processo demorou dois ou três séculos para se efetivar). Embora a indústria absorvesse parte dessa população, muitas das pessoas que migravam para a cidade não conseguiam arranjar empregos e eram segregadas em bairros periféricos (Conti; Alves, 2019).

Atualmente, os estudos têm mostrado como a atração de pessoas para morar nas cidades é impulsionada mais pela reprodução da pobreza, devido a fatores de expulsão do campo, que se combinam com a falta de oferta de empregos e de renda nas cidades (Davis, 2006). Em particular, esses estudos também mostram como há um aumento e uma multiplicação das favelas (principalmente após os anos 1970), que passaram a expressar a fotografia da pobreza nas cidades – e de todos os problemas sociais a ela relacionados (exploração do trabalho, condições de vida, mortalidade, violência, insalubridade, segregação espacial).

As favelas são hoje, de fato, a máxima expressão da pobreza. Como mostra bem o estudo de Mike Davis (2006), há uma “globalização das favelas”, que é a forma de moradia precária que se dissemina em nível global, principalmente nos países do Sul Global (atingindo cerca de 80% da população urbana desses territórios). Por esse motivo, muitos estudos têm alertado que a pobreza urbana se tornaria o problema mais importante e explosivo do século XXI (Conti; Alves, 2019).

A questão da produção de desalojados – sobretudo relacionada a processos de financeirização da moradia e de despejos – nos ajuda a entender esse cenário. No Brasil, estima-se que 6,9 milhões de famílias não possuem uma casa para morar (Odilla; Passarinho; Barrucho, 2018). Há um debate bastante vivo no sentido de se perguntar até que ponto esses números espelham um déficit de moradia, tendo em vista a estimativa de que há um número equivalente de imóveis desocupados no país. Procura-se também entender até que ponto as políticas de moradia – pensadas de forma individual e imbricadas ao fornecimento de créditos pelos bancos e ao mercado privado de construção civil – resolvem ou pioram esse cenário do déficit de moradia nas cidades, sobretudo nos períodos de desemprego e de rebaixamento de renda, como é o caso do nosso país na atualidade (Rolnik, 2016; Fix, 2011).

Os movimentos que lutam pela moradia e denunciam essa pobreza urbana refletida na situação dos sem-teto não estão separados desses processos estruturais de produção de desalojados. Esses movimentos também mostram que a vulnerabilidade dessas pessoas e a sua exposição a fatores sociais problemáticos podem se reverter em uma força de denúncia das contradições das sociedades urbanas hoje, sendo determinantes para a transformação desses espaços urbanos e para pressionar o Estado para a realização de políticas efetivas no atendimento a essas populações.

Da mesma forma, é impossível entender a dinâmica de funcionamento dos Movimento dos Trabalhadores Sem Terra sem olharmos para os dados, já evidenciados, que tratam da concentração de terra e da pobreza rural no Brasil. O direito à terra, assim como o direito à moradia, é fundamental para que possamos caminhar para uma sociedade mais equilibrada e próspera. Justamente por esse motivo, na grande maioria dos países atualmente considerados desenvolvidos não há, nem de perto, uma concentração fundiária semelhante à do Brasil. Lembremos também que as famílias assentadas desse movimento adotam um modelo de produção alternativo ao agronegócio, que contempla um número infinitamente maior de famílias envolvidas e é comprometido com a saúde da população brasileira e com a garantia da biodiversidade de alimentos no país, pois não utilizam transgênicos e agrotóxicos (Conti; Alves, 2019).

Desemprego e outros efeitos sobre o mundo do trabalho

Diversos estudos têm mostrado os impactos perversos da atual crise na oferta e na qualidade do emprego no Brasil, situação que foi agravada pelas políticas e reformas legislativas recentemente aplicadas (Krein; Gimenez; Santos, 2018). Com base nos dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Di Cunto (2018) aponta que o Brasil, em julho de 2018, era o segundo país com maior taxa de desemprego na América Latina (12,3%, perdendo apenas para o Haiti). O tipo de trabalho majoritariamente ofertado hoje está longe de permitir a estruturação de uma vida com segurança e dignidade. Constata-se a multiplicação dos “minijobs” (empregos precários), empregos temporários, sem garantias e sem direitos, com baixos salários, jornadas longas, flexíveis e intensas. A explosão da terceirização no Brasil também contribui para esse quadro da pobreza, já que os terceirizados ganham menos e são mais desprotegidos em relação a direitos e proteção social.

As reivindicações dos trabalhadores, de suas categorias e sindicatos para um trabalho mais bem remunerado e protegido, que se opõem à tendência de deterioração da renda e devastação dos direitos dos trabalhadores têm, portanto, um papel central nas sociedades modernas para impulsionar as políticas sociais de distribuição de renda. A maior parte da sociedade brasileira hoje depende de um salário para sobreviver, portanto, é importantíssimo que a qualidade do emprego não seja negligenciada.

Além dessas perspectivas alternativas para um país mais igualitário, que partem de iniciativas da própria sociedade – e são de enorme relevância para entendermos que esses problemas não são “naturais” e podem ser combatidos –, devemos considerar também a importância das políticas sociais e de combate à fome. Sem essas iniciativas e essas políticas, certamente caminharemos para uma sociedade cada vez mais desigual, logo, também conflituosa e violenta.

No Brasil, pode-se destacar alguns programas que foram importantes no período recente para o esforço de combate à pobreza. Em primeiro lugar, a implementação da aposentadoria rural, que garantiu aos trabalhadores rurais uma renda de um salário mínimo ao chegar à terceira idade. Em segundo lugar, a política de valorização do salário mínimo, já que parte importante da população brasileira tem seus salários vinculados a esse patamar mínimo e outra parte recebe benefícios sociais também atrelados ao salário mínimo. Em terceiro lugar, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que provê crédito subsidiado – ou, às vezes, a fundo perdido –, para pequenos produtores agrícolas. E, finalmente, o Bolsa Família, resultante da conglomeração de programas sociais anteriormente dispersos, atribuindo-lhes mais organicidade (em vez de as famílias pobres precisarem lidar com inúmeros programas distintos, passaram a ser atendidas de forma unificada, pelo Bolsa Família), volume (os valores destinados a esses benefícios sociais aumentaram muito; de 2003 a 2014, os montantes direcionados para o Bolsa Família passaram de R$ 3,4 bilhões a R$ 27,2 bilhões) e capilaridade (o programa passou a atender famílias do país todo, até mesmo de pequenas comunidades do sertão nordestino ou da Amazônia) (Conti; Alves, 2019).

O Bolsa Família foi iniciado em 2003, com o atendimento de mais de 3 milhões de famílias, e chegou a contemplar, em 2014, 14 milhões de famílias. Segundo a pesquisa baseada em extensa coleta de dados e relatos realizada por Rego e Pinzani (2013), o pequeno montante transferido pelo programa para cada família assume um papel vital para os beneficiários, de forma que cortá-lo significaria, além de negar a cidadania dessas pessoas, condená-las a passar fome, expondo-as também ao risco de morte. O recebimento dessa renda, em geral, oferece mais condições às pessoas em situação socioeconômica vulnerável de entrar para o mundo produtivo, seja por meio de um emprego, seja por meio de uma produção própria ou até de uma fase preparatória de qualificação/estudo. Trata-se, portanto, de garantir o mínimo – ou, na verdade, menos do que o mínimo, se consideramos o custo de vida no país.

A questão central deste conteúdo é sabermos em qual país gostaríamos de viver: em um país que assume a miséria como natural ou em um que aplica políticas públicas eficientes para combatê-la. Lembremo-nos, portanto, de que a pobreza pode ser combatida. E é essencial que a sociedade pressione o poder público nessa direção. Do contrário, como já acenado, sem dúvida viveremos em uma sociedade conflituosa e violenta, que desperdiça seu potencial de desenvolvimento. 

Vamos Exercitar?

No atual contexto de crise econômica, cortes em programas sociais empurram com ainda mais rapidez as famílias para a pobreza. Fala-se de “novos pobres”, que são produtos da crise, dos cortes em programas sociais e da grave situação de desemprego e precarização do trabalho (Conti; Alves, 2019). Como você enxerga esse fenômeno? Ele está relacionado com o aumento da pobreza, é um problema individual ou social? Quais recomendações você daria para o combate à fome no Brasil atual?

Para responder é necessária uma contextualização acerca da pobreza e da fome no Brasil de hoje. Vivemos uma crise que vem se configurando como uma das maiores da história do capitalismo; sua dimensão internacional é de enorme relevância para uma análise cientifica de suas características e efeitos, inclusive no Brasil.

Estudos têm mostrado o aumento da pobreza em escala mundial – reflexo da concentração de renda e riquezas – e sua acentuação após a eclosão da crise, que afetou primeiramente os países do Norte Global e, mais tarde, com ainda mais intensidade, os países do Sul Global, que ocupam uma posição de dependência e subordinação no mercado mundial. Questões problemáticas, que antes pareciam estar geograficamente delimitadas aos países do Sul Global – como a acentuação das desigualdades de renda; o aumento do número de pessoas em situação de rua; o trabalho pobre (working poor) e precário (precariado); o alto índice de desemprego e de informalidade; a favelização; o endividamento; dentre outras –, invadem o cotidiano das cidades, sobretudo das capitais, nos países do Norte Global (Basso, 2010).

Essas mesmas tendências pareciam estar longe de poder chegar ao Brasil, porém, em 2014, o impacto da crise econômica se fez igualmente agressivo e generalizado no país, refletindo-se claramente na estagnação, em 2014, e depois na queda brusca do produto interno bruto (PIB), em 2015 e 2016. Desde 2015, as medidas de austeridade aplicadas significaram uma queda de 83% no orçamento das políticas públicas para a área social no Brasil (Instituto de Estudos Socioeconômicos apud Oxfam, 2017).

A tendência colocada no contexto neoliberal, que se acentuou com a atual crise, é que o Estado faça cortes em orçamentos destinados ao social e privatize seus bens, serviços e ativos, sobretudo a partir da aplicação dos ajustes fiscais, como se esses fossem o único “remédio” para resolver os efeitos da crise. Todavia, essa via caminha ao lado, como já problematizamos, de uma sociedade desigual e conflituosa, que corre o risco de naturalizar a pobreza em vez de combatê-la. 

Saiba Mais

A obra escrita por Noam Chomsky e Marv Waterstone, As consequências do capitalismo: produzindo descontentamento e resistência (2021), disponível em sua biblioteca virtual, fornece um importante panorama das conexões profundas – muitas vezes invisíveis – entre o "senso comum" neoliberal e o poder estrutural. 
Ao fazer essas ligações, vemos como a atual hegemonia mantém os movimentos de justiça social divididos e marginalizados. E, mais importante, vemos como podemos lutar para superar essas divisões. Uma cartilha essencial sobre capitalismo, política e como o mundo funciona.

A obra escrita por Fabíola de Lourdes Moreira Rabelo e Lana Mara de Castro Siman, Jovens em situação de rua e seus rolés pela cidade: registros de subversão e (r)existência (2021), disponível em sua biblioteca virtual, fornece um importante panorama dos processos de socialização vivenciados por jovens em situação de rua na cidade de Belo Horizonte (MG). 
A obra apresenta reflexões acerca dos efeitos da segregação social e espacial na vida dos jovens em situação de rua, discutindo a invisibilidade social, o racismo, os mecanismos de controle e violência que afetam suas trajetórias. Para além disso, destaca as táticas cotidianas dos jovens em situação de rua, tangenciadas por movimentos de (r)existência e reinvenção de suas possibilidades de ser, viver e estar na cidade.

A pobreza no campo e na cidade
A pobreza rural e urbana em grande escala é um problema tipicamente moderno, produto das transformações das sociedades, do modo de produção capitalista e da Revolução Industrial. Por esse mesmo motivo, a miséria no campo e a condição de indigência e de sofrimento da classe operária – em particular na Inglaterra, Escócia e Irlanda da segunda metade do século XVIII em diante – foram estudadas como um fenômeno, o pauperismo, e passaram a ser objeto de estudo das diferentes áreas da economia, da sociologia, e até mesmo largamente retratada na literatura da época.
Assista ao vídeo a seguir, que traz uma reflexão que trata da miséria na história do Brasil, que não deve ser considerada como “natural” – como se existisse desde sempre e devesse permanecer para sempre –, pois é possível de ser reduzida por meio de políticas públicas. O vídeo é um documentário dirigido por Camilo Tavares, intitulado Histórias da fome no Brasil (sugerimos que assista do minuto 0:00 ao minuto 12:10).
Documentário: Histórias da Fome no Brasil. Direção: Camilo Tavares. [S. l.]: Ancine, 2017. 1 vídeo (52min), son., color. 

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, G. Crise faz crescer o risco de o Brasil voltar ao Mapa da Fome, diz ONU. Uol, São Paulo, 17 out. 2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/10/17/jose-graziano-fao-onu-mapa-da-fome-brasil-obesidade.htm. Acesso em: 19 fev. 2019.

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ROSSI, M. Seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre. El país Brasil, [S. l.], 26 set. 2017.

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SORJ, B. Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. Disponível em: http://books.scielo.org/id/cjnwk/pdf/sorj-9788599662281.pdf. Acesso em: 19 fev. 2019.

SOUZA, P. H. G. F.; MEDEIROS, M. A concentração de renda no topo no Brasil, 2006-2014. Brasília, DF: Centro Internacional de Políticas para o crescimento inclusivo, 2017. Disponível em: https://www.ipc-undp.org/pub/port/OP370PT_A_concentracao_de_renda_no_topo_no_Brasil.pdf. Acesso em: 19 fev. 2019.

TAVARES, C. Histórias da Fome no Brasil [documentário]. Direção: Camilo Tavares. [S. l.]: Ancine, 2017. 1 vídeo (52min), son., color. 

Aula 2

Corrupção e Entraves ao Bem Comum

Corrupção e entraves ao bem comum

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Ponto de Partida

Olá, estudante! Convidamos você a refletir a respeito de um dos temas mais discutidos nos últimos anos no Brasil: a corrupção, um problema que não é exclusivamente brasileiro e não se restringe aos fatos da atualidade, mas, é claro, há períodos e lugares em que a corrupção está mais presente. Apesar de ser complexo, é possível identificar as causas que levam determinado país, em determinado momento da sua história, a ser marcado por casos de corrupção.

No Brasil, após a ditadura (1964-1985) – período em que a discussão pública da corrupção foi interditada, entendida pelos militares como um tipo de contestação e ameaça à ordem –, o tema da corrupção ocupou um lugar central, primeiramente com o processo de impeachment de Fernando Collor, depois com as acusações em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso – e seu suposto favorecimento pelo chamado “engavetador geral da República” –, em seguida com as denúncias em relação ao Mensalão, um pretenso esquema de compra de apoio no Congresso. Mais tarde, sobretudo após 2014, novamente a corrupção reaparece na mídia como uma das noções mais pronunciadas para explicar o contexto de crise no Brasil, tanto na sua dimensão política quanto econômica. Essa noção ganhou uma atenção crescente e passou a ser considerada tão evidente a ponto de dispensar qualquer tipo de demonstração.

O tema nos provoca a buscar, antes de tudo, o sentido dessa palavra. Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, corrupção vem do latim e é sinônimo de declínio, indecência e suborno (Houaiss; Villar, 2009, p. 557). Essa conotação invoca a dimensão essencialmente ética do comportamento e das atitudes e balizou, de certa forma, a maior parte do debate sobre esse tema. É como se toda a forma de discutir destacasse como o Brasil é corrupto, não atentando à pergunta de como se tornou corrupto. Para além da questão ética, é importante investigar as causas menos visíveis da corrupção e a forma como a discussão do tema é feita. Esse fenômeno vai muito além do contexto nacional, assumindo, na verdade, uma dimensão global.

Reflita, então, a respeito da seguinte questão: na sua opinião, a forma de se discutir a corrupção no Brasil traz ao conhecimento da população brasileira os problemas mais estruturais – econômicos e políticos – implicados e o modo mais adequado de combatê-los? Ou o debate, em geral, dá-se em torno apenas do comportamento e da ética individual? 

Vamos Começar!

Corrupção e ética: a questão do público e do privado

Corrupção: ao falar do tema, quase sempre lembramos imediatamente da palavra “política”, certo? Ainda assim, os atos de corrupção não estão circunscritos apenas àqueles que têm cargos públicos. Como poderíamos redefinir essa noção?

A noção mais comumente pensada remete a um comportamento individual de desrespeito às normas éticas, morais e jurídicas para tirar benefício próprio, a fim de beneficiar alguém ou um grupo. Nesse sentido, a corrupção pode estar presente em todos os âmbitos da vida de uma sociedade, desde as dinâmicas familiares até o funcionamento de uma empresa privada/pública ou do Estado, podendo ser investigada a partir de diferentes ângulos – a cultura e os valores de uma sociedade, a opinião pública e os costumes, entre outros (Conti; Alves, 2019).

Todavia, há uma outra perspectiva para tratarmos da corrupção, que busca iluminar a disputa pelo poder econômico e político em uma dimensão mais sistêmica e estrutural, para além da relação entre determinados indivíduos, que também envolve o desrespeito às normas no âmbito de funcionamento de instituições como o Estado, o mercado, as empresas, as organizações não governamentais (ONG), as igrejas e a mídia, dentre outras entidades.

Há um vasto campo de estudos sobre a corrupção atualmente, que destaca como nessa trama de relações está envolvido principalmente o papel dos Estados em conjunto com os grandes grupos econômicos e corporações transnacionais, que têm um enorme poder político (Jain, 2001).

Partiremos, portanto, da relação entre corrupção e ética, que, por sua vez, também nos obriga a pensar na relação entre o público e o privado. Como vimos, as esferas do público e do privado, além de terem um critério objetivo de definição em leis e em princípios da administração pública, também abrangem a noção de interesse público (bem comum) e interesse privado (particular). No Ocidente, a distinção entre público e privado está prevista em normas e princípios jurídicos, porém, se na teoria pode parecer mais simples separar essas dimensões, na prática elas estão imbricadas. Ainda assim, essa distinção que se aplica às leis e normas não deixa de ter importância, pois permite identificar a ação corrompida dos agentes que exercem a função pública.

Ao buscarmos o entendimento da relação implícita do público e do privado na corrupção, deparamo-nos também com um problema colocado pelo atual momento histórico, marcado pelo debate em torno das atribuições do Estado. Após décadas de hegemonia de uma perspectiva político-econômica que afirmava a importância de uma série de papéis do Estado nas sociedades capitalistas – responsável pela saúde, educação e previdência, assim como de estatais em áreas consideradas essenciais –, outra abordagem para essa situação passou a crescer e se consolidou a partir dos anos 1970.

A (falta de) confiança nas corporações e instituições políticas

Sem dúvida, é na esfera pública – instituições, empresas e funcionários regidos pelas normas do direito público – que a corrupção ganha mais visibilidade e é mais estudada. No entanto, como esclarece o sociólogo José Artur Rios (1987), a esfera privada, sobretudo das empresas, também é permeada por operações de “favoritismo, apropriação indébita, concorrência desleal” (Rios, 1987, p. 87), além de outras formas de corrupção, como o suborno e o falseamento de dados para órgãos reguladores e ambientais. De fato, estudos e acontecimentos recentes mostram os mecanismos de corrupção no mundo dos negócios privados. Nos últimos anos, por exemplo, o polêmico site Wikileaks se tornou famoso ao expor documentos sigilosos que comprovavam casos de corrupção e interesses escusos não apenas de governos, mas também de grandes empresas.

Entendemos, assim, que a corrupção não apenas agrava as desigualdades sociais – econômicas, políticas, culturais – da sociedade, como também as reproduz. Por esse motivo, a autora Célia Regina Jardim Pinto (2011) nos convida a pensar na ideia da “legitimidade da hierarquia das desigualdades” como princípio que baliza as relações sociais no Brasil e o terreno que possibilita a emergência, a reprodução e o aprofundamento da corrupção (Pinto, 2011, p. 14).

Se considerarmos a corrupção a partir dessa perspectiva, verificamos que os casos de corrupção são transversais à história do Brasil. Como explica Pedro Cavalcanti (1991), a história da corrupção no Brasil tem raízes antigas e diz respeito à formação social e econômica do país. Devemos considerar que cada período histórico tem uma definição específica de corrupção, prevista na legislação e/ou nos costumes éticos e morais de um determinado contexto. No entanto, a percepção que a sociedade brasileira tem da corrupção como um mal “de origem”, assim como sua longa história em diferentes momentos políticos do país, leva à pergunta: somos mais corruptos que outros povos? Para evitarmos naturalizar a corrupção – isto é, considerá-la, além de natural, um problema insolúvel – é importante não cairmos nas armadilhas que essa pergunta nos coloca. Por esse motivo, consideramos mais relevante discutir as questões de fundo que explicam as características históricas do desenvolvimento do nosso Estado e da nossa sociedade, com destaque para as marcas coloniais e escravocratas, que de certa forma se prolongam no presente, sobretudo se consideramos o papel subordinado do Brasil no mercado mundial e o distanciamento do poder político com a real representação dos interesses da nossa população (Conti; Alves, 2019).

Siga em Frente...

O fenômeno social da corrupção no Brasil

Os clássicos do pensamento social brasileiro nos fornecem diferentes perspectivas para entendermos a formação do Estado no Brasil, portanto, também da organização do poder político marcado pela corrupção. A perspectiva econômica, por exemplo, utilizada pelo pesquisador Caio Prado Jr. (1907-1990) tentou explicar a formação do Estado brasileiro com base na noção de colônia de exploração – em sua interpretação, responsável pelas nossas raízes do subdesenvolvimento, que se prolongam até hoje – relativa à função que o Brasil assumiu no mercado mundial de 1500 a 1822. Segundo o historiador, o Brasil nasceu para fornecer matérias-primas e trabalho barato – de nativos e negros escravizados – para a metrópole, Portugal, e para potências coloniais como a Inglaterra. As riquezas naturais – principalmente metais – e aquela produzida no país sempre foram “drenadas” para fora. Por esse motivo, historiadores e sociólogos que reforçaram a interpretação de Prado Jr. destacaram fontes daqueles que questionaram o domínio da metrópole, como prova e denúncia da “rapina” como princípio de funcionamento do poder político e da sociedade no Brasil.

Esse traço colonial e escravocrata modelou a economia e principalmente a natureza do poder político nas colônias da América Latina – ou seja, o Estado deveria estar ao seu serviço. Sobretudo para a historiografia que enfatizou um sentido (exploratório) da colonização, a região foi considerada um território onde os colonizadores e os entes privados das metrópoles que quisessem investir na aventura de colonizar tinham grandes possibilidades de conseguir lucro, sem limites e de maneira rápida, contra os interesses mais gerais da população do território e da natureza.

Nesse sentido, a sociologia, a partir dos anos 1960 e 1970, tendeu a reiterar a intepretação de Prado Jr. Como diversos estudos afirmaram – tal como Fernandes (1973) –, trata-se de pensar uma formação histórica que assume a concentração de poder político e econômico como seu traço principal. Além disso, o próprio processo de modernização da sociedade brasileira também fez com que os padrões corruptos que já existiam nas metrópoles fossem transportados e potencializados nas colônias (Cavalcanti, 1991).

Um exemplo de como o sistema escravocrata, que construiu os jogos de poder que fundaram o país, é marcadamente corrupto é o tráfico negreiro. Nesse sentido, mais do que imoral – mesmo nos debates da época, a elite escravocrata o admitia como um “mal necessário” –, se consideramos a corrupção a partir da perspectiva da infração de leis, o tráfico negreiro era uma prática ilegal e exercida impunemente pela elite do país durante décadas após a sua independência. Foi a partir dessa prática ilegal – tanto para leis e tratados internacionais quanto para leis nacionais – que mais de um milhão de africanos escravizados foram trazidos a um Brasil já independente, para servirem aos interesses econômicos de uma elite escravocrata que não apenas não pagaria por esse crime, mas também compunha câmaras e poderes políticos que determinavam sua própria impunidade. Ao mesmo tempo, a partir desse crime, essa pequena elite política e econômica que lucrava com a escravidão consolidava a estrutura desigual e injusta do país (Cavalcanti, 1991, p. 33-34).

Outra interpretação clássica na sociologia, que nos ajuda a entender as relações entre corrupção e história nacional, está em uma perspectiva culturalista, que enfatiza como os valores, os costumes e a cultura herdados da sociedade portuguesa, que prevaleceram na formação histórica do país, são determinantes para se explicar esse traço do funcionamento de poder político no Brasil. O debate evidencia como esses valores culturais privilegiam o caráter privado e os interesses particulares e individuais em detrimento do público e do coletivo. A explicação da enraizada corrupção no Estado brasileiro é feita, assim, a partir de chaves de interpretação como a tradição clientelista (prática eleitoreira), o patrimonialismo (a fusão de interesse privado e público) e o nepotismo (favoritismo de parentes).

O pesquisador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em 1936 escreveu uma obra de referência para entendermos as “raízes” desses traços de comportamento na política brasileira que dificultam a separação do que é público e privado (Holanda, 2007). O autor faz alusão ao “personalismo exagerado” como marca da cultura dos povos ibéricos, entre os quais estão os portugueses, o que ajuda a entender as características de funcionamento das nossas instituições movidas pela “desorganização”, “falta de espírito de solidariedade”, “individualismo” e manutenção de “privilégios e hierarquias”. Para Holanda, o patrimonialismo – visão que resguarda o próprio patrimônio privado – é a marca da gestão política no país, herdada dos portugueses. Desse modo, na interpretação de Holanda, o “homem cordial”, símbolo dessa lógica herdada da colônia, transformaria o mundo público em uma projeção da vida privada. As relações políticas, que dependem do respeito à esfera pública, são obstaculizadas pelas relações pessoais, nas quais interesses e afetos pessoais moldariam (ou burlariam) a lei sempre que conveniente (Conti; Alves, 2019).

Em outra interpretação clássica, Raimundo Faoro (1925-2003), em seu Os donos do poder (1958), buscou explicar os cenários de disputa política no Brasil e a reprodução da concentração de poder (econômico e político) em determinadas famílias/grupos empresariais. Para o autor, é possível falar de um “Estado patrimonial-estamental no Brasil”, no qual os interesses privados de grupos poderosos totalmente desconectados da maioria da população prevalecem, em detrimento de sua função pública. Para o autor, essa questão se mantém mesmo após proclamada a República (1889) e só começa a ser modificada nos anos 1930, com a campanha de nacionalização de Getúlio Vargas.

O mesmo ocorreu durante a Ditadura Militar (1964-1985). A negação do direito de participação e controle do exercício do poder político pelos cidadãos desse regime interditou qualquer discussão acerca do tema da corrupção, já que o poder militar deveria ser considerado incontestavelmente como o mais isento de corrupção. Em qualquer regime de exceção em que a imprensa e os meios de comunicação passam a ser controlados pela censura prévia – e aqueles que a desafiam, correm risco de vida – é esperado que a sociedade não debata ou divulgue escândalos de corrupção. Nesse período, por exemplo, um dos casos de corrupção mais escandalosos, da instituição de caridade gerida pelos militares, Capemi, no Rio de Janeiro, foi resolvido com assassinatos (Cavalcanti, 1991, p. 107).

A instituição do regime democrático, com a Constituição de 1988 (Brasil, 1988) e a afirmação da garantia da participação cidadã, abriu espaço para que essa discussão se tornasse pública e para que os mecanismos de controle do poder fossem aplicados.

O grande mal relacionado à forma espetacularizada com a qual se discute o problema da corrupção no Brasil é o de tirar o foco do que está realmente em jogo na corrupção: os malefícios ao bem comum. É por esse motivo que José Arthur Rios (1987) descreve a corrupção como uma grande “fraude social”; uma “forma de espoliação do povo comum”; uma “fonte de crime e extorsões” (Rios, 1987, p. 88).

Alguns estudiosos da corrupção também destacam a impossibilidade de cálculo desse fenômeno ao afetar o “equilíbrio de uma sociedade” (Rios, 1987, p. 87 e 96). São prejuízos incalculáveis, refletidos principalmente no “afastamento da política”, a banalização dessa esfera tão importante da vida em sociedade, justamente por ser a única dimensão capaz de resguardar os interesses gerais e coletivos em detrimento dos interesses privados.

Qual é o efeito final desse processo de criminalização da política? Ora, uma maior concentração de poder, que contradiz os princípios democráticos e apenas propicia a reprodução e o aprofundamento da corrupção! Por esse motivo, lembremo-nos de que “a banalização da corrupção não é a mesma coisa que a generalização da corrupção” (Pinto, 2011, p. 10). Com essa expressão, a cientista política Céli Regina Pinto quer chamar a atenção ao fato de que, apesar dessa marca negativa, o Estado brasileiro não pode ser reduzido apenas à corrupção, uma vez que “outras formas de governar habitam a política brasileira”, respeitosas e comprometidas com o público (Pinto, 2011, p. 10).

Nosso desafio, enquanto sociedade, é saber discernir a atuação do poder público em prol do bem público, para garantir que o poder político sirva aos interesses gerais da população, e não apenas à sua parcela privilegiada.

O combate à corrupção por vias democráticas nos ensina que esse problema não é um mal crônico; ele pode ser combatido e reduzido (Filho; Kuntz, 2008). No entanto, trata-se de um processo constante de exercício da cidadania que de forma alguma pode significar “criminalização da política”, difamação pouco comprometida com a veracidade das acusações, censura. Alternativamente, há um rol de ações muito mais efetivas para o controle da corrupção, como: a pressão popular pela transparência do funcionamento das instituições públicas; a informação consciente dos interesses por detrás das decisões políticas; a recusa da impunidade dos infratores (após serem condenados seguindo o princípio do devido processo legal e da imparcialidade); a busca por canais de informação menos comprometidos com o poder político; a existência de uma mídia e imprensa livres, transparentes e politicamente independentes; a possibilidade de que a população tenha acesso a uma prestação de contas (accountability); a alternância de poder. Todas essas iniciativas deveriam ser seriamente discutidas e aplicadas no Brasil. 

Vamos Exercitar?

A situação-problema desta aula levanta uma reflexão a respeito da forma como a corrupção vem sendo discutida no Brasil. A questão central é se essa forma traz ao conhecimento da população brasileira os problemas mais estruturais – econômicos e políticos – implicados. Para a reflexão, ressaltou-se a necessidade de entendimento da relação do público e do privado na noção de corrupção, que remete à necessidade de entender se a corrupção existe apenas no setor público ou se podemos analisá-la também no setor privado e, particularmente, na imbricação dessas duas esferas.

Para uma análise estrutural, é necessário o entendimento da relação implícita do público e do privado na noção de corrupção. O senso comum tende a apresentar o problema da corrupção como algo que existe apenas no setor público, defendendo a falsa tese de que o setor privado seria mais protegido desse mal que assola a maior parte das sociedades do globo.

Basta uma pesquisa muito básica nos livros e estudos científicos na última década para percebermos como o setor privado está profundamente envolvido no sistema de corrupção. Crimes como a fraude nos balanços das empresas para conseguir obter melhor preço na venda de ações, o uso privilegiado de informações para se beneficiar nos negócios, o suborno e o pagamento de propinas a agentes públicos, a fraude ao licenciamento ambiental e as operações ilícitas que danificam o meio ambiente, a fraude com relação à obediência da legislação de proteção à saúde dos trabalhadores, as falsas falências de empresas, que têm o mero propósito de desobrigá-las do pagamento de dívidas aos trabalhadores, aos fornecedores e ao erário público, dentre muitos outros exemplos, evidenciam o enorme poder de setores econômicos – sobretudo quando representados por grandes corporações e empresas transnacionais – e sua interação com o modo de agir do Estado (Conti; Alves, 2019).

A questão de os políticos serem comissários do poder econômico e não exercerem a sua função de representar os cidadãos e seus interesses gerais é o problema de fundo que não podemos negligenciar. Além da importante questão do interesse público, esse debate envolve a análise de efeitos mais amplos relativos ao exercício do poder político em uma sociedade, sobretudo remetendo ao significado de democracia (Johnston, 2001, p. 23).

Cabe, portanto, a discussão das questões estruturais da corrupção para que possamos ter melhores parâmetros para discutir os “remédios” apresentados para seu combate. É claro, longe dessa discussão nos afastar da política – como se pensar o coletivo e a vida em sociedade fosse algo menor, por ser tão suscetível à corrupção –, vamos retomar o sentido da cidadania e da participação democrática como o principal antídoto para combater a corrupção (Conti; Alves, 2019). 

Saiba Mais

Aprofundando conhecimentos

A obra escrita de Leandro Mitidieri Figueiredo, Corrupção e desigualdade: combate à corrupção efetivo, republicano e democrático como redutor da desigualdade social (2020), disponível em sua biblioteca virtual, fornece um importante panorama do fenômeno da corrupção e sua relação com a desigualdade. 
São abordadas a cultura, a lei, a relação de custo e benefício da prática de corrupção e experimentos de psicologia da desonestidade. Mas, fundamentalmente, a obra explora a tese de que a corrupção é concentradora de renda, minando as defesas do Estado e neutralizando seu poder de gerar distribuição de riqueza e justiça social. 
A corrupção é um dos fatores causadores da desigualdade social, mas a desigualdade social é um dos fatores que favorecem a corrupção. Nestes termos, o enfrentamento à corrupção é uma política realizadora do objetivo fundamental constitucional de redução da desigualdade. Contudo, não é qualquer combate à corrupção que cumpre esse papel de redutor da desigualdade social, e sim o enfrentamento à corrupção efetivo, republicano e democrático.

Impostômetro e sonegômetro
Duas medidas distintas que nos permitem quantificar e refletir a respeito da corrupção e seus efeitos no país são o impostômetro e o sonegômetro. Enquanto a primeira busca simular o cálculo, em tempo real, dos impostos pagos pela população – o que permite pensarmos, portanto, no dinheiro arrecadado pelo Estado e que deveria ser integralmente revertido em políticas para o bem comum –, a segunda aponta para a quantidade de tributos sonegados e para os grandes devedores de impostos, valor que, uma vez mais, poderia ser revertido em obras e ações que favoreceriam o bem público. Conheça os sites das iniciativas, indicados a seguir:
•    ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

•    SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL

 

A cultura da impunidade e a ditadura

Na palestra indicada a seguir, entre os minutos 9 e 18 o historiador José Alves de Freitas Neto expõe os efeitos da “não condenação das mazelas do regime militar” no período de transição democrática. O historiador explica “a impunidade que se perpetua”, tanto em relação aos graves crimes contra a humanidade cometidos nesse período – como a tortura, assassinatos em massa, entre outros – quanto também aos prejuízos aos cofres públicos. A “interdição de falar das mazelas do regime ditatorial” e o “esquecimento e silenciamento” impostos estão diretamente ligados à falsa ideia de que regimes militares e autoritários estão isentos de corrupção.

FOI para isto que lutamos pela liberdade? José Alves de Freitas Neto. Diretor: Mário Mazzilli. Produção: Instituto CPFL. [S. l.]: Instituto CPFL, 2017. 1 vídeo (48min05s). 

Referências Bibliográficas

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 6 nov. 2023.

CAVALCANTI, P. A corrupção no Brasil. São Paulo: Edições Siciliano, 1991.

CONTI, H. M. de; ALVES, P. V. M. Sociedade Brasileira e Cidadania. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019

FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1958.

FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

FIGUEIREDO, L. M. Corrupção e desigualdade: combate à corrupção efetivo, republicano e democrático como redutor da desigualdade social. Rio de Janeiro: Processo, 2020. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/185395/pdf. Acesso em: 04 abr. 2024. 

FILHO, B. M. B.; KUNTZ, R. A. Corrupção política: a luta social pelo resgate da dignidade no exercício do poder. São Paulo: Madras, 2008.

HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portu­guesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 450.

JAIN, A. K. (ed.). The political economy of corruption. London/New York: Routledge, 2001.

JOHNSTON, M. The definitions debate: old conflicts in new guises. In: JAIN, A. K. (ed.). The political economy of corruption. London/New York: Routledge, 2001.

NETO, J. A. F. Foi para isto que lutamos pela liberdade? José Alves de Freitas Neto. Diretor: Mário Mazzilli. Produção: Instituto CPFL. [S. l.]: Instituto CPFL, 2017. 1 vídeo (48min05s).

PINTO, C. R. J. A banalidade da corrupção: uma forma de governar o Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

PRADO JR., C. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976.

RIOS, J. A. A fraude social da corrupção. In: LEITE, C. B. (org.). A sociologia da corrupção. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

Aula 3

Violência e Punitivismo

Violência e punitivismo

Estudante, esta videoaula foi preparada especialmente para você. Nela, você irá aprender conteúdos importantes para a sua formação profissional. Vamos assisti-la? Bons estudos!

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Ponto de Partida

Olá, estudante! Esta aula vai tratar de um importante dilema da sociedade moderna: as lógicas de punição que também se expressam nos crimes contra a humanidade. A partir dos ensinamentos do filósofo Michel Foucault e de autores que o atualizaram, trataremos das lógicas punitivistas na sociedade moderna, sua relação com o saber-poder e sua plena aplicação na contemporaneidade.

Para abrir essa reflexão, vamos pensar no populismo penal midiático. Veja esses exemplos de manchetes de violência sensacionalista: "Ataque brutal: assassinato chocante em área residencial!", "Violência sem limites: jovem espancado em festa de rua", "Assassinato cruel: corpo encontrado com sinais de tortura!", “Roubos violentos: onda de crimes assusta moradores!", “Série de sequestros: pânico se espalha na cidade!".

Essas manchetes sensacionalistas muitas vezes se concentram na violência extrema para atrair a atenção do público, podendo ser exageradas ou manipuladas para aumentar o sensacionalismo e o impacto emocional, sem necessariamente fornecer toda a informação contextual ou relevante sobre os incidentes.

Devemos nos perguntar: o que significa esse populismo penal midiático? Quais são os seus efeitos emocionais e sociais? Quem são os agentes envolvidos na veiculação desse populismo midiático penal?

Esse fenômeno social consiste em promover um conjunto de práticas (discursos, propostas) políticas elaboradas para a massa da população, com veiculação midiática para implementar políticas punitivas mais severas, explorando casos de criminalidade chocantes para inflar o medo da população em relação à criminalidade. Trata-se ainda de uma exposição exagerada de prisões e acusações policiais, sem provas, contrários aos princípios de imparcialidade e neutralidade do jornalismo, e estabelecendo, no lugar, juízos de valor, com postura agressiva e o uso de palavras de forte calão.

Neste momento, vamos explorar as entranhas do punitivismo e da violência, meandros de um sistema que molda nossa sociedade, para descobrir como a compreensão destes temas pode transformar nossa perspectiva de interpretação da realidade, de justiça e do comportamento humano. O conhecimento é a chave para qualquer forma de mudança e as reflexões oportunizam a busca de alternativas para construir um mundo mais justo e pacífico e, por isso, o estudo destes temas é o primeiro passo para transformar nossa realidade. 

Vamos Começar!

“Normalidade” e vigilância

Os períodos mais obscuros e mortíferos da humanidade explicitam, na verdade, a sistemática aplicação de uma lógica punitiva em um contexto ditatorial. No entanto, se pararmos para refletir, percebemos que essas lógicas também podem estar presentes no funcionamento das sociedades em um Estado democrático e até mesmo na nossa cotidianidade, perpassada por instituições como a escola, os hospitais e as prisões.

É necessário um tratamento aprofundado para entendermos por que a população adere irrefletidamente ao punitivismo, entendido como uma lógica de punição, ou seja, a ideia de que a punição, o castigo, a pena é a única e mais eficaz solução. Sem considerar o papel da mídia de construir essa visão única para olhar para o problema da violência – silenciando outras violências em nível macro, como a do sistema econômico ou da ação do próprio Estado –, é impossível entender essa questão.

Michel Foucault (1926-1984) nos ajudar a refletir a respeito desse dilema antigo e atual ao explicar que o punitivismo é também uma forma de governar do poder, que passa pela incorporação da lógica de punição pelos sujeitos. O autor é uma referência para reconhecermos o caráter brutal da repressão e do controle no funcionamento das sociedades modernas que, paralelamente à afirmação dos direitos humanos, colocaram no centro de sua organização “a vontade de punir”, as técnicas de punição e vigilância permanentes, legitimadas por saberes que evoluíram para um tipo específico de práticas disciplinares, amplamente disseminadas e, mais do que tudo, internalizadas pelos próprios sujeitos.

O modelo arquitetônico de prisão de Jeremy Benthan do Panopticon (pan significa tudo e optikós, visão) é utilizado por Foucault para explicar a especificidade do que chama “poder disciplinar”, uma vez que retrata concretamente a operacionalização da lógica punitiva internalizada pelos próprios indivíduos e pensada cientificamente (Conti; Alves, 2019). Segundo Foucault,

O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; essa é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível (Foucault, 1997, p. 166).

O segredo da técnica de vigilância contínua é que o condenado não sabe se de fato está sendo observado, já que existe apenas um vigia no centro da prisão para controlar todos os detentos. Todavia, o simples fato de supostamente estar sob vigilância faz com que o detento internalize essa norma e obedeça às regras de bom comportamento. No contato com essa disciplina, reproduzida por instituições como as prisões, escolas, hospitais, nascem os “corpos dóceis”, “obedientes” e “produtivos”: “uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia. De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância de receitas” (Foucault, 1997, p. 167).

Saber-poder: mecanismos de controle

A relação “poder-saber”, expressa em discursos científicos e no senso comum sobre a punição, também tem um papel fundamental para a construção da verdade sobre o crime e para a legitimação de sua punição pelas práticas disciplinares, que incluem a vigilância contínua. O filósofo Michael Foucault (1997) nos explica que esse saber construído é também uma forma de controle político e social que se transforma em práticas generalizadas, atingindo determinados grupos sociais, em particular os classificados como “anormais”: “loucos”, detentos, homossexuais e prostitutas, dentre outros. Como exemplo podemos citar o discurso científico da psiquiatria para classificar os “normais” e os “loucos”, estabelecendo práticas específicas, não apenas para separar esses últimos da sociedade, mas também para puni-los quando infringiam as regras de conduta nas instituições psiquiátricas. Lembremos que os hospitais psiquiátricos, até pouco tempo atrás, utilizavam-se de práticas como a cadeira de choque, o açoite e as alas de isolamento total, entre outras. Essas práticas eram consideradas pelo discurso psiquiátrico como a única forma de curar as pessoas com problema psíquico. A questão é que essas pessoas, ao contrário de serem curadas de forma humanizada e integrada com os familiares e a sociedade, viviam e morriam nesses hospitais. Como estavam isoladas, a sociedade simplesmente não via, ou não queria enxergar, o que ocorria dentro dessas instituições e como o discurso científico da psiquiatria não correspondia aos fins de, de fato, “curar” esses pacientes (Conti; Alves, 2019).

O campo do saber está, portanto, intrinsecamente ligado ao exercício do poder por se basear em discursos científicos para legitimar as suas práticas. Lembremos que essa relação poder-saber também expressa relações de desequilíbrios entre os sexos. Baseado nos ensinamentos de Foucault, o estudo de Silva (1985) mostra como o saber da legislação penal (que regulamenta a sexualidade da mulher), a doutrina penal (que garante a aplicação dessas normas) e a jurisprudência presente em toda a dogmática penal conseguem adaptar definições de normalidade da conduta da mulher estabelecidas pelas estruturas de poder dominantes ao corpo da mulher. Com base nessas definições de normalidade da conduta da mulher construídas pelo poder patriarcal – que considera a mulher inferior e submissa ao homem – muitas sentenças proferidas pelos tribunais penais absolvem os homens que cometeram crimes de violência e abuso sexual contra as mulheres. Segundo a autora, o Direito Penal reproduz as relações assimétricas entre os sexos na sociedade brasileira também com base em:

“elementos teóricos” ou recursos teóricos que reforçam, no nível do conhecimento e da racionalidade, as técnicas de dominação [da mulher]. É sob este prisma que se analisaram o discurso do poder judiciário, a partir da lei, para provar que, pelo poder de “normalização”, instalou-se no direito penal, um conjunto de práticas, em forma de técnicas de controle físico-corporal, da sexualidade feminina (Silva, 1985, p. 111).

Siga em Frente...

Cultura do medo

Carvalho (2010) explica que, desde as últimas décadas, o Brasil pode ser considerado, para todos os efeitos, um país que segue a mesma tendência punitivista presente no cenário internacional, em detrimento do direito à vida. O encarceramento em massa é prova disso. O autor discute como, em um contexto de crise, incerteza e insegurança, a “cultura do medo”, do “ódio”, da “tolerância zero”, enfim, as lógicas punitivistas, fazem parte do imaginário das pessoas e, sobretudo, da forma de governar dos Estados. A mídia é um vetor de enorme importância dessa “racionalidade”. Não promove uma reflexão que evite o despertar de um sentimento de insegurança, de impunidade, que acompanha, portanto, a ideia da punição, da vingança e da privação de liberdade.

O maior problema a respeito dessa questão, como ressaltam diversos estudiosos, é que o “clamor punitivista” caminha ao lado da violação de garantias e direitos – sobretudo dos direitos humanos, do direito à vida – e do abuso de poder. O que se está produzindo, no fundo, são sociedades mais violentas. Autores como Loïc Wacquant mostram como os países que mais têm encarcerados no mundo, como os EUA, não são aqueles que têm menores índices de criminalidade. Conforme explica o autor, o aprisionamento em massa reflete o funcionamento da “tolerância zero” contra os grupos mais vulneráveis da sociedade: os de baixa renda, os negros e os imigrantes, daí a sua famosa expressão “prisões da miséria” e “criminalização da pobreza” (Conti; Alves, 2019).

Nesta temática, levantamos o tema do populismo penal midiático. Os especialistas em questões penais veem a mídia brasileira como um Quarto Poder, uma força influente logo abaixo dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No entanto, a mídia tende a focar exageradamente o crime, promovendo o chamado populismo penal midiático, cuja punição por encarceramento é a resposta primária. Essa abordagem, no entanto, não visa à reabilitação do infrator, mas serve apenas como um meio de vingança contra o delinquente.

Neste sentido, o trabalho de Luis Felipe Delgado Faleiros (2022) buscou responder ao seguinte questionamento: “A mídia manipula a população, que acaba não buscando a verdade, enraizando o fascínio pelo crime e sua punição?”. Dentre os resultados obtidos, o autor diz que:

[…] a mídia tende a ultrapassar o seu papel e, assim, acaba por influenciar a sociedade que por sua vez anseia que o Poder Legislativo exerça o Direito Penal. Assim como não é diferente sua influência no tribunal do júri, vez que restou provado por meio de casos fáticos aqui apresentados, que crimes de grande repercussão da mídia tendem a ser condenados, assim com o próprio juiz, que tende a decidir por penas mais rígidas (Faleiros, 2022).

Diante disso, as estratégias possíveis de serem desenvolvidas para combater o punitivismo requerem uma abordagem multifacetada e sistêmica, que deve envolver a educação e a conscientização em relação aos sistemas de justiça, aos efeitos das punições severas e à complexidade do comportamento humano; à busca de reformas no sistema de Justiça que priorizem a reabilitação e a reintegração em vez do simples encarceramento; além da ênfase na prevenção, com programas que abordem as causas subjacentes da criminalidade, como a combinação entre a falta de acesso à educação e as múltiplas formas de desigualdades.

A mudança na narrativa midiática também é necessária, com coberturas mais equilibradas e contextualizadas, evitando sensacionalismo e fornecendo informações mais abrangentes a respeito dos fatores por trás do crime, alicerçadas em evidências – dados e pesquisas, evitando decisões puramente emocionais ou políticas, além de reflexões cada vez mais aprofundadas acerca das dinâmicas de organização da realidade social brasileira. 

Vamos Exercitar?

Vamos exercitar o conhecimento sobre a lógica punitiva na realidade social voltando a refletir a respeito do populismo penal midiático, exemplificados com manchetes de violência sensacionalista. Quais são os efeitos emocionais e sociais? Quem são os agentes envolvidos na veiculação desse populismo midiático penal?

Tais veiculações da mídia, além de agirem contra os princípios jornalísticos de factibilidade das informações, violam a presunção da inocência (Silva; Oliveira, 2021), princípio básico do direito internacional que garante que todas as pessoas devem ser consideras inocentes até que haja sentença penal definitiva. Contrariamente, esta mídia age construindo narrativas chocantes e sensacionalistas, consideram suspeitos como culpados antes mesmo de qualquer processo investigativo, expõem identidades de forma invasiva e abusiva, transformando a violência em espetáculo, explorando a dor alheia e em desrespeito aos processos judiciais, agredindo pessoas verbalmente ou criminalmente, fazendo muitas vezes “humor” com base na violência.

Os agentes envolvidos na veiculação desse populismo midiático penal são elites sociais que certamente não vivem a realidade das pessoas pobres e periféricas cuja imagem é explorada. A preocupação de imparcialidade perante a opinião pública não existe; essa mídia noticia apenas fatos compatíveis com os interesses privados de quem a controla. E assim, cria-se uma histeria coletiva que explora a fragilidade humana com o medo da criminalidade, estimulando a sensação de insegurança e criando um terreno fértil com a esperança de soluções míticas e milagrosas, que prometem acabar com esse problema com a promessa de mais violência.

Atrelado a isso, há a falaciosa associação da criminalidade à pobreza, como se fosse intrínseco ser pobre, periférico e, automaticamente, criminoso – o que revela, em realidade, o interesse proposital de construir estereótipos perversos que moldam a opinião das massas e desinforma sobre mecanismos de estruturação social – situação agravada com o marcador de raça. A antropóloga Juliana Borges (2020) alerta:

Se pensarmos na realidade nas periferias e nas favelas hoje, e nas constantes violações de direitos humanos presentes em denúncias de ações de braço indispensável da justiça criminal, que é a polícia, inclusive sendo celebrada em filmes de grande sucesso nacional, podemos afirmar que a tortura permanece como via, não ligada diretamente ao Judiciário, mas como prática constante do aparato de vigilância e repressão. A prática ainda é, infelizmente, recorrente no país e, a meu ver, mantém os fortes laços com o processo de formação do Estado brasileiro (Borges, 2020, p. 37).

São recursos mobilizados – de violência e de manipulação – para manter interesses elitistas em funcionamento, com uma população amedrontada e domesticada. 

Saiba Mais

Aprofundando conhecimentos

A obra organizada por Maura Regina Modena, Conceitos e formas de violência (2016), disponível em sua biblioteca virtual, fornece um conjunto de ensaios elaborados por mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Filosofia, na Universidade de Caxias do Sul. Estes ensaios originaram-se da disciplina do professor Jayme Paviani, sob o título de “Conceitos e formas de violência”.

Exemplificando

Repare quantas vezes você escuta nos jornais e nos programas televisivos notícias de crimes e da ação da polícia. Compare com o tempo dedicado a discutir projetos para construir uma sociedade com trabalho digno para todos, com acesso universal à educação de qualidade, à cultura, à moradia, ou mesmo para revitalizar os espaços públicos das cidades para que as pessoas andem nas ruas e frequentem praças e parques, evitando, assim, a propagação da violência. 

Referências Bibliográficas

BORGES, J. Encarceramento em massa. São Paulo: Sueli Carneiro; Jandaíra, 2020.

CONTI, H. M. de; ALVES, P. V. M. Sociedade Brasileira e Cidadania. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019.

CARVALHO, S. de. O papel dos atores do sistema penal na Era do Punitivismo: o exemplo privilegiado da aplicação da pena. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

FOUCAULT, M. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1997.

FALEIROS, L. F. D. A mídia e o populismo penal midiático: influência na sociedade. Monografia (Graduação em Direito) – Mackenzie, Higienópolis, São Paulo. Disponível em: https://dspace.mackenzie.br/items/15a28f99-fdb2-4b10-a3cc-83e6f1d91736. Acesso em: 30 out. 2023.

MODENA, M. R. (org.). Conceitos e formas de violência. Caxias do Sul: Educs, 2016. Disponível em:: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/187833/pdf/0?code=/XjblT4N0NIY4tM24Om8nDOcrfjbRfFsGJ+ZZ+9oYmmdxxZOR4WZI3PIkS9F22+AX08ex2RDwr1cxlIVCUL+oQ==. Acesso em: 04 abr. 2024.

SILVA, I. I. da. Direito ou punição? Representação da sexualidade feminina no Direito Penal. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985.

SILVA, G. F. R. G.; OLIVEIRA, N. A. de; DIAS, E. F. D. Tratados Internacionais e o Princípio da Presunção da Inocência: Uma reflexão sobre suas Influências no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça, v. 5, n. 7, 2021. Disponível em: https://periodicosonline.uems.br/index.php/RJDSJ/article/download/3083/2393/10402#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20de%20presun%C3%A7%C3%A3o%20de,penal%20definitiva%20atestando%20sua%20culpa. Acesso em: 30 out. 2023.

WACQUANT, L. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 

Aula 4

Fanatismo e Intolerância

Fanatismo e intolerância

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Ponto de Partida

Olá, estudante! Nesse momento de nosso estudo, já deve estar claro que a pluralidade e a diversidade constituem atributos importantes para a democracia e a sociedade brasileiras. Assim, seria enriquecedor para nosso país que testemunhássemos o florescimento de diferentes modos de vida e de pensar em nosso território, não é mesmo?

Entretanto, ao defendermos a multiplicidade de pontos de vista, é interessante nos questionarmos se qualquer opinião, ideologia ou perspectiva encontraria proteção na tão valorizada diversidade. E se, eventualmente, uma compreensão de mundo pregasse exatamente a redução da pluralidade? Devemos considerá-la apenas mais um entendimento diverso, em linha com a democracia plural, que deve, portanto, ser respeitado? Ou existiriam fatores específicos nesse posicionamento que excluem essa concepção de mundo daquilo que valorizamos enquanto sociedade diversificada? Em suma: a intolerância deve ser tolerada? Se não toleramos algo intolerante, estamos sendo, nós também, intolerantes?

Veja como essas reflexões têm aplicabilidade imediata em nossa sociedade contemporânea, sendo fácil identificarmos manifestações extremas, muitas vezes violentas, que se chocam com a diversidade já existente em nosso país. Um caso emblemático nesse sentido foi o ataque a um refugiado sírio, ocorrido em 2017, gravado em vídeo e tema da reportagem citada a seguir:

As imagens mostram um homem armado com dois pedaços de madeira agredindo verbalmente Mohamed Ali, que vende esfirras e doces sírios no bairro. […] Nas imagens, o homem não identificado grita “Saia do meu país!”. “Eu sou brasileiro e estou vendo meu país ser invadido por esses homens-bomba miseráveis que mataram crianças, adolescentes. São miseráveis”, diz o homem. “Vamos expulsar ele!” (Uol, 2017).

Poderíamos considerar a ameaça a um estrangeiro que fugiu de uma guerra sangrenta e está trabalhando como autônomo em nosso país como algo normal dentro da dinâmica democrática ou essa manifestação traduz um movimento estranho àquilo que consideramos como sociedade plural? E quanto às outras formas de intolerância, como racismo, homofobia ou preconceito religioso?

Sabemos que existem profundas diferenças entre o conceito de tolerância e a ideia de que tudo é permitido, fato que nos obriga a manter um olhar atento a certas manifestações e movimentos da atualidade, sobretudo em um país que tem na diversidade uma característica marcante de sua história e de seu povo. 

Vamos Começar!

Falta da alteridade: prejuízo para a humanidade

Alteridade é um conceito fundamental em filosofia e ética que se refere à capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreender e respeitar a perspectiva, a cultura, as crenças e os valores de outras pessoas, mesmo que sejam diferentes dos seus. Trata-se da consideração e do reconhecimento da diversidade e da individualidade dos outros, sem julgamentos preconcebidos. Essa noção enfatiza a importância de reconhecer a dignidade e os direitos dos outros, independentemente das diferenças, e promover relações baseadas na empatia, na compreensão mútua e no respeito pelas diferenças culturais, sociais e individuais. A alteridade desafia a ideia de universalismo, reconhecendo a singularidade e a pluralidade das experiências humanas. Em resumo, trata-se de uma atitude de abertura e consideração para com o próximo, promovendo a convivência harmoniosa e o entendimento entre diferentes indivíduos e grupos na sociedade – não exercitá-la é um prejuízo à humanidade.

Agora vamos fazer um exercício de imaginação. Pense em um homem alemão. Agora, o que vem a sua cabeça se nos referirmos a uma mulher japonesa? E quanto a um garoto da Nigéria? Provavelmente você não teve muitas dificuldades para estabelecer certas características físicas a tais indivíduos, como a cor da pele e do cabelo. Obviamente, existem cidadãos desses países que diferem da fisionomia imaginada, entretanto, o exercício mental nos conduz a certos aspectos mais frequentes desses povos. Agora repita o exercício em relação a um homem brasileiro – e, se possível, compare essas características com aquelas imaginadas e com as características de seus familiares e amigos. Existe uma chance de que você tenha hesitado ao tentar definir as características de nosso povo, ou mesmo que esses elementos sejam diferentes daqueles pensados pelas outras pessoas.

Isso acontece porque a diversidade é um componente marcante de nossa população. Formados historicamente por um contingente de povos nativos, imigrantes europeus e descendentes de africanos, entre outros, a miscigenação é uma característica inegável de nossa população – e impressa em nossas mais diversas características físicas (Conti; Alves, 2019). Semelhantemente, essa formação plural forneceu à nossa sociedade inúmeras tradições, culturas e hábitos que convivem – não sem conflitos – há séculos ao lado uns dos outros.

Nesse contexto, seria natural que as diferenças fossem compreendidas como algo autêntico e genuíno da sociedade brasileira, manifestando suas particularidades de modo equilibrado e em um ambiente de tolerância, não é mesmo? Porém, não é isso que se observa na prática; uma vez que – infelizmente – não é difícil nos depararmos, desde os primórdios de nossa sociedade até os dias de hoje, com as mais variadas formas de intolerância e discriminação em nosso cotidiano.

Diante desse cenário, a conclusão é de que a intolerância ainda é algo presente na realidade cotidiana de nosso país. Quando essa intolerância é praticada de modo intenso, em que aparentemente não há limites para a afirmação de um ideal ou de uma convicção, em que uma causa ou doutrina é perseguida ainda que em contrariedade a evidências científicas – revelando uma adesão fervorosa e desmedida a uma convicção – e em total desprezo às outras maneiras de se analisar o tema, podemos identificar o fanatismo nesse comportamento.

O fanatismo pode ser exercido nas mais diversas áreas da vida humana, seja na paixão a um time de futebol ou, em uma perspectiva mais pertinente aos estudos aqui empreendidos, por meio da adesão a movimentos sociais mais amplos, envolvendo componentes mais abrangentes da vida em comunidade, como política e religião. Se é verdade que as motivações que estimulam o comportamento fanático são inúmeras, e as formas pelas quais essa conduta se manifesta são também muito variadas, e existem alguns fatores levantados pelos estudiosos do tema que revelam, em linhas gerais, algumas tendências do fanatismo (Conti; Alves, 2019).

Nesse sentido, constata-se a tendência de se distinguir as pessoas em categorias ou grupos, muitas vezes em apenas duas classes opostas – adeptos de uma religião versus não adeptos dessa religião; nacionais de um país versus não nacionais –, com o objetivo de reforçar nossas necessidades ou aquilo em que acreditamos. Também nesses grupos observa-se a prática de enaltecer as próprias características – ignorando críticas e vulnerabilidades aplicáveis a essa conduta ou modo de pensar –, em um processo que eleva a rejeição em relação ao outro, àquele que não faz parte dessa comunidade, visto, por vezes, como inimigo.

Um elemento importante nesse cenário é o desenvolvimento de histórias ou narrativas – da vida de um líder, da formação de um Estado – que fortalecem os vínculos emocionais que estabelecemos com as causas e ideias relatadas. Assim, criamos uma mentalidade coletiva uniforme, compartilhando interesses e finalidades por meio de uma identidade social dentro do grupo. Quando a afirmação dessa identidade social é intensa, corremos o risco de limitar nossa percepção do mundo, enxergando apenas o que esse grupo expressa, ignorando outras orientações presentes em nosso dia a dia e acentuando as características que nos vinculam a esse grupo específico. Esse comportamento coletivo pode servir de incentivo para que as pessoas assumam condutas que normalmente não teriam sozinhas, revelando a influência do meio social sobre a ação individual, algo ainda mais forte se coordenado por um líder carismático (Fernandes; Tanji, 2015).

Siga em Frente...

A defesa das liberdades individuais contra o fanatismo

Um dos campos da vida coletiva em que o fanatismo encontra terreno fértil para se desenvolver é na conjunção entre a dinâmica política e a lógica religiosa. Se em tempos passados de nossa história os poderes político e religioso estavam frequentemente concentrados em uma mesma autoridade – o rei ou o imperador, por exemplo –, um marco histórico significativo para a separação desses dois domínios da vida social se dá na eclosão da Revolução Francesa (1789).

Do ponto de vista individual – e em linha com a afirmação dos direitos civis e políticos dos movimentos liberais do século XVIII –, afirmou-se a liberdade de crença, permitindo que cada indivíduo professasse sua fé independentemente da religião adotada; nesse sentido, é exemplar o artigo 10º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789): “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.” (Declaração…, 1789, [s. p.]). Em âmbito estatal, essa separação se dá por meio da subordinação dos órgãos religiosos ao poder político, aproximando a classe religiosa francesa do que hoje chamamos de funcionários públicos (Conti; Alves, 2019).

Esse processo de afastamento da atuação política da condução da vida religiosa se desenvolveria com mais intensidade a partir de então, até que chegássemos ao conceito de laicidade estatal, reconhecendo, em linhas gerais, a neutralidade do Estado em relação às questões religiosas, a liberdade de religião e a pluralidade.

Adotada atualmente na grande maioria dos países do globo, a exemplo do Brasil, a laicidade determina que não há uma religião oficial do Estado e permite que os cidadãos estejam livres – e protegidos – para praticarem a religião que escolherem. Note que a laicidade, ao negar a existência de uma fé estatal, não estabelece a proibição das manifestações religiosas, mas, muito pelo contrário, autoriza a exteriorização de toda e qualquer crença religiosa, amparando-as de modo igualitário.

Assim, é a laicidade do Estado brasileiro que estabelece fundamentos constitucionais para que ninguém tenha seus direitos reduzidos sob justificativas religiosas, que possibilita que os indivíduos disponham de total liberdade para exprimirem sua fé de modo pleno e salvaguardado – tornando ilegais ofensas por parte tanto do Estado quanto de outros indivíduos ou órgãos da sociedade civil – e que impede que órgãos estatais – poder judiciário, polícias, hospitais públicos ou quaisquer que sejam – estabeleçam uma religião manifesta, sob risco de afetar a liberdade religiosa e o tratamento igualitário aos cidadãos nacionais. Percebe-se, portanto, a centralidade desse conceito para a manutenção da pluralidade da democracia de nosso país.

Sob tal entendimento, são variados os dilemas de nossa sociedade contemporânea que se vinculam ao preceito de tolerância – ou intolerância – religiosa, incluindo situações que já se encontram incorporadas em nosso dia a dia, mas que ganham destaque sob perspectivas mais atentas sobre o tema. Nesse sentido, a presença frequente de oratórios dispostos em locais públicos, construídos com verbas públicas e destinados a cultos específicos pode ser polemizada, à luz do conceito de laicidade do Estado (Balan, 2019). Semelhantemente, a autorização para o ensino religioso em escolas públicas na modalidade confessional – isto é, em que se aprofunda o estudo de uma crença específica – poderia prejudicar a neutralidade do Estado no campo religioso, uma vez que a fé ensinada em uma instituição pública estaria em situação de privilégio frente às demais. Segundo Elcio Cecchetti, coordenador-geral do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper), a possibilidade do ensino confessional:

acaba beneficiando a religião católica, que tem uma estrutura de catequistas, editoras e meios de comunicação capaz de atuar em todo o país. ‘As outras instituições saem em desvantagem. Fico imaginando como uma instituição como a umbanda, que não tem editoria, não tem TV, não tem estrutura. Como vai formar professores para dar aula nas escolas? Como as culturas indígenas vão preparar professores? Estamos selando uma desigualdade de partida (Moreno, 2017, [s. p.]).

Em âmbito político, também, podemos questionar a manutenção ou não da laicidade estatal, e o consequente impacto sobre a tolerância religiosa, se mantivermos o foco na formação de grupos parlamentares religiosos, que buscam em suas crenças os fundamentos para a normatização de temas como o aborto, a política de drogas ou o casamento homoafetivo, condicionando a atuação da dinâmica legislativa a uma determinada visão religiosa (Marini; Carvalho, 2018).

 

Laicidade estatal

Em bases teóricas, percebemos que a laicidade reconhece de modo acertado a existência de fundamentos distintos para a condução da dinâmica política e para o exercício da vida religiosa (Conti; Alves, 2019). Há que se reconhecer que as variáveis que orientam a performance política devem ser estritamente racionais, isto é, por mais que existam diferentes opiniões acerca de como a política deve ser conduzida, é fundamental que tais argumentos sejam estabelecidos com base em dados, estudos e análises empíricos – do mundo real –, uma vez que é nesse campo terreno – e não no domínio celeste ou divino – que as relações políticas se estabelecem. Na religião, por sua vez, existem dogmas, crenças e princípios que estão além da razão humana, situando-se no campo da fé, do sagrado, questões inquestionáveis do ponto de vista estritamente racional; e é justamente nessa condição que o fanatismo religioso se torna problemático.

Estabelecer toda uma série de preceitos religiosos – sejam ele de qualquer religião – como parâmetros para a determinação de políticas públicas seria retirar a política do campo da razão e transferi-la para a lógica da fé. Esse movimento não só constituiria um desrespeito à liberdade religiosa, uma vez que os adeptos de crenças diversas à religião preponderante estariam em situação de inferioridade, ao se verem obrigados a acatar uma crença diferente da sua, mas também a ausência de laicidade estatal fragiliza a administração da vida pública, já que torna a política distante da argumentação racional, que é igualmente acessível a todos os cidadãos.

Vale lembrar que se o fundamentalismo religioso se torna evidente quando exercido por meio de ações extremas – como atentados violentos ou perseguições a minorias religiosas –, esse mesmo fanatismo pode muito bem ser praticado por meio de atuações mais sutis, como o aparelhamento dos cargos públicos por integrantes de uma doutrina específica, pelo desvio da atuação estatal em benefício – ou em detrimento – de um grupo religioso e mesmo pela utilização de princípios religiosos particulares na produção legislativa, na atividade judiciária ou na administração pública. O fundamentalismo religioso também pode apresentar diferentes facetas no que se refere à sua autoria, já que essa prática pode ser empreendida por autoridades e órgãos estatais, condicionando a atividade pública a certa concepção religiosa discriminatória, a também pode resultar da ação da sociedade civil, a exemplo da expulsão – ou mesmo agressão – de membros praticantes de religiões distintas daquelas predominantes em suas comunidades (Conti; Alves, 2019).

Nota-se, portanto, que o fundamentalismo religioso contemporâneo apresenta obstáculos significantes ao pluralismo e à consolidação de ambientes democráticos. Essa modalidade de fanatismo estimula a segregação social, ao criar categorias dos adeptos e não adeptos da fé oficial; reduz as possibilidades de diálogo em meio à comunidade, já que orienta sua conduta por crenças específicas unilaterais; e estimula a intolerância, na medida em que atinge a pluralidade social.

Nesse momento do estudo, torna-se importante ressaltar que embora normalmente se costume atribuir o fundamentalismo religioso a esta ou aquela crença, é necessário reconhecer que o fanatismo – infelizmente – não é exclusividade de nenhuma religião, existindo exemplos históricos nas mais diversas devoções.

Podemos identificar, por exemplo, a atuação fundamentalista de grupos católicos irlandeses, como o Exército Republicano Irlandês (IRA, na sigla em inglês), que se utilizavam do terrorismo para forçar a separação da Irlanda do Norte do Reino Unido, justificando sua atuação sob fundamentos da fé católica aplicados às questões políticas da região. No campo do protestantismo, são emblemáticas a opressão e a segregação pregadas pelo Ku Klux Klan nos Estados Unidos, cuja ideologia mesclava dogmas religiosos com teorias racistas, resultando em violência extrema contra as comunidades negra e hispânica, entre outras. No mundo islâmico, por sua vez, o pensamento wahhabista constituiria o fundamento teórico para as atrocidades cometidas pelo autointitulado Estado Islâmico contra indivíduos considerados “infiéis” (Fernandes, [s. d.]).

Nota-se, portanto, que a percepção de que o fundamentalismo religioso constitui atributo de uma fé específica, ou de um grupo praticante dessa crença, não resiste a uma averiguação mais detalhada de nossa história ou de nossa realidade contemporânea, já que essa prática esteve – ou está – presente nas mais diversas religiões de nosso planeta (Conti; Alves, 2019).

Se o aspecto religioso pode ser identificado como fundamento para fanatismos que remontam a séculos passados e que persistem até os dias de hoje, existem outras formas de radicalismo que são marcantes da época contemporânea, sobretudo por se utilizarem dos meios tecnológicos característicos de nosso tempo.

No século XXI, esses fanatismos foram possivelmente intensificados em razão da acentuação dos movimentos migratórios, que, em âmbito nacional ou internacional, fortalecem a mobilidade humana e, consequentemente, elevam o contato com pessoas originárias de outros países ou regiões; não por acaso, os estrangeiros e os migrantes internos são vítimas frequentes desses movimentos fanáticos. Adicionalmente, inovações nas tecnologias de comunicação e informação têm o efeito prático de intensificar o contato, ainda que virtual, entre povos distintos, em um processo que gera reações defensivas de grupos que se sentem ameaçados e precisam reforçar sua identidade local (Kaplan, 2012).

Analisados os diversos movimentos de fanatismo contemporâneos, torna-se evidente que existem fatores comuns à intolerância por eles defendida, dentre os quais podemos citar a utilização de argumentos sem embasamento científico ou racional, valendo-se, portanto, de mitos que não espelham e realidade, bem como o profundo medo ou incompreensão daquilo que é diferente, revelando a fragilidade que reside por trás da aparência de força, tradicional aos movimentos fanáticos. 

Vamos Exercitar?

Qualquer maneira de expressar um comportamento intolerante não encontrará qualquer tipo de defesa teórica – ou mesmo de justificativa prática – que fundamente sua permanência em território nacional a partir do momento em que estudamos o modo como a diversidade e a pluralidade se manifestam neste século XXI, aplicando-as, sobretudo, à sociedade brasileira contemporânea (Conti; Alves, 2019).

Do ponto de vista teórico, como vimos, a eventual aceitação ou complacência com quaisquer mentalidades intolerantes coloca em risco a própria tolerância, que tanto valorizamos em nossa sociedade e no exercício de nossa cidadania. A constituição de uma sociedade brasileira tolerante não implica o acolhimento de todo e qualquer pensamento e ideologia, mas, sim, daqueles que mantêm igual respeito ao conceito de tolerância, assegurando-se um ciclo virtuoso de fortalecimento desse valor.

Sob uma lógica prática, a tolerância não deveria encontrar espaço para se desenvolver em um ambiente já tão plural e diverso em suas origens. Marcado por uma formação histórica e social extremamente miscigenada, o Brasil deve reconhecer em sua multiplicidade de tradições, culturas, hábitos e modos de vida um de seus ativos mais valiosos.

Por isso, o comportamento xenófobo de atacar um refugiado sírio – assim como qualquer outro imigrante, de qualquer outra nacionalidade – por sua simples acolhida em território nacional é evidentemente algo incompatível com os preceitos de nossa democracia pluralista, devendo ser prontamente repudiado pela sociedade civil e pelas autoridades públicas. As ofensas desferidas pelo agressor contra Mohamed Ali são exemplos claros de um pensamento preconceituoso, dotado de estereótipos grosseiros e desprovidos de qualquer fundamentação real.

Desse modo, se é verdade que ainda se observam no país movimentos mais próximos de concepções fanáticas, os motivos elencados justificam uma conduta atuante e concertada, exercida por parte da sociedade civil e dos órgãos públicos, para revelar as deficiências e fragilidades conceituais que estão por trás das mobilizações fundamentalistas, extremistas, negacionistas, xenófobas e ultranacionalistas, ressaltando o distanciamento entre as lógicas autoritárias e reducionistas por elas pregadas e a diversidade e pluralidade típicas de nossa constituição nacional – assim como de outras formas de intolerância. 

Saiba Mais

Leia o trecho a seguir:

Fanático por caipirinha. Fanático por samba. Fanático por viagens. Há fanáticos para tudo. Ou melhor, há fanáticos e fanáticos. Entretanto, parece óbvio que um fanático por novela é algo bem diferente - e bem menos perigoso - que um nazista fanático. Numa época de perplexidade, em que olhamos para as conquistas da humanidade, por um lado, mas vemos, por outro, os homens exibindo sua face mais cruel, torna-se necessária uma obra que dê conta das várias faces que o fanatismo adquiriu ao longo do tempo e em contextos distintos. Num tempo de homens-bomba, atentados terroristas, manifestações racistas, ações extremistas, massacre de inocentes pensar o fanatismo é atual, relevante e urgente. Cruzadas, caça às bruxas, expurgos stalinistas, macartismo, nazismo, terrorismo político, torcidas organizadas, fundamentalismo islâmico e várias outras formas de fanatismo são cuidadosamente tratadas neste livro lúcido e revelador (Pinsky; Pinsky, 2004).

A obra organizada por Carla Bassanezi Pinsky e Jaime Pinsky (org.), chamada Faces do fanatismo (2004), disponível em sua biblioteca virtual, fornece um importante panorama do fenômeno do fanatismo e como ele se apresenta em nossa trama social.

Referências Bibliográficas

BALAN, M. MP pede retirada de todos os oratórios em praças do Rio de Janeiro. Gazeta do Povo, 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/justica/mp-pede-a-retirada-de-todos-os-oratorios-em-pracas-do-rio-de-janeiro-6628yk8xq3v5yip6is41mnbc2/. Acesso em: 13 fev. 2019.

CONTI, H. M. de; ALVES, P. V. M. Sociedade Brasileira e Cidadania. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019.

DECLARAÇÃO de direitos do homem e do cidadão. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos – USP. França, 1789. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4247260/mod_resource/content/1/declaracao%20direitos%20humanos.pdf. Acesso em: 27 out. 2023.

FERNANDES, C. O que é fundamentalismo? Mundo educação, [s. d.]. Disponível em: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/filosofia/fundamentalismo.htm. Acesso em: 31 jan. 2019.

FERNANDES, N.; TANJI, T. O Brasil virou o país do fanatismo. Galileu, 2015. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/05/o-brasil-virou-o-pais-do-fanatismo.html. Acesso em: 30 jan. 2019.

KAPLAN, R. The revenge of geography: what the map tells us about coming conflicts and the battle against fate. New York: Random House, 2012.

MORENO, A. C. Ensino religioso confessional pode gerar disputa por espaço em sala de ala, dizem especialistas. G1, 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/autorizacao-de-ensino-religioso-confessional-pelo-stf-pode-criar-caos-de-gestao-dizem-especialistas.ghtml. Acesso em: 13 fev. 2019.

PINSKY, J.; PINSKY, C. B. (org.) Faces do fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004. 292 p. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/1590/pdf/0?code=G2s1zdFJKSUPbCupLum8AdpGH+bZ7cURzj9+b28WH1kgS2nUJamvfZ//F2y+xGkP7WEbR+adR5Ku9QF78OwXsw== . Acesso em: 04 abr. 2024.

Encerramento da Unidade

Desafios da sociedade brasileira

Videoaula de Encerramento

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Ponto de Chegada

Olá, estudante! Para desenvolver a competência desta unidade, que é conhecer alguns dos principais desafios que afetam a sociedade brasileira e seus processos de formação, para fortalecer o senso coletivo, despertar a consciência crítica e a participação cidadã, você deverá primeiramente refletir a respeito de alguns desses desafios.

Assim, tratamos de obstáculos centrais para a construção de uma sociedade democrática e mais justa: a miséria, a corrupção, o punitivismo e a intolerância, questões de enorme relevância para entendermos e enfrentarmos problemas atuais, e ao mesmo tempo históricos, de nosso país. Se, por um lado, é verdade que esses problemas não são novos e se consolidaram como elementos estruturais, constituintes da sociedade brasileira, por outro lado, também é correto afirmar que em cenários de crise econômica e política as contradições já existentes explicitam-se e acirram-se.

Em um país com um quarto de sua população vivendo abaixo da linha da miséria (são 55 milhões de brasileiros vivendo com renda mensal menor do que R$ 400), um cenário de crise econômica e inflação é mais do que um incômodo: é um risco de vida. Do mesmo modo, em cenários de crise e aumento do desemprego, populações historicamente marginalizadas são aquelas que mais sofrem e se veem, muitas vezes, obrigadas a aceitar condições de exploração desumanas para sobreviverem. No caso brasileiro, por exemplo, se considerarmos o critério cor, a população negra é particularmente atingida por esse quadro, pois convive com taxas de desemprego muito acima daquelas enfrentadas pela população branca.

Ao mesmo tempo, diante das aflições sociais, são buscadas soluções imediatistas – para não dizer “mágicas” – para problemas complexos. Sobretudo nesses momentos, a política, tida como um espaço plural de debates e negociação de impasses, passa a ser entendida não como o campo em que poderíamos resolver nossos obstáculos, mas como o próprio obstáculo. Diante da crise, na mesma medida em que grande parte da sociedade passa a buscar “salvadores” – líderes que seriam supostamente capazes de resolver sozinhos todos os nossos problemas –, passa-se também a procurar os culpados de tal situação: por exemplo, não raramente trabalhadores imigrantes são considerados injustamente os causadores do desemprego ou estudantes cotistas são acusados de “roubarem” as vagas das universidades. Assim, nesse cenário, enquanto a crise econômica reforça o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres e, no caso brasileiro, reitera as estatísticas que separam negros e brancos, a “política” se torna sinônimo de “corrupção”, e as diversas formas de preconceito crescem.

Não à toa, é comum na população uma sensação de desesperança, muitas vezes resumida nos termos populares de “esse país não tem jeito”. Isso não significa, porém, que nossa sociedade seja marcada apenas pela desesperança ou pela inércia diante dos acontecimentos: a corrupção, por exemplo, é um tema debatido por todos – independentemente de seu posicionamento ou visão de mundo – e em todos os ambientes. Mesmo entre desconhecidos, em um caixa de supermercado, por exemplo, o assunto aparece com frequência em conversas que podem durar apenas alguns segundos ou gerar longas e acaloradas discussões.

Podemos dizer, de outro modo, que a sociedade brasileira também oferece suas respostas para seus dilemas, denunciando injustiças e discutindo soluções. Da mesma forma, podemos afirmar que predomina na população um desejo de oferecer propostas que levariam a sociedade para uma outra direção. A constatação do problema ou o simples desejo de mudança, porém, não são suficientes para que apontemos soluções reais e sustentáveis para o nosso futuro. É preciso partir de um diagnóstico preciso, que vai além do senso comum e das respostas prontas como “só no Brasil”.

Como agravante da desigualdade social no país, Katia Maia, em entrevista concedida ao G1, “a terra expressa muito o que é uma sociedade e a América Latina é a região com maior desigualdade na concentração de terra no mundo” (Gonzalez, 2016). Ao comentar os dados fornecidos pela Oxfam que tratam da concentração de terra no Brasil, Katia Maia explica que o país ocupa o quinto lugar na América Latina – depois de Paraguai, Chile, Colômbia e Venezuela – em termos de concentração de terra. Essa pesquisa também indica que “aqueles [municípios] que estão em área de maior produção agrícola do grande agronegócio têm os maiores níveis de pobreza e desigualdade. Porque gera menos emprego e é mais concentrado [em termos fundiários]” (Gonzalez, 2016).

Os movimentos que lutam pela moradia e denunciam essa pobreza urbana refletida na situação dos sem-teto não estão separados desses processos estruturais de produção de desalojados. Esses movimentos também mostram que a vulnerabilidade dessas pessoas e sua exposição a fatores sociais problemáticos podem se reverter em uma força de denúncia das contradições das sociedades urbanas hoje, sendo determinantes para a transformação desses espaços urbanos e para pressionar o Estado para a realização de políticas efetivas no atendimento a essas populações.

Da mesma forma, é impossível entender a dinâmica de funcionamento dos Movimento dos Trabalhadores Sem Terra sem olharmos para os dados, já evidenciados, da concentração de terra e da pobreza rural no Brasil. O direito à terra, assim como o direito à moradia, é fundamental para que possamos caminhar para uma sociedade mais equilibrada e próspera. Justamente por esse motivo, na grande maioria dos países que atualmente são considerados desenvolvidos não há, nem de perto, uma concentração fundiária semelhante à do Brasil. Lembremos também que as famílias assentadas desse movimento adotam um modelo de produção alternativo ao agronegócio, que contempla um número infinitamente maior de famílias envolvidas e é comprometido com a saúde da população brasileira e com a garantia da biodiversidade de alimentos no país, pois não utilizam transgênicos e agrotóxicos (Conti; Alves, 2019).

É válido olhar para as respostas dos movimentos sociais às desigualdades e à pobreza no Brasil, pois elas nos ajudam a entender essas mazelas como socialmente produzidas. De fato, os movimentos sociais refletem a ação organizada de uma coletividade para a defesa de determinados interesses que são coletivos. As reivindicações desses movimentos nos permitem identificar os fatores objetivos e as especificidades que situam as desigualdades e a pobreza como um fenômeno histórico, não como um processo inevitável.

Assim, evitamos cair nas armadilhas de representações das desigualdades sociais e da miséria como naturais, ou seja, como se fizessem parte, desde sempre e para sempre, das sociedades; ou ainda como algo decorrente de um mero “atraso” de populações que estão aprendendo a se modernizar e quando, finalmente, se modernizarem e alcançarem os padrões justos para o desenvolvimento, poderão sanar seus problemas de desigualdade – ideia que remete à lógica das velhas teorias racistas e evolucionistas do século XIX; ou, finalmente, como um problema individual, resultante da indolência dos pobres.

A literatura é hoje razoavelmente consensual em entender a pobreza como um fenômeno multidimensional (Oliveira; Buainain; Neder, 2012). Isso significa que a pobreza não é apenas uma questão de ter ou não uma renda (ou do nível dessa renda), mas também de escolaridade, tipo de emprego, acesso a saneamento básico e transporte, entre outros fatores. Uma política pública eficiente deve levar em consideração essa multidimensionalidade. No entanto, como vivemos em uma sociedade na qual o dinheiro é central, muitos estudos baseiam suas análises da pobreza em um de seus elementos fundamentais: a renda.

De todo modo, se nossos problemas têm uma origem histórica – e eles têm –, isso significa que eles também são possíveis de serem solucionados. Em outros termos, se os impasses que enfrentamos se originam na ação humana, é também a ação humana o caminho para a sua resolução. O conhecimento de experiências bem-sucedidas de transformação social, assim como dos princípios da ética, da política e da cidadania, deve, portanto, ocorrer lado a lado com a ciência aprofundada de como se estruturam nossos problemas.

Outro desafio à sociedade brasileira, é o fenômeno da corrupção, assim definido:

Embora o conceito de corrupção tenha sido historica­mente empregado com vistas a caracterizar compor­tamentos moralmente inadequados, a ciência social moderna abandonou esse tipo de definição. Em vez disso, buscou descrever o conceito em termos do não seguimento de leis e, mais recentemente, de ações que levem à sobreposição entre as esferas pública e privada — mais especificamente, de ações que impli­quem algum tipo de ganho privado somado a dano ao bem público (Geraldini, 2018, p. 26).

 

Segundo Rios (1987), os exemplos de corrupção são incontáveis e envolvem mecanismos diversos de práticas fraudulentas nos pleitos eleitorais, falsificação de toda sorte de documentos (públicos e/ou privados), facilitações em meios públicos e contratos suspeitos e assim por diante. Sem contar os casos em que existe conluio entre instituições e/ou representantes públicos e a criminalidade.

Quando voltamos o olhar para o Brasil, observamos que há uma relação complexa e promíscua entre o Estado e o setor privado, entre servidores ou órgãos de Estado com grande poder para alterar normas e procedimentos, como “reservas de mercado, meios financeiros e regulatórios de criar oligopólios [concentração de poder e controle de serviços nas mãos de poucas empresas], proteções exageradas contra a concorrência externa, multiplicidade confusa de licenças para produzir e comerciar e controles de preços” (Freire, 2017, [s. p.]).

A questão central é entendermos por que esse fenômeno está mais presente em algumas sociedades do que em outras, e qual é a relação disso com o funcionamento da democracia e, sobretudo, com o grau de concentração do poder político e econômico.

Nos primeiros dias da independência, a corrupção brasileira colocou-se brutalmente a serviço do tráfico de escravos. Foi esse, sem dúvida, o pior episódio, o mais abrangente, dramático e vergonhoso da longa história da corrupção no país. Por uma série de tratados que a Inglaterra já começara a impor desde 1810, o tráfico negreiro saía lentamente da legalidade em que prosperara tranquilamente durante dois séculos e meio para uma espécie de ilegalidade teórica, só para “inglês ver”.

Por esse motivo, os primeiros estudos realizados no Brasil sobre o tema passaram a ser produzidos nesse período e ganharam ainda mais força na década de 1990, com o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, que, para fugir do processo, renunciou ao seu cargo, ficou um tempo inelegível e, depois, continuou atuando no cenário político brasileiro como senador. Aos poucos, o chamado “presidencialismo de coalizão” surgido com a Nova República, expunha os dilemas da reconstrução da democracia no Brasil, a partir de acordos – muitas vezes obscuros – da elite política do país. E sabemos que a discussão a respeito da corrupção continuaria nos anos seguintes.

Esse desafio é ainda maior pois, conforme explica Pinto, o discurso da mídia sobre a corrupção “condiciona a forma como cada brasileiro se relaciona com o mundo da política” e tem um peso não desprezível na formação de opinião. Seu principal efeito é o de “impossibilitar uma discussão política sobre a questão, que ultrapasse uma indignação moralista” (Pinto, 2011, p. 11).

Disso deriva o dilema dos regimes democráticos nos quais a denúncia da corrupção é permitida, porém não deixa de ser também uma arma política alimentada pela mídia e por meios de comunicação, sobretudo nos períodos eleitorais. O importante é entendermos que os mecanismos democráticos de controle da corrupção são os únicos que podem realmente combatê-la. Os regimes autoritários jamais serão um antídoto à corrupção. A única diferença, como já destacado, é que nesses regimes os escândalos de corrupção devem ser necessariamente abafados ou eliminados para garantir a manutenção do poder.

Paralelamente, é preciso se perguntar se essas questões estruturais são consideradas nas políticas propostas para combater de modo mais eficiente a corrupção. A sociologia parte dessa última perspectiva e tem a vantagem de afastar um tratamento “moralista”, que foca o comportamento de um indivíduo determinado, ou “naturalizado”, que considera a corrupção um fenômeno natural do ser humano e das sociedades. Ao contrário, nas ciências sociais preza-se pela contextualização e desvendamento da dimensão política, usufruindo direta ou indiretamente do poder público e administrativo "[…] fora de seu campo legítimo, a fim de que o detentor do cargo ou do poder busque auferir vantagem em proveito próprio, ou para distribuí-las entre amigos, servidores, parentes, confrades, correligionários, sócios ou partidários" (Rios, 1987, p. 86)

A luta contra a miséria, a corrupção, o punitivismo e o fanatismo são questões urgentes da população brasileira – e mundial –, que invadem a sala de aula, porque certamente estão determinando a sociedade ao seu redor. O desafio que cabe em um percurso de formação universitária é exatamente o de colocar essas questões em um plano objetivo, com o devido distanciamento, para podermos enxergar com mais nitidez quais elementos são de fato importantes para proporcionar os parâmetros científicos de entendimento da nossa própria realidade. Só assim podemos pensar com mais objetividade em caminhos alternativos ao desenho de uma sociedade em crise. 

É Hora de Praticar!

Assimile os números da fome hoje no Brasil, que informam que atualmente cerca de 21.1 milhões de pessoas estão em situação de vulnerabilidade alimentar. Analise o excerto:

Os números da fome e da insegurança alimentar no Brasil revelam a triste constatação de que a situação se agravou nos últimos anos. Entre 2014 e 2016, cerca de 4 milhões de pessoas viviam em situação de vulnerabilidade alimentar no Brasil, correspondendo a 1,9% da população. No entanto, os dados mais recentes referentes ao período de 2020 a 2022 mostram um aumento alarmante, atingindo 21,1 milhões de pessoas (9,9% da população).

Além disso, cerca de 70,3 milhões de brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar, caracterizada como moderada ou severa. Esse número indica que uma parcela significativa da população não possui acesso adequado à alimentação necessária para uma vida saudável e digna. O relatório também aponta que a crise da fome não é exclusiva do Brasil, mas sim uma realidade global. Desde 2019, mais de 122 milhões de pessoas em todo o mundo foram empurradas para a fome, elevando o número total de pessoas em situação de insegurança alimentar para cerca de 735 milhões (CFN, c2023).

Diante dessa complexidade, podemos nos questionar: esse fenômeno é um problema individual ou social e quais seriam os caminhos para combatê-los?

Reflita

Independentemente de sua opinião prévia, ao discutir, por exemplo, programas sociais de renda mínima ou cotas étnicas, você saberia dizer quais têm sido os efeitos reais – os dados – dessas políticas no Brasil ou no mundo?

Independentemente de sua posição política ou partidarismos, saberia apontar dados que tratam da corrupção no país, assim como os poderes responsáveis por seu combate?

Resolução do estudo de caso

Sintetizamos duas matrizes de discussão acerca da miséria e da fome para refletir.

A abordagem individualista inspira-se na teoria econômica liberal, que considera a liberdade do indivíduo e do funcionamento do mercado como elementos explicativos fundantes dos fenômenos sociais, inclusive da pobreza e da fome. A pobreza e as desigualdades são consideradas naturais das sociedades e, em alguma medida, benéficas ao próprio funcionamento do mercado por fomentar a concorrência. Por exemplo, segundo essa visão, os operários recebem menos porque têm menos qualificação e são mais numerosos em relação à oferta reduzida de trabalhadores mais qualificados. A melhor forma de “equilibrar” a pobreza e as desigualdades é deixar o mercado funcionar livremente e responsabilizar os indivíduos para que tomem iniciativas a fim de melhorar sua condição no mercado.

A partir da visão individualista da pobreza, o único papel do Estado e da sociedade é buscar políticas que fomentem o próprio mercado e, em decorrência, ofereçam oportunidades aos indivíduos para que estes tomem individualmente iniciativas para agir na sua situação vulnerável.

Já a abordagem do Estado social baseia-se em teorias que ganham corpo nos chamados “anos gloriosos”, após a Segunda Guerra Mundial. Elas abandonam o enfoque assistencialista de intervenção do Estado para agir pontualmente e de forma paliativa nas desigualdades e situam o Estado como uma entidade separada e que pode regular os desequilíbrios de matriz econômica, como árbitro garantidor e promotor concomitantemente: 1. dos interesses de mercado e da liberdade “regulada” de ação de suas forças; 2. dos interesses sociais coletivos de seus membros e do bem-estar social mínimo. Nessa visão, a pobreza e a fome não podem ser consideradas um problema individual, mas sim um produto das relações sociais, portanto, coletivo. Muitas reivindicações de movimentos sociais partem desse raciocínio de que é função do Estado intervir no mercado para corrigir injustiças sociais e possibilitar a superação da condição de desvantagem desses grupos no sistema político e econômico.

Quais seriam, então, as formas de combater a pobreza e a desigualdade no Brasil?

No Brasil, nós nunca tivemos um Estado social forte. No entanto, sobretudo com a campanha de nacionalização de Getúlio Vargas e, mais tarde, com a redemocratização do país, em 1988, foram criadas importantes estruturas sociais, como o sistema de educação e de saúde pública. Há também um histórico de programas sociais para agir contra a pobreza e a fome. A questão central é entendermos se o Estado deve se retirar de seu dever constitucional de combate à pobreza e às desigualdades, como dita a Constituição de 1988 (Brasil, 1988), ou se deve manter e melhorar a estrutura de suporte social que já foi construída.

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Assimile

Figura 1 | Síntese dos conteídos abordados durante os estudos

Referências

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 6 nov. 2023.

CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS (CFN). Aumento da Fome e Insegurança Alimentar no Brasil: relatório da ONU revela dados preocupantes. CFN, 14 jul. 2023. Disponível em: https://www.cfn.org.br/index.php/noticias/aumento-da-fome-e-inseguranca-alimentar-no-brasil-relatorio-da-onu-revela-dados-preocupantes/. Acesso: 6 nov. 2023.

CONTI, H. M. de; ALVES, P. V. M. Sociedade Brasileira e Cidadania. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019.

FREIRE, V. T. “As promíscuas relações entre poderosos da política e da economia no Brasil”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 abr. 2017. 

GERALDINI, B. F. S. A Operação Lava-Jato nas páginas de opinião da Folha de São Paulo. 2018. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.

GONZALEZ, A. Estudo mostra concentração de terras no Brasil, expressão máxima de desigualdade social. G1, 6 dez. 2016. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/estudo-mostra-concentracao-de-terras-no-brasil-expressao-maxima-da-desigualdade-social.html. Acesso em: 19 fev. 2019.

OLIVEIRA, R.; BUAINAIN, A. M.; NEDER, H. Pobreza: conceitos e mensuração. In: BUAINAIN, A. M. et al. A nova cara da pobreza rural: desafios para políticas públicas. Brasília, DF: IICA, 2012.

OXFAM. Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural. [S. l.]: Oxfam Brasil, nov. 2016. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/publicacao/terrenos-da-desigualdade-terra-agricultura-e-desigualdade-no-brasil-rural/ . Acesso em: 27 out. 2023.

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OXFAM. Recompensem o trabalho, não a riqueza. [S. l.]: Oxfam Internacional, jan. 2018. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/publicacao/recompensem-o-trabalho-nao-a-riqueza/. Acesso em: 27 out. 2023.

PINTO, C. R. J. A banalidade da corrupção: uma forma de governar o Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

RIOS, J. A. A fraude social da corrupção. In: LEITE, C. B. (org.). A sociologia da corrupção. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.